11/01/2015

Tratado do verbo encarnado 87

Art. 2 — Se a alma de Cristo tem a omnipotência para causar mudanças nas criaturas.

O segundo discute-se assim, - Parece que a alma de Cristo tem a omnipotência para causar mudanças nas criaturas.

1. — Pois, diz o próprio Cristo: Tem-se-me dado todo o poder no céu e na terra. Ora, os nomes de céu e de terra abrangem todas as criaturas, como se lê na Escritura: No princípio criou Deus o céu e a terra, Logo, parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar mudanças nas criaturas.

2. Demais. — A alma de Cristo é mais perfeita que a de qualquer outra criatura. Ora, qualquer criatura pode ser movida por outra. Assim, diz Agostinho: Como os corpos mais rudes e inferiores são governados pelos mais subtis e poderosos, numa certa ordem, também todos os corpos o são pelo espírito vital, e o espírito vital racional trânsfuga e pecador, pelo espírito vital racional pio e justo. Ora, a alma de Cristo move mesmo os próprios espíritos supremos, iluminando-os, como diz Dionísio. Logo, parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar mudanças nas criaturas.

3. Demais. — A alma de Cristo tinha, na sua plenitude, a graça dos milagres ou das virtudes, como tinha as demais graças. Ora, toda mudança, causada na criatura pode implicar a graça dos milagres. Assim, como prova Dionísio, os corpos celestes foram mudados na sua ordem, milagrosamente. Logo, a alma de Cristo tinha a onipotência