Em seguida devemos tratar do
pertinente à unidade de Cristo em geral. Pois, o pertinente à unidade ou à
pluralidade, em especial, devemos determiná-lo no lugar oportuno, assim, como
já determinamos que em Cristo não há uma só ciência, assim, mais adiante será
determinado que em Cristo não há uma só natividade.
Por onde, devemos considerar,
primeiro, a unidade de Cristo, quanto ao seu próprio ser. Segundo, quanto ao
querer. Terceiro, quanto ao obrar.
Na primeira questão discutem-se dois
artigos:
Art. 1 — Se em Cristo há unidade ou
dualidade.
Art. 2 — Se em Cristo há um só ser ou
dois.
Art.
1 — Se em Cristo há unidade ou dualidade.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que em Cristo não há unidade, mas dualidade.
1 — Pois, diz Agostinho: A forma de
Deus assumiu a forma de servo, ambos Deus, por causa do Deus assumente, ambos
homem, por causa do homem assumido. Ora, ambas essas afirmações não se podem
fazer senão por serem dois. Logo, em Cristo há dualidade.
2. Demais. — Onde quer que haja uma
coisa e outra coisa, aí há duas coisas. Ora, Cristo é uma coisa e outra coisa,
conforme o diz Agostinho: Sendo a forma de Deus, tomou a forma de servo, essas
duas coisas reduzidas à unidade, mas é uma coisa por causa do Verbo e outra,
por causa do homem. Logo, em Cristo há duas coisas.
3. Demais. — Cristo não é só homem,
porque se fosse um puro homem não seria Deus. Logo, é ainda algo mais, além de
homem. E assim há em Cristo uma coisa e outra coisa. Logo, em Cristo há dualidade.
4. Demais. — Cristo é algo, que é o
Pai, e algo, que não é o Pai. Logo, Cristo é uma e outra coisa. Logo, em Cristo
há dualidade.
5. Demais. — Assim como no mistério da
Trindade há três pessoas numa só natureza, assim no mistério da Encarnação há
duas naturezas numa só pessoa. Ora, por causa da unidade da natureza, não
obstante a distinção da pessoa, o Pai e o Filho são um só, segundo aquilo do
Evangelho: Eu e o pai somos uma mesma coisa. Logo, não obstante a unidade de
pessoa, por causa da dualidade das naturezas, em Cristo há dualidade,
6. Demais. — O Filósofo diz, que
unidade e dualidade são predicações denominativas. Ora, Cristo tem dualidade de
naturezas. Logo, em Cristo há dualidade.
7. Demais. — Assim como a forma
acidental é causa da alteridade, assim a forma substancial, da aliedade, como
diz Porfírio. Ora, em Cristo há duas naturezas substanciais — a humana e a
divina. Logo, Cristo é uma coisa e outra coisa e portanto nele há dualidade.
Mas, em contrário, Boécio diz: Tudo o
que é, enquanto é, é um. Ora, nós confessamos ser Cristo uno. Logo, é Cristo
uno.
A natureza, em si mesma
considerada, em significação abstrata, não pode ser verdadeiramente predicada
do suposto ou pessoa, a não ser de Deus em quem não difere a existência (quod
est) e a essência (quo est), como demonstramos na Primeira Parte. Mas, havendo
em Cristo duas naturezas, a divina e a humana, uma delas, a divina, pode ser
predicada de Deus em abstracto e em concreto. Assim, dizemos que o Filho de
Deus, suposto em o nome de Cristo, é a natureza divina e é Deus. A natureza
humana, porém, não pode ser, em si mesma, predicada de Cristo, em abstracto,
mas só em concreto, isto é, enquanto significada no suposto. Pois, não podemos
verdadeiramente dizer que Cristo é a natureza humana, por não ser próprio da
natureza humana predicar-se do seu suposto. Mas dizemos que Cristo é homem,
assim como — Cristo é Deus. Ora, Deus significa quem tem a divindade e homem,
quem tem a humanidade. Mas, uma coisa é ter a humanidade, expressa pela palavra
homem, e outra, tê-la, significada pelos vocábulos Jesus ou Pedro. Pois, a
palavra homem significa ter a humanidade indistintamente, assim como o nome de
Deus implica em ter indistintamente a divindade. Ao passo que o nome de Pedro
ou o de Jesus implica ter a humanidade distintamente, isto é, com certas
propriedades individuais, assim como o nome de Filho de Deus importa ter a
divindade com uma determinada propriedade pessoal.
Ora, a dualidade numérica existe em
Cristo em relação às próprias naturezas. Donde, se ambas as naturezas fossem
predicadas de Cristo em abstracto, resultaria a existência de dois Cristos.
