03/03/2015

Tratado do verbo encarnado 135

Questão 22: Do sacerdócio de Cristo

Art. 3 — Se o efeito do sacerdócio de Cristo é a expiação dos pecados.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o efeito do sacerdócio de Cristo não é a expiação dos pecados.

1. — Pois, só Cristo pode apagar os pecados, conforme a Escritura: Eu sou o que apaga as tuas iniquidades. Ora, Cristo não é sacerdote enquanto Deus, mas enquanto homem. Logo, o sacerdócio de Cristo não é expiador dos pecados.

2. Demais. — O Apóstolo diz que as vítimas do Antigo Testamento não se podiam fazer perfeitos; doutra sorte teriam cessado de se oferecer, pelo motivo de que não teriam de ali em diante consciência de pecado algum os ministros que uma vez fossem purificados; mas nos mesmos sacrifícios todos os anos se faz memória dos pecados. Ora, semelhantemente, no sacrifício de Cristo há uma comemoração de pecados, quando se diz — Perdoai-nos as nossas dívidas. E também é oferecido continuamente o sacrifício na Igreja, donde o dizer-se ainda — o Pão nosso de cada da nos dai hoje. Logo, pelo sacerdócio de Cristo não se expiam os pecados.

3. Demais sobretudo na lei antiga era imolado um bode pelo pecado do príncipe; ou uma cabra pelo pecado de alguém do povo; ou um vitelo, pelo pecado do sacerdote, como se lê na Escritura. Ora, Cristo não é comparado a nenhum desses animais, mas ao cordeiro, como se lê na Escritura: Eu era como um manso cordeiro, que é levado a ser vítima. Logo, parece que o seu sacerdócio não é expiador dos pecados.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O sangue de Cristo, que pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo sem mácula a Deus, alimpará a nossa consciência das obras da morte, para servir ao Deus vivo. Ora, os pecados chamam-se obras da morte. Logo, o sacerdócio de Cristo tem a virtude de purificar os pecados.

São necessárias duas condições para a perfeita purificação dos pecados, pois que há no pecado duas coisas, o saber, a mácula da culpa e o reato da pena. Quanto à mácula da culpa, ela apaga-se pela graça, que converte para Deus o coração do pecador; e quanto ao reato da pena, fica totalmente eliminado pelo satisfazer do homem a Deus Ora, ambos esses efeitos realizou-os o sacerdócio de Cristo. Assim, pela sua virtude, foi-nos dada a graça, pela qual os nossos corações se convertem a Deus, segundo o Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que tem em Jesus Cristo, ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue. E também ele plenariamente satisfez por nós, enquanto tornou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores. Donde é claro que o sacerdócio de Cristo tem plena virtude de expiar os pecados.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora Cristo não fosse sacerdote, enquanto Deus, mas enquanto homem, contudo ele próprio foi sacerdote e simultaneamente Deus. E por isso se lê no Sínodo Efesino: Quem disser, que aquele que se fez nosso Pontífice e Apóstolo não foi o Verbo de Deus, mas um como homem especialmente nascido da mulher e diferente dele, seja anátema. Donde, na medida em que a sua humanidade obrava em virtude da divindade, o seu sacrifício foi eficacíssimo para apagar os pecados. Donde o dizer Agostinho: Em todo o sacrifício consideram-se quatro causas - a quem é oferecido, por quem é oferecido, o que é oferecido, por quem é oferecido. Donde, Cristo, sendo o único e verdadeiro mediador, que nos reconciliou com Deus pelo sacrifício da paz, permanecia um com aquele a quem oferecia, reduziu em si à unidade todos aqueles por quem oferecia, e era uma mesma unidade, ele que oferecia, com o que oferecia.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os pecados não lembram, na lei nova, por causa da ineficácia do sacerdócio de Cristo, como se por ele os pecados não estivessem suficientemente expiados. Mas, são lembrados, relativamente àqueles que ou não lhe querem participar do sacrifício, como os infiéis, por cujos pecados oramos, para que se convertam; ou também relativamente àqueles, que depois de terem participado, desse sacrifício, de qualquer modo, pelo pecado, desviam-se dele. Quanto ao sacrifício que se oferece quotidianamente na Igreja, não é diverso do sacrifício que o próprio Cristo ofereceu mas, comemoração dele. E por isso diz Agostinho: O próprio Cristo, que ofereceu o sacrifício, foi a oblacção dele; cujo sinal sagrado e quotidiano, quer que fosse o sacrifício da Igreja.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Orígenes, embora na lei antiga se oferecessem diversos animais, contudo o sacrifício quotidiano, que era oferecido de manhã e de tarde, era o cordeiro, como se lê na Escritura. E por isso significava, que a oblacção do verdadeiro cordeiro, isto é, de Cristo, seria o sacrifício consumptivo de todos os outros. Donde o dizer a Escritura: Eis aqui o cordeiro de Deus, eis aqui o que tira o pecado do mundo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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