O terceiro discute-se assim. — Parece
que a alma de Cristo tinha a omnipotência em relação ao próprio corpo.
1 — Pois, diz Damasceno, Cristo padeceu
voluntariamente todos os sofrimentos naturais, assim, teve fome, sede, temor e
morreu porque assim o quis, etc. Ora, é considerado omnipotente por ter feito
tudo quanto quis. Logo, parece que a alma de Cristo tinha a omnipotência em
relação às operações naturais do seu próprio corpo.
2. Demais. — Em Cristo a natureza
humana era mais perfeita que em Adão. Ora, este, pela justiça original que
tinha no estado de inocência, trazia o corpo absolutamente sujeito à alma a
ponto de nada se operar no corpo contra a vontade da alma. Logo, com maior
razão, a alma de Cristo era omnipotente em relação ao seu corpo.
3. Demais. — O corpo naturalmente
sofre alterações por efeito da imaginação da alma, e tanto mais quanto mais a
alma tiver a imaginação viva, como se estabeleceu na Primeira Parte. Ora, a
alma de Cristo tinha uma virtude perfeitíssima, tanto em relação à imaginação
como às outras potências, Logo, a alma de Cristo era omnipotente em relação ao
próprio corpo.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz que
foi conveniente que ele se fizesse em tudo semelhante a seus irmãos, e
sobretudo no atinente à condição da natureza humana. Ora, é da condição da
natureza humana não estarem sujeitos ao império da razão ou da vontade a saúde
do corpo, a sua nutrição e o seu crescimento, porque o natural está sujeito só
a Deus, autor da natureza. Logo, nem em Cristo essas unções naturais estavam
sujeitas à razão e à vontade. E, portanto, a alma de Cristo não era omnipotente
em relação ao próprio corpo.
Como dissemos, a alma de
Cristo pode ser considerada a dupla luz. — Primeiro, na sua virtude e natureza
próprias. E então, assim como não podia mudar o curso e a ordem natural dos
corpos externos, não podia também subtrair o próprio corpo à sua disposição
natural, pois, a alma de Cristo, na sua natureza própria, é determinadamente
proporcionada ao seu corpo. — A outra luz podemos considerar a alma de Cristo
enquanto instrumento unido pessoalmente ao Verbo de Deus. E então estava
totalmente sujeito ao seu poder a disposição do próprio corpo. Mas, como a
virtude da acção propriamente não é atribuída ao instrumento, mas ao agente
principal, tal omnipotência é atribuída antes ao Verbo próprio de Deus que à
alma de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— As palavras de Damasceno devem entender-se quanto à vontade divina de Cristo.
Pois, como ele próprio o disse no capítulo antecedente, por beneplácito da
vontade divina fora permitido à carne sofrer e realizar as suas operações
próprias.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não pertencia à
justiça original de Adão o ter a alma do homem o poder de mudar o próprio corpo
para qualquer forma, no estado de inocência, mas só, conservá-lo sem nenhum
sofrimento. Ora, também essa virtude Cristo podia ter assumido, se tivesse
querido. Mas sendo três os estados do homem — o da inocência, o da culpa e o da
glória — assim como do estado da glória assumiu a compreensão e do de
inocência, a imunidade do pecado, assim também do estado da culpa assumiu a
necessidade de sujeitar-se às penalidades desta vida como depois diremos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A imaginação,
sendo viva, corpo obedece-lhe naturalmente, de certo modo. Por exemplo, no caso
da queda de uma trave pendurada no alto, pois, é natural à imaginação ser o princípio
do movimento local, como diz Aristóteles. Semelhantemente, também quanto à
alteração proveniente do calor e do frio e às suas consequências. Pois, a
imaginação naturalmente provoca as paixões da alma, que movem o coração, e
assim, pela comoção dos espíritos, todo o corpo fica alterado. Mas as outras
disposições corporais, não dependentes naturalmente da imaginação, não são
alteradas por ela, por mais viva que seja, por exemplo, a figura das mãos, dos
pés ou coisas semelhantes.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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