Art.
3 — Se Cristo tinha duas vontades racionais.
O terceiro discute-se assim. — Parece
que Cristo tinha duas vontades racionais.
1. — Pois, como diz Damasceno, há duas
vontades no homem a natural, chamada e a racional, chamada. Ora, Cristo na sua
natureza humana tinha tudo o concernente à perfeição da natureza humana. Ora,
ambas as vontades referidas existiam em Cristo.
2. Demais. — A potência apetitiva diversifica-se
no homem conforme as diversidades da potência apreensiva, e portanto, da
diferença entre o sentido e o intelecto deriva para o homem a diferença entre o
sensitivo e o intelectivo. Ora, semelhantemente, quanto à apreensão no homem,
há diferença entre a razão e o intelecto, que ambos existiram em Cristo. Logo,
houve nele dupla vontade — uma intelectual e outra, racional.
3. Demais. — Alguns atribuem a Cristo
uma vontade de piedade que só pode pertencer à parte racional. Logo, em Cristo
há várias vontades racionais.
Mas, em contrário, em toda ordem há um
primeiro motor. Ora, a vontade é primeiro motor na ordem dos actos humanos.
Logo, cada homem não tem senão uma vontade propriamente dita, e é a racional.
Ora, Cristo é homem. Logo, em Cristo só há a vontade humana.
Como se disse, a vontade é
umas vezes, tomada pela potência e outras, pelo acto. Se, pois, a vontade é
tomada pelo acto, então, devemos atribuir a Cristo duas vontades racionais,
isto é, duas espécies de actos de vontade. Pois, a vontade, como se disse, na
Segunda Parte, tanto tem por objecto o fim, como os meios para o conseguir, e
num outro sentido, é levada para ambos.
Pois, ela quer o fim simples e
absolutamente falando, como o bem essencial, e os meios ela quere-os com uma certa
dependência, enquanto tiram a sua bondade do fim a que se ordenam. Donde, o acto
da vontade tem uma natureza quando é levada a querer o que é em si mesmo digno
de ser querido, como a saúde, e a essa Damasceno chama, isto é, simples
vontade, ao que os Mestres lhe dão o nome de vontade como natureza. É porém de
outra natureza, quando é levada a querer um objeto como meio para conseguir um
fim, como quando tomamos um remédio, a cuja vontade Damasceno chama, isto é,
vontade conciliativa, e os Mestres dão-lhe o nome de vontade como razão. Mas,
essa diversidade de actos não constitui diversidade de potências, pois uns e
outros fundam-se num objecto da própria natureza, que é o bem. Donde, devemos
dizer, que se falamos da potência da vontade, há em Cristo uma só vontade
humana essencialmente dita e não participativamente. Mas se nos referimos à vontade
como acto, então distinguimos em Cristo uma vontade como natureza, chamada e
uma vontade como razão, chamada.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Essas duas vontades não constituem potências diferentes, mas só se
diferenciam pelos seus actos, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Mesmo o
intelecto e a razão não constituem potências diferentes, como dissemos na
Primeira Parte.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A vontade de
piedade não difere da vontade considerada como natureza, pois, ela evita o mal
alheio, absolutamente considerado.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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