Art.
4 — Se a alma de Cristo era passível.
O quarto discute-se assim. — Parece
que a alma de Cristo não era passível.
1. — Pois, nenhum ser é paciente senão
em relação a outro mais forte, como o provam Agostinho e Aristóteles. Ora,
nenhuma criatura era mais forte que a alma de Cristo. Logo, ela não podia
sofrer nada de nenhuma criatura e, portanto, não era passível, e assim teria em
vão a potência passiva se de nenhum ser podia ser paciente.
2. Demais. — Túlio diz que as paixões
são umas doenças da alma. Ora, na alma de Cristo não havia nenhuma doença,
pois, as doenças da alma resultam do pecado, como está claro na Escritura:
Salva a minha alma porque pequei contra ti. Logo, a alma de Cristo não era
susceptível de nenhuma paixão.
3. Demais. — Parece que as paixões da
alma são umas inclinações para o pecado, por isso o Apóstolo lhes chama paixões
dos pecados. Ora, em Cristo não havia nenhuma inclinação para o pecado, como se
disse. Logo, parece que na sua alma não havia paixões. E assim, a alma de
Cristo não era passível.
Mas, em contrário, a Escritura diz, da
pessoa de Cristo: A minha alma está repleta de males, não, certamente, de pecados,
mas de males humanos, isto é, de dores, como expõe a Glosa. Portanto, a alma de
Cristo era passível.
A alma unida ao corpo é
susceptível de duas espécies de paixões: as do corpo e as da alma. — As paixões
do corpo vêm de uma perturbação corpórea. Pois, sendo a alma a forma do corpo,
resulta por consequência que o ser da alma e do corpo é uno, e portanto,
perturbado o corpo por alguma paixão corpórea, há de a alma necessariamente,
perturbar-se, embora por acidente, isto é, na existência que tem enquanto unida
ao corpo. Ora, o corpo de Cristo, tendo sido passível e mortal, como
estabelecemos, havia também necessariamente a sua alma de ser passível. —
Quanto à alma, diz-se que é susceptível de paixão pela operação que lhe é
própria ou é dela mais principalmente que do corpo. É embora digamos, neste
sentido, que a alma sofre, mesmo na sua inteligência e na sua sensibilidade,
contudo, como provamos na Segunda Parte, chamam-se apropriadissimamente paixões
da alma as afeições do apetite sensitivo, que existiram em Cristo, como tudo
quanto constitui a natureza da alma. Donde o dizer Agostinho: O Senhor, tendo-se
dignado viver a vida humana em forma de escravo, quis sentir essas paixões
quando julgou que as devia sentir, pois, um verdadeiro corpo humano e uma
verdadeira alma humana não deviam ter sentimentos que não fossem
verdadeiramente humanos.
Devemos porém saber, que essas paixões
existiram em Cristo diferentemente do que existem em nós, em três pontos. —
Primeiro, quando ao objecto. Pois, as paixões da nossa alma tendem geralmente
para objectos ilícitos, o que não se dava com Cristo. — Segundo, quanto ao
princípio. Porque tais paixões frequentemente previnem em nós o juízo da razão,
ao passo que em Cristo todos os movimentos sensitivos do apetite se orientavam
conforme a disposição racional. Donde o dizer Agostinho: Pela admirável
disposição da graça nele existente, Cristo não sentia esses movimentos na sua
alma humana senão quando queria, assim como se fez homem quando quis. — Terceiro,
quanto ao afecto. Pois, em nós às vezes esses movimentos não se limitam ao
apetite sensitivo, mas arrastam a razão. O que não se dava com Cristo, pois, os
movimento naturalmente próprios da carne humana existiam no seu apetite
sensitivo com uma disposição tal, que não impediam de nenhum modo a razão de
exercer a sua actividade. Donde o dizer Jerónimo: Nosso Senhor sofreu
verdadeiramente a tristeza para provar que verdadeiramente assumiu a natureza
humana, mas, para que a paixão não lhe dominasse a alma, o Evangelho diz que
ele começou a sofrer a tristeza, por uma como pre-paixão, de modo que se
entenda por paixão perfeita a que domina totalmente a alma, isto é, a razão, e
por pre-paixão a paixão que, começada no apetite sensitivo, não se estendeu
mais além.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A alma de Cristo podia por certo resistir às paixões, para se lhe elas não
manifestarem, sobretudo pelo seu poder divino. Mas, por vontade própria,
sujeitou-se às paixões tanto corpóreas como da alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Túlio exprime-se,
no lugar citado, ao modo dos estoicos, que chamavam paixões, não a quaisquer
movimentos do apetite sensitivo, mas só aos desordenados. Ora, tais paixões,
não existiam em Cristo manifestamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As paixões dos
pecadores são movimentos do apetite sensitivo que tendem para objectos
ilícitos. O que não existiu em Cristo, como nele não existiu a inclinação para
o pecado.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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