Em seguida devemos tratar da unidade
de Cristo quanto à vontade.
E nesta questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se Cristo tem duas vontades –
uma divina e outra humana.
Art. 2 — Se em Cristo havia uma
vontade sensitiva, além da vontade racional.
Art. 3 — Se Cristo tinha duas vontades
racionais.
Art. 4 — Se em Cristo havia livre
arbítrio.
Art. 5 — Se a vontade humana de Cristo
quis coisas diferentes das que Deus quer.
Art. 6 — Se havia em Cristo vontades
contrárias.
Art.
1 — Se Cristo tem duas vontades – uma divina e outra humana.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que Cristo não tem duas vontades – uma divina e outra humana.
1. — Pois, a vontade é o primeiro
motor e o primeiro imperante em todo sujeito por ela dotado. Ora, em Cristo o
primeiro motor e o primeiro imperante era a vontade divina, porque tudo o
humano em Cristo era movido pela vontade divina. Logo, parece que em Cristo só
havia uma vontade – a divina.
2. Demais. — Um instrumento não se
move por vontade própria, mas pela vontade do movente. Ora, a natureza humana
era em Cristo instrumento da sua divindade, Logo, a natureza humana de Cristo
não se movia por vontade própria, mas pela divina.
3. Demais. — Em Cristo só há
multiplicidade no atinente à natureza. Ora, a vontade não pertence à natureza,
pois, ao passo que o natural é necessário, o voluntário não o é. Logo, Cristo
tinha uma só vontade.
4. Demais. — Damasceno diz, que querer
de certo modo não é próprio da natureza, mas da nossa inteligência, isto é,
pessoal. Ora, toda vontade é uma determinada vontade, porque não pertence a um género
o que não pertence a nenhuma espécie dele. Logo, toda vontade pertence à pessoa.
Ora, em Cristo houve e há uma só pessoa. Logo, Cristo tem uma só vontade.
Mas, em contrário, o Evangelho: Pai,
se é do teu agrado, transfere de mim este cálix não se faça contudo a minha
vontade, senão a tua. O que Ambrósio comenta: Assim como assumiu a minha vontade, assumiu a minha tristeza. E
noutro lugar: Refere ao homem a sua
vontade e ao Pai a divindade. Pois, a vontade do homem é temporal e a vontade
divina, eterna.
Alguns disseram que Cristo
tem uma só vontade. Mas, para o afirmarem foram levados por diversas razões. —
Assim, Apolinário não admitia que Cristo tivesse uma alma racional, mas, que o
Verbo estava em lugar da alma, ou ainda, do intelecto. Ora, como a sede da
vontade é a razão, no dizer do Filósofo, resultava não ter Cristo uma vontade
humana. E portanto, só tinha uma vontade. — E semelhantemente Eutiques e todos
os que admitiam como composta a natureza de Cristo eram forçados a lhe atribuir
uma só vontade. — Também Nestório, que ensinava ser a união de Deus e do homem
feita só pelo afecto e pela vontade, admitia só uma vontade em Cristo. —
Depois, porém, Macário, o patriarca Antioqueno, Ciro Alexandrino, Sérgio
Constantinopolitano e alguns sequazes deles atribuíam a Cristo uma só vontade,
embora lhe atribuíssem duas naturezas unidas na hipóstase. Porque diziam que a
natureza humana de Cristo nunca tinha nenhum movimento próprio, mas que só era
movida pela divindade, como se lê na Epístola Sinódica do Papa Ágato. — Por
isso, no Sexto Sínodo, celebrado em Constantinopla, foi determinado que se
devem admitir em Cristo duas vontades. Assim, nele se lê: De acordo com o que
os Profetas outrora disseram de Cristo, e com o que ele próprio nos ensinou, e
nos transmitiu o símbolo dos santos Padres, confessamos haver nele duas vontades
naturais e dois modos naturais de agir.
E era necessário dizer assim. Pois é
manifesto que o Filho de Deus assumiu a natureza humana perfeita, como
demonstramos. Ora, a natureza humana completa supõe a vontade, sua faculdade
natural como o intelecto, segundo resulta do dito na Primeira Parte. Donde
forçosamente devemos concluir que o Filho de Deus assumiu a vontade humana ao
mesmo tempo que a natureza humana. Ora, pela assunção da natureza humana a
natureza divina do Filho de Deus não sofreu nenhum detrimento, deve portanto
ter vontade, como demonstramos na Primeira Parte. Donde necessariamente concluímos,
que em Cristo há duas vontades, a divina e a humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Tudo o existente em a natureza humana de Cristo estava sujeito ao nuto da
vontade divina, mas daí se não segue que em Cristo não houvesse movimentos da
vontade próprios à natureza humana. Pois, também os actos pios de vontade dos
outros santos obedecem à vontade de Deus, que obra neles o querer e o perfazer,
como diz o Apóstolo. Embora, pois, a vontade não possa ser interiormente movida
por nenhuma criatura, é porem, interiormente movida por Deus, como dissemos na
Primeira Parte. E assim também a vontade humana de Cristo obedecia à vontade
divina, segundo a Escritura: Para fazer a tua vontade, Deus meu, eu o quis. Daí
o dizer Agostinho: Quando o Filho disse ao Pai — não o que eu quero, mas o que
tu queres — de que te serve ajuntares as palavras seguintes e dizeres — mostrou
verdadeiramente ter a vontade sujeita ao seu Pai — como se nós negássemos que a
vontade do homem deve estar sujeita à vontade de Deus?
RESPOSTA À SEGUNDA. — O instrumento é
propriamente movido pelo agente principal, mas de modos diversos conforme a
propriedade da sua natureza, pois o instrumento inanimado como o machado ou a
serra é movido pelo artífice só pelo movimento corpóreo, ao passo que o
instrumento animado pela alma sensível é movido pelo apetite sensitivo como o
cavalo pelo cavaleiro, e enfim o instrumento animado pela alma racional é
movido pela vontade dela como pelo império do senhor é movido o escravo a
praticar um acto, cujo escravo é como um instrumento animado, no dizer do
Filósofo. Assim, pois, a natureza humana em Cristo foi o instrumento da
divindade, para que fosse movido pela vontade própria.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O poder próprio
da vontade é natural e resulta necessariamente da natureza. Mas, o movimento ou
o acto próprio dessa potência, também chamado vontade, é às vezes natural e
necessário, por exemplo, em respeito à felicidade, outras vezes provém do livre
arbítrio da razão e não é necessário nem natural, como resulta do dito na
Segunda Parte. E contudo, também a razão em si mesma, princípio desse
movimento, é natural. E portanto, além da vontade divina é mister admitirmos em
Cristo a vontade humana não só enquanto potência natural, ou como movimento
natural, mas também como um movimento da razão.
RESPOSTA À QUARTA. — A expressão —
querer de certo modo — designa um modo determinado de querer. Ora, um modo
determinado pertence à própria coisa de que é modo. Ora, a vontade, pertencendo
à natureza, o princípio do querer de certo modo também pertence à natureza, não
absolutamente considerada mas enquanto existente numa determinada hipóstase. Donde,
também a vontade humana de Cristo teve um certo modo determinado por ter
existido na hipóstase divina, de modo que se movia sempre ao nuto da divina
vontade.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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