Semana III da Páscoa
São Marcos – Evangelista
Evangelho:
Mc 16 15-20
15 E disse-lhes: «Ide por
todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda a criatura. 16 Quem crer e
for baptizado, será salvo; mas quem não crer, será condenado. 17 Eis
os milagres que acompanharão os que crerem: Expulsarão os demónios em Meu nome,
falarão novas línguas, 18 pegarão em serpentes e, se beberem alguma
coisa mortífera, não lhes fará mal; imporão as mãos sobre os doentes, e serão
curados». 19 O Senhor, depois de assim lhes ter falado, elevou-Se ao céu e foi
sentar-Se à direita do Pai. 20 Eles, tendo partido, pregaram por
toda a parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra com os
milagres que a acompanhavam.
Comentário:
Em muitas das chamadas “igrejas” que proliferam um
pouco por toda a parte, uma das práticas correntes para atrair e fidelizar
prosélitos é precisamente o recurso a esses “milagres” que o Senhor promete aos
que O seguem e levam a Sua Palavra aos outros.
Como se sabe, tais “milagres” não passam de
mistificações mais ou menos grosseiras porque ninguém tem esse poder senão
aqueles a quem o Senhor o concede.
Os milagres são feitos por Jesus Cristo que se serve
dos homens por Si escolhidos como instrumentos para os realizar.
Não é possível, pois, operar milagres sejam quais
forem, em proveito próprio e, muito menos, se O Senhor está ausente ou é
abusivamente evocado seja por
quem for.
(ama, comentário sobre Mc
16, 15-18, 2013.04.25)
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
PRIMEIRA PARTE
O QUE É SER CRISTÃO?
I.
Relações que Deus estabelece com o homem.
…/11
No Baptismo
somos libertados do pecado e convertidos em novas criaturas: filhos de Deus em
Cristo, na Igreja.
Na Confirmação
recebemos «uma infusão especial” do Espírito que desenvolve em nós o ser
«imagem e semelhança de Deus” e o ser «filhos no Filho”.
Se este é o
«ser” da «nova criatura” do cristão, temos de perguntar-nos como há-de actuar
para saber que se converteu verdadeiramente em «nova criatura”.
Jesus Cristo
manifesta no seu existir a nova realidade existencial humana do Filho de Deus.
O homem que se
constitui em «nova criatura” e quer viver como tal; o que fará para alcançá-lo?
Não se trata de levar a cabo uma imitação externa dos gestos, das palavras, das
acções de Jesus Cristo.
O cristão
há-de viver a mesma «realidade existencial” de Cristo; e isto tem lugar pela
«sua participação na natureza divina”.
É a vida da
Graça que estudaremos no próximo capítulo. Baste-nos agora sublinhar a
profundidade da mudança que se opera no cristão, e que se pode compreender
melhor meditando o «Por Cristo, com Cristo, em Cristo”, e pela acção do
Espírito Santo no nosso «eu”.
Ao saber-se
libertado e perdoado do pecado, partícipe da natureza divina e com capacidade para
descobrir o Amor de Deus em Jesus Cristo, o homem, o cristão necessita também
de descobrir o modo de viver a recomendação do mesmo Senhor: «Se me amais,
guardareis os meus mandamentos”.[i]
Cristo, na sua
realidade de Filho de Deus feito homem, nascido de mulher, é verdadeiramente o
nosso modelo, e dá-nos o exemplo do caminhar para o Pai. A sua afirmação de
«quem me vê a mim vê o Pai” [ii] é
verídica em toda a plenitude.
Cristo não é
um espelho no qual o Pai se reflecte; nem a sombra da realidade de Deus, Cristo,
sendo o Filho de Deus, é a «imagem de Deus invisível” [iii]
feito homem, e portanto, perfeito Deus e perfeito homem, e só sendo Deus pode
afirmar de si próprio que é «o Caminho, a Verdade e a Vida”.[iv]
Jesus Cristo
sublinhou de modo muito particular que é o nosso exemplo em três recomendações
aos seus discípulos e, neles, a todos o crentes, a todos os homens: «Este é o
meu preceito: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”;[v] e
«Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de
coração, e achareis descanso para as vossas almas, poi o meu jugo é suave e a
minha carga é leve”,[vi] e o esclarecimento que
faz sobre a sua vinda à terra, que manifesta a disposição radical da «nova
criatura” ante Deus e ante o mundo: «Não vim para ser servido, mas para servir;
e dar a minha vida em redenção de muitos”.[vii]
A Cristo,
«nova criatura”, descobrimo-lo também com matizes novos no quarto motivo da
Encarnação:
4) O Verbo
encarnou-se para que assim nós
conhecêssemos o amor de Deus: «Nisto se manifestou o amor que Deus nos tem:
em que Deus enviou ao mundo o seu Filho único para que vivamos por meio dele”.[viii]
O pecado de
Adão teve a sua origem na desconfiança de Adão para com Deus. E Adão perseverou
na desconfiança, querendo ocultar-se ao olhar de Deus, depois do pecado.
Com a
Encarnação, e no modo em que teve lugar, Deus manifesta que essa desconfiança
do homem em nada modificou os seus planos sobre a única criatura a quem Deus
«ama por si mesma”, o homem.
A Encarnação
de Cristo anula a desconfiança na sua própria raiz e, com a desconfiança, o
falso temor de Deus que leva o homem a desobedecer.
É a prova que
o homem melhor pode entender do amor de Deus Pai, Filho e Espírito Santo para
com ele.
