Art. 4 — Se o efeito do
sacerdócio de Cristo não só pertencia aos outros, mas também a ele próprio.
O
quarto discute-se assim. — Parece que o efeito do sacerdócio de Cristo não pertencia
só aos outros, mas também a ele próprio.
1.
— Pois, é ofício do sacerdote orar pelo povo, segundo aquilo da Escritura: Os
sacerdotes estavam fazendo oração enquanto o sacrifício se consumava. Ora, não
somente orou pelos outros, mas também por si mesmo, como se disse e como
expressamente o afirma o Apóstolo, quando escreve que nos dias da sua
mortalidade ofereceu com um grande brado e com lágrimas preces e rogos a Deus
que o podia salvar da morte. Logo, o sacerdócio de Cristo teve o efeito não só para
os outros mas também para si.
2.
Demais. — Cristo ofereceu-se a si mesmo em sacrifício, na sua paixão. Ora, pela
sua paixão mereceu não somente pelos outros, mas também para si, como se
estabeleceu. Logo, o sacerdócio de Cristo produziu efeito não só para os outros
mas também para si.
3.
Demais. — O sacerdócio da lei antiga foi figura do sacerdócio de Cristo. Ora, o
sacerdote da lei antiga oferecia sacrifício não só pelos outros, mas também por
si mesmo, no dizer da Escritura: O pontífice entra no santuário para orar por
si e pela sua casa e por todo o ajuntamento de Israel. Logo, também o
sacerdócio de Cristo produziu efeito não só para ele próprio, mas ainda para os
outros.
Mas,
em contrário, lê-se no Sínodo Efesino: Quem
disser que Cristo ofereceu sacrifício por si e não, antes, só por nós — pois
não precisava de sacrifício quem era isento de pecado — esse seja anátema.
Ora, o ofício do sacerdote consistia sobretudo em oferecer sacrifícios. Logo, o
sacerdócio de Cristo nenhum efeito produziu para Cristo.
Como dissemos, o sacerdote é constituído medianeiro entre Deus e o povo. Ora,
precisa de um medianeiro quem por si só não pode chegar a Deus; e por isso
depende do sacerdócio e participa do efeito dele. Ora, de tal não precisava
Cristo e assim diz o Apóstolo: Chegando-se
por si mesmo a Deus, vivendo sempre para interceder por nós. Por isso não
cabia a Cristo beneficiar do efeito do sacerdócio; ao contrário, comunicava-o
ele aos outros. Pois, o agente primeiro, em qualquer género, é, nesse género,
influente e não recipiente; assim, o sol ilumina e não é iluminado e o fogo não
é aquecido, que aquece. Ora, Cristo é a fonte de todo sacerdócio; pois, se
figura dele era o sacerdócio da lei, o sacerdote da lei nova obra, na pessoa
dele, segundo o Apóstolo: Pois eu a
indulgência de que usei, se de alguma tenho usado, foi por amor de vós em
pessoa de Cristo. Por isso não cabia a Cristo beneficiar do efeito do
sacerdócio.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A oração, embora própria dos sacerdotes,
contudo não é o ofício peculiar deles; pois, qualquer pode orar por si e por
outrem, segundo a Escritura: Orai uns
pelos outros para serdes salvos. E assim, poderíamos dizer que a oração, na
qual Cristo rogou por si, não era acto de sacerdócio seu. Mas essa resposta
fica excluída pelas Palavras que o Apóstolo, depois de ter dito — Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem
de Melquisedeque acrescenta: O qual nos dias da sua mortalidade, preces
etc., como acima; e assim, a oração feita por Cristo pertencia-lhe ao
sacerdócio. E por isso devemos dizer, que os outros sacerdotes participam-lhe o
efeito do sacerdócio, não enquanto sacerdotes, mas enquanto pecadores, como
mais abaixo diremos. Ora Cristo, absolutamente falando, não teve nenhum pecado.
Mas teve na sua carne a semelhança do pecado. Por isso não devemos, em sentido
absoluto, afirmar que participou do efeito do sacerdócio; mas só, de certo
modo, isto é, pela passibilidade da carne. Donde o dizer assinaladamente: Que o
podia salvar da morte.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Na oblacção do sacrifício de qualquer sacerdote podemos considerar duas
coisas: o próprio sacrifício oferecido e a devotação do oferente. Ora, o efeito
próprio do sacerdócio é o resultado próprio do sacrifício. Ora, Cristo
alcançou, pela sua paixão, a glória do ressurgir; não quase em virtude do sacrifício,
oferecido a modo de satisfação, mas pela própria devotação, pelo qual sofreu a
paixão humildemente e segundo a caridade.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A figura não pode adequar-se à verdade. Por isso o sacerdócio
figurado da lei antiga não podia chegar à perfeição de não precisar do
sacrifício satisfatório, do qual Cristo não precisava. Donde, não há
semelhanças de razão em ambos os casos. E tal é o que diz o Apóstolo: A lei
constituiu sacerdotes a homens que têm enfermidade; mas a palavra do juramento,
que é depois da lei, constitui ao Filho perfeito eternamente.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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