Em seguida devemos tratar da unidade
de operação em Cristo.
E nesta questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se em Cristo é uma só a
operação da divindade e da humanidade.
Art. 2 — Se em Cristo há várias
operações humanas.
Art. 3 — Se a acção humana de Cristo
podia ser meritória.
Art. 4 – Se Cristo podia merecer para
os outros.
Art.
1 — Se em Cristo é uma só a operação da divindade e da humanidade.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que em Cristo é só uma a operação da divindade e da humanidade.
1. — Pois, diz Dionísio: A operação de Deus para connosco foi discernidamente
benigníssima, porquanto o Verbo supersubstancial humanou-se, íntegra e
verdadeiramente, assumindo uma natureza semelhante à nossa, de nós mesmos
recebida, e operou e sofreu tudo o que se compadecia com a sua operação divina
e humana. E isso a que chama operação humana e divina, em grego denomina-se,
isto é, divino humano. Logo, parece que havia em Cristo uma operação composta.
2. Demais. — O agente principal e o
instrumento têm uma mesma operação. Ora, a natureza humana em Cristo era
instrumento da divina, como se disse. Logo, em Cristo, as operações divina e
humana identificam-se.
3. Demais. — Havendo em Cristo duas
naturezas numa só hipóstase ou pessoa, necessariamente é um mesmo o ser da
hipóstase ou da pessoa, pois, só o suposto subsistente é que opera, donde o
dizer o Filósofo, que agir é próprio do
indivíduo. Logo, em Cristo é uma só a operação da divindade e da
humanidade.
4. Demais. — Assim como o existir é
próprio da hipóstase subsistente, assim também o agir. Ora, por causa da
unidade da hipóstase, Cristo tem um só ser, como se disse. Logo, também pela
mesma unidade, há em Cristo unidade de operação.
5. Demais. — A uma obra corresponde
uma operação. Ora, uma era a obra da divindade e da humanidade, como a cura de
um leproso ou a ressurreição de um morto. Logo, parece que em Cristo é uma
mesma a operação da divindade e da humanidade.
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Como pode uma mesma operação provir de
potências diversas? Por ventura poderá o menor operar como o maior e haverá uma
só operação onde há diversidade de substâncias?
Como dissemos, os
heréticos, que atribuíram a Cristo uma só vontade, atribuíram-lhe também uma só
operação. E para que melhor compreendamos quão errónea é essa opinião, devemos
considerar que quando há muitos agentes ordenados, o inferior é movido pelo
superior, assim, no homem, o corpo é movido pela alma e as potências inferiores
pela razão. Donde, as acções e os movimentos do princípio inferior são, antes,
efeitos operados, que operações, ao passo que as operações do princípio supremo
são operações propriamente ditas. Assim, se disséssemos, que no homem o andar
dos pés e o apalpar das mãos são operações dele, operando-os a alma — pelos
pés, a primeira, e a segunda, pelas mãos. E sendo a mesma alma que opera,
desses dois modos, da parte do agente, que é o primeiro princípio motor, há uma
só e mesma operação, elas diferem porém quanto aos efeitos operados. Assim,
pois, como, no homem, enquanto tal, o corpo é movido pela alma e o apetite
sensitivo, pela razão, assim também, em Nosso Senhor Jesus Cristo, a natureza
humana era movida e governada pela divina. Por isso, os referidos heréticos
diziam que as operações são as mesmas, sem nenhuma diferença, relativamente à
divindade que opera, mas são diversas as coisas operadas. E assim, a divindade
de Cristo agia, de um modo, por si mesma, enquanto sustentava todas as coisas
com o poder da palavra, e agia de outro modo, pela sua natureza humana, assim,
por exemplo, andava corporalmente. Por isso, o Sexto Sínodo cita as palavras do
herético Severo, que soam: As ações e as
próprias operações de Cristo muito diferiam entre si. Pois, umas eram próprias
de Deus e outras, do homem. Assim, andar corporalmente sobre a terra por o
homem pode certamente o, mas, fazer andar os coxos e os que de nenhum modo são
capazes de se mover, é próprio de Deus. Ora, Verbo incarnado fez uma e outra
cousa, sem que fossem umas próprias de uma determinada natureza e outras, de
outra, nem por serem diversas as obras diríamos, com acerto, que procedem de
duas naturezas.
Mas, assim pensando, enganava-se.
Pois, a acção do que é movido por outro é dupla: uma a tem pela sua forma
própria, outra, enquanto recebe de fora o movimento. Assim, a acção do machado,
pela sua própria forma, é cortar, mas, enquanto movido pelo artífice, a sua acção
própria é fazer um móvel. Donde, a operação própria de um ser é a que ele
realiza em virtude da sua forma, nem pertence ao motor senão na medida em que
dele se serve para a sua acção própria. Assim, aquecer é operação própria do
fogo, não porém, do ferreiro, senão na medida em que se serve do fogo para
aquecer o ferro. Mas a operação de um ser, só enquanto movido por outro, não
difere da do agente que o move, assim, fazer um móvel não é operação diferente
da do artífice. Donde, sempre que o motor e o movido têm forma ou virtudes
operativas diferentes, então e necessariamente, uma é a operação do motor e
outra, a do movido, embora o movido participe da operação do motor e o motor se
sirva da operação do movido, e assim um obre com a cooperação do outro.