E, com a
Encarnação, a vida inteira, morte e ressurreição de Cristo é a expressão mais
misteriosa, e inesgotável de significado, do amor de Deus às suas criaturas os
homens.
Todo o viver
de Cristo na terra, o seu nascimento e a sua morte; as tentações no deserto e a
agonia no Horto das oliveiras; as curas de doentes e endemoninhados; os
diálogos com fariseus, publicanos, sacerdotes, pecadores, etc., escondem a
manifestação plena de Amor que Deus Pai expressa ao mundo, ao homem: «Porque
tanto amou Deus o homem, que deu o seu Filho único, para que todo o que
acredite nele não pereça, mas tenha a vida eterna”.[ix]
Jesus Cristo
morreu na Cruz, não porque a Crucifixão fosse necessária para a Redenção; mas
para nos manifestar o Amor do Pai:
«Ninguém tem amor maior que este de dar a vida
pelos seus amigos”.[x]
Ao dar-nos
desta forma a conhecer todo o seu Amor, Deus anseia que o homem recupere
plenamente a confiança nele e volte de novo a viver a alegria de «obedecer” a
Deus Pai, que só deseja sustentar a nossa alegria, o nosso gozo, em lhe
«obedecer”.
Porque só
assim será possível que o homem aceite livremente a realidade da «nova criatura”
que nasce nele pela graça, «participação da natureza divina”, e se decida a
seguir os passos de Cristo.
Também agora é
importante sublinhar que qualquer tentativa de «reduzir existencialmente Cristo”
e negar-lhe a sua condição de «Filho de Deus feito homem” tornaria impossível a
manifestação tão clara e plena do amor divino: como poderia Jesus Cristo
ter-nos dado a conhecer o Amor de Deus Pai, dando a sua vida por nós, se não
estivesse em condições de afirmar a com plenitude de verdade ao anunciar a
vinda do Espírito Santo: «Naquele dia conhecereis que eu estou no meu Pai e,
vós em mim e eu em vós…; o que me ama a mim será amado por meu Pai e eu o
amarei e me manifestarei a ele”?[xi]
Tampouco poderia ter-nos convidado a acreditar nele, dizendo-nos que «o Pai
está em mim e eu no Pai”.[xii]
VII. a
graça
Vimos como Deus Pai, depois do pecado de Adão e Eva, que levava consigo a
rejeição por parte do homem da sua condição de criatura, a «imagem e semelhança
de Deus”, estabelece e enriquece a ordem da criação com a obra de Jesus Cristo,
Filho de Deus feito homem.
Restabelece e eleva a criação, abrindo o segundo vínculo, a segunda relação
de Deus com os homens: a Redenção.
Primeiro perdoa-nos o pecado, porque o perdoar o pecado na alma do homem é
também um passo prévio da vinda de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, a cada
ser humano, a dada pessoa, meta e cume da Redenção.
A afirmação de Cristo: «viremos a ele e faremos nele morada”[xiii])
supõe, por sua vez, o cumprimento das palavras de Cristo: «Vim para que tenham
vida e a tenham em abundância”.[xiv]
Esta transmissão da vida divina no ser humano é a «segunda criação” do
homem, que considerámos ao falar do segundo motivo da Encarnação do Filho de
Deus: «fazer-nos partícipes da natureza divina” [xv]
A «participação” comporta a introdução do ser humano na vida eterna de
Deus, convertendo a sua realidade de criatura a «imagem e semelhança” na nova
realidade de «filho de Deus”, para a qual foi criado; e, ao mesmo tempo, é o
cumprimento da espera de Deus para voltar a tomar posse do que, desde a origem,
lhe pertence.
Essa «certa participação na natureza divina” é a inefável e misteriosa
realidade a que chamamos «Graça”, que recebemos nos sacramentos, «sinais
sensíveis e eficazes da graça, instituídos por Jesus Cristo para santificar as
nossas almas”.
Para uma melhor compreensão do que se segue, recolhemos algumas definições
do Catecismo:
«A graça de Cristo é o dom gratuito que Deus nos faz da sua vida infundida
pelo Espírito Santo na nossa alma para a curar do pecado e santificá-la: é a
graça santificante ou divinizadora, recebida no Baptismo. É em nós a fonte da
obra da santificação: ‘Portanto, o que está em Cristo é uma nova criação:
passou o velho, tudo é novo’”)[xvi].
«A graça santificante é um dom
habitual, uma disposição estável e sobrenatural que aperfeiçoa a alma para a
tornar capaz de viver com Deus, de actuar por seu amor: Deve distinguir-se
entre a graça habitual, disposição
permanente para viver e actuar segundo a vocação divina e as graças actuais, que designam as intervenções
divinas que estão na origem da conversão ou no curso da obra da santificação”.[xvii]
Graças sacramentais: entre elas estão os «carismas” [xviii]
que estão ordenados ao serviço da caridade, que edifica a Igreja; e as graças de estado, que acompanham o
exercício das responsabilidades da vida cristã.[xix]
Como podemos apreciar, os diferentes adjectivos da Graça, mais que
reflectir realidades diferentes – a Graça é sempre «certa participação na
natureza divina” -, ajudam-nos a compreender os diferentes modos de tronar-se
eficaz essa «participação”, nas variadas circunstâncias da nossa vida; e o modo
de incidir na acção do cristão, sempre com a perspectiva do sentido total da
sua vida: a união como «filho de Deus em Cristo”“, de ser «outro Cristo”, de
ser o «próprio Cristo”.
Com estas premissas, sempre que fizermos referência à «graça de Cristo”, a
«graça divinizadora”, empregaremos a palavra Graça, com maiúscula.
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
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