Art. 3 — Se convinha a
Cristo orar por si.
O
terceiro discute-se assim. — Parece que não era conveniente a Cristo orar por
si.
1.
— Pois, diz Hilário: Embora de nada lhe
servisse proferir palavras, contudo falou, para proveito da nossa fé.
Assim, pois, parece que Cristo não orou por si, mas por nós.
2.
Demais. — Ninguém ora senão pelo que quer, pois, como já dissemos, a oração é
uma expressão da nossa vontade a fim de ser satisfeita por Deus. Ora, Cristo
queria sofrer o que sofria, e assim diz Agostinho: O homem, muitas vezes, encoleriza-se contra a sua vontade, embora não
queira, se entristece, dorme embora não queira, e contra a vontade tem fome e
sede. Ora, Cristo por passou tudo isso porque quis. Logo, não lhe competia
orar por si.
3.
Demais. — Cipriano diz: O Mestre da paz e
da unidade não quis orar secreta e privadamente, como quem, quando ora, não
pede só por si. Ora, Cristo fez o que ensinou, como o diz a Escritura: Jesus começou a fazer e a ensinar. Logo,
Cristo não orou nunca só por si.
Mas,
em contrário, o próprio Senhor, ao orar, dizia: Glorifica ao teu Filho.
Cristo orou por si, de dois modos. Primeiro, exprimindo o afecto da sua
sensibilidade, como se disse, ou ainda o da simples vontade, considerada como
natureza, como quando pediu que passasse de si o cálice da paixão. De outro
modo, exprimindo o afecto da vontade deliberada, considerada como razão, como
quando pediu a glória da ressurreição. E isto racionalmente. Pois, como
dissemos, Cristo quis recorrer ao Pai, na sua oração, para nos dar o exemplo de
orar e para nos mostrar, que o seu Pai é o autor de que eternamente procede,
segundo a sua natureza divina e que dele tem, segundo a sua natureza humana,
todo o bem que tem. Assim, pois, como pela sua natureza humana já tinha
recebido do Pai certos bens, assim também dele esperava alguns outros, que
ainda não tinha, mas que devia receber. Donde, assim como pelos bens já
recebidos, na sua natureza humana, dava graças ao Pai, reconhecendo-lhe a
autoridade deles conforme o lemos nos Evangelhos, assim também para que
reconhecesse o Pai como autor, pedia-lhe nas suas orações o que lhe faltava à
natureza humana, por exemplo, a glória do corpo e outros bens semelhantes. E
nisto também nos deixou o exemplo, para que demos graças pelos bens que
recebemos e peçamos também os que ainda não temos.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Hilário refere-se à oração vocal, que não
precisava, por si mesmo, mas só por causa de nós, por isso diz assinaladamente,
que de nada lhe servia proferir palavras. Se, pois, o Senhor ouviu o desejo dos pobres, como diz a Escritura, com muito
maior razão só a vontade de Cristo tem o poder da oração, perante o Pai. E por
isso ele mesmo dizia: Eu bem sabia que tu
sempre me ouves, mas falei assim por atender a este povo que está à roda de
mim, para que eles creiam que tu me enviaste.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Cristo certamente queria sofrer o que sofria, e no tempo em que o
sofria, queria contudo, depois da paixão, ser glorificado no seu corpo, glória
que ainda não tinha. E essa ele esperava-a do Pai como autor dela. Donde, e
convenientemente, o pedir-lho.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A própria glória que Cristo pedia nas suas orações, era
pertinente à salvação dos outros, segundo aquilo do Apóstolo: Ressuscitou para nossa justificação. E
por isso, as orações que fazia, por si, de certo modo também redundavam para os
outros. Assim como quando pedimos um bem a Deus para o empregarmos em benefício
alheio, oramos não só por nós mesmos mas também pelos outros.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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