Assim, pois, em Cristo, a natureza
humana tem uma forma e virtude próprias, pelas quais obra, e também a natureza
divina. E portanto, a natureza humana tem uma operação própria distinta da
operação divina, e vice-versa. Contudo, a natureza divina serve-se da operação
da natureza humana, como sendo a operação do seu instrumento, e
semelhantemente, a natureza humana participa da operação da natureza divina,
como o instrumento participa da operação do agente principal. E é o que diz
Leão Papa: Uma e outra forma, isto é,
tanto a natureza divina de Cristo como a humana, em comunhão com a outra, jaz o
que lhe é próprio: o Verbo obra o que é próprio do Verbo, e a carne executa o
que lhe pertence executar. Se, porém, a operação, da divindade e da
humanidade fosse uma só em Cristo, deveríamos admitir ou que a natureza humana não
tinha forma e virtude próprias, donde — sendo impossível dizê-lo, da natureza
divina — se seguiria que em Cristo só havia a operação divina, ou que as virtudes
divina e humana se fundiram em Cristo numa só virtude. Ora, tudo isso é
impossível, pois, pela primeira hipótese teríamos de admitir a imperfeição da
natureza humana de Cristo, e pela segunda, a confusão das naturezas.
Por isso e com razão o Sexto Sínodo
condenando a opinião referida, dispõe: Glorificamos
no mesmo Cristo Senhor nosso e verdadeiro Deus duas operações naturais
indivisas, inconvertíveis, inconfusas, inseparáveis, isto é, uma operação
divina e outra humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A operação teândrica isto é, divino humana ou humano divina, que Dionísio
atribui a Cristo, ele não a funda em nenhuma confusão de operações ou de
virtudes de ambas as naturezas, mas porque a divina operação de Cristo se serve
da humana e a humana participa da virtude da divina. E por isso diz numa
Epístola: Os seus actos humanos realizava-os de modo superior ao humano, como o
demonstra a conceição sobrenatural da Virgem e o facto de ter-se sustentado à
tona da água apesar do peso do seu corpo. Ora, é manifesto, que tanto conceber
como andar, a natureza humana o pode, mas, uma e outra coisa Cristo a fez sobrenaturalmente,
do mesmo modo, quando curou o leproso pelo simplesmente tocar, obrava
humanamente, enquanto Deus. Por isso Dionísio acrescenta: Não agia divinamente, como Deus, nem humanamente, como homem, mas tendo
o Deus sido feito homem, obrava, por uma nova operação, obras próprias de Deus
e do homem. - Mas, que entendia serem duas as operações em Cristo — uma da
natureza divina e outra, da humana, resulta claro do passo onde, declara: Do pertinente à sua acção humana nem o Pai
nem o Espírito Santo participam, por nenhuma razão, salvo se disséssemos
participarem, por uma benigníssima e misericordiosa vontade, isto é, enquanto
que o Pai e o Espírito Santo quiseram por sua misericórdia, que Cristo agisse
como homem e sofresse. Mas acrescenta: Em
todas as sublimíssimas e inefáveis obras divinas que obrou, feito homem,
mostra-se imutavelmente Deus e Verbo de Deus. Donde é claro que uma é a sua
operação humana, da qual nem o Pai nem o Espírito Santo participam, salvo pela
aceitação da sua misericórdia, e outra a que obra como Verbo de Deus, da qual
participam o Pai e o Espírito Santo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Dissemos que um
instrumento age quando movido pelo agente principal, mas, além dessa acção,
pode o instrumento ter uma operação própria resultante da sua forma, como
dissemos a respeito do fogo. Assim, pois, a acção do instrumento, como tal, não
difere da do agente principal, mas pode, como um determinado ser que é, ter
outra operação. Donde, a operação da natureza humana de Cristo, enquanto instrumento
da divindade, não difere da operação da divindade, assim, a salvação obrada
pela humanidade não difere da operada pela divindade. Mas, a natureza humana em
Cristo, enquanto uma determinada natureza, tem uma operação própria, além da
divina, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Operar é
próprio da hipóstase subsistente, mas, segundo a forma e a natureza da qual a
operação recebe a sua espécie. Donde, da diversidade das formas ou naturezas
resultam espécies diversas de operações, ao passo que da unidade da hipóstase
resulta a unidade numérica da operação especificada. Assim, o fogo tem duas
operações especificamente diversas — iluminar e aquecer — por causa da
diferença entre a luz e o calor, contudo, a iluminação é uma operação única e
simultânea produzida pelo fogo. Semelhantemente, pelas suas duas naturezas, hão-de
ser por força duas e especificamente diferentes as operações de Cristo, mas,
cada uma delas é numericamente uma e simultaneamente realizada por Cristo,
assim um é o seu acto de andar e um, o de curar.
RESPOSTA À QUARTA. — A pessoa tem por
natureza existir e operar o, mas de modos diferentes. Pois, a existência
pertence à constituição própria da pessoa, e assim considerada, ela exerce a
função de termo, e por isso a unidade de pessoa supõe a unidade do próprio ser
completo e pessoal. Mas a operação é um efeito da pessoa, em virtude de uma
determinada forma ou natureza. Por isso, a pluralidade de operações não
prejudica a unidade pessoal.
RESPOSTA À QUINTA. — Um é o efeito
próprio da operação divina e outro, o da humana, em Cristo. Assim, efeito
próprio da operação divina é a cura do leproso, ao passo que efeito próprio da
natureza humana é tê-lo tocado. Mas, ambas essas operações concorrem para o
mesmo efeito, porque uma natureza age com a participação da outra, como
dissemos.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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