Mas, como as duas naturezas não se predicam de Cristo, senão enquanto significa
das no suposto, é forçoso dizer- se, em razão do suposto, que em Cristo há
unidade ou dualidade. — Ora, certos atribuíram a Cristo dois supostos, mas uma
só peso soa, a qual, na opinião deles, desempenha o papel de suposto completo,
perfeitamente completo. Donde, os que introduziram em Cristo dois supostos
atribuíam- lhe a dualidade, em sentido neutro, mas como lhe atribuíam uma só pessoa,
admitiam nele a unidade em sentido masculino. Porque o género neutro designa
uma realidade informe e imperfeita, ao passo que o género masculino designa um
ser formado e perfeito. - Os Nestorianos, por seu lado, atribuindo a Cristo
duas pessoas, diziam que Cristo encerra uma dualidade, não só em sentido
neutro, mas ainda masculino. — Nós, porém, que admitimos em Cristo uma só
pessoa e um suposto, como do sobredito se colige, temos também que admitir a
unidade de Cristo, não só em sentido masculino, mas ainda em sentido neutro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Nas palavras citadas de Agostinho a expressão – ambos - não deve ser entendida como aplicada ao
predicado e quase significando que Cristo é ambos, mas, como aplicada ao
sujeito. E então o vocábulo – ambos - é
tomado, não quase significando os dois supostos, mas sim, os dois nomes expressivos
das duas naturezas em concreto. E também podemos dizer que ambos, isto é, Deus
e homem, são Deus, por causa do Deus assumente, e ambos, isto é, Deus e homem,
são homem, por causa do homem assumido.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Quando se diz —
Cristo é uma e outra causa — devemos tomar essa expressão como significando que
tem uma e outra natureza. Tal é a exposição de Agostinho quando, depois de ter
dito — no mediador entre Deus e os homens, uma causa é o Filho de Deus e outra,
o Filho do homem — acrescenta: Digo uma coisa — para distinguir as substâncias,
não digo outro – por causa da unidade de pessoa. Donde o dizer Gregório
Nazianzeno: Se devemos nos exprimir compendiosamente, o Salvador é uma coisa e
outra coisa quanto às duas substâncias de que é composto, entendendo-se que não
quero identificar o invisível com o visível, e o intemporal com o temporal. Mas
longe de mim o querer ver nele um ser e outro ser, pois, ambos não fazer mais
que um.
RESPOSTA À TERCEIRA. — É falsa a
proposição — Cristo é somente homem — porque não exclui outro suposto, mas, a
outra natureza, pois, os termos postos no predicado são tomados formalmente.
Mas, um acréscimo, que os fizesse aplicar ao suposto, tornaria verdadeira a
proposição — Cristo é somente aquilo que é o homem. Donde porém não se segue
seja algo outro que o homem, porque sendo – outro – um relativo, que exprime a
diversidade de substância, refere-se propriamente ao suposto, como todos os
relativos expressivos de uma relação pessoal. Mas a consequência é: Logo, tem outra
natureza.
RESPOSTA À QUARTA. — Quando dizemos —
Cristo é algo, que é o Pai — algo é aí tomado pela natureza divina, que mesmo
em abstracto se predica do Pai e do Filho. Mas, quando dizemos — Cristo é algo
que não o Pai — algo é tomado, não pela natureza humana mesmo enquanto
significada em abstracto, mas enquanto significada em concreto. Não, certo,
segundo um suposto distinto, mas segundo um suposto indistinto, isto é, segundo
sobestá à natureza e não, às propriedades individuantes. E por isso, daí não se
segue que Cristo seja uma e outra coisa, ou que seja dois, pois, o suposto da
natureza humana em Cristo, que é a pessoa do Filho de Deus, não faz número com
a natureza divina, predicada do Pai e do Filho.
RESPOSTA À QUINTA. — No mistério da
divina Trindade, a natureza divina é predicada, mesmo em abstracto, das três
Pessoas, e por isso podemos dizer, absolutamente falando, que as três Pessoas
são uma só realidade. Mas, no mistério da Encarnação, ambas as naturezas não
são predicadas, em abstracto, de Cristo, e por isso não podemos dizer, em
sentido absoluto, que Cristo seja dois.
RESPOSTA À SEXTA. — Dois, significa
dualidade, não num outro ser, mas no próprio ser de que é predicado. Ora, a
predicação é feita, do suposto, implicado em o nome de Cristo. Embora, pois,
Cristo tenha dualidade de naturezas, como porém não tem dualidade de supostos,
não podemos dizer que seja dois.
RESPOSTA À SÉTIMA. — A alteridade
implica diversidade acidental. Donde, a diversidade acidental basta para que o
vocábulo outro se aplique em sentido absoluto, a um ser. Ao passo que a alidade
implica diversidade substancial. Ora, a substância designa não só a natureza,
mas também o suposto, como diz Aristóteles. Donde, a diversidade de natureza
não basta para se atribuir a alidade a um ser, em sentido absoluto, salvo se
houver diversidade quanto ao suposto. A diversidade de natureza porém é causa
da alidade relativa, isto é, segundo a natureza, se não houver diversidade do
suposto.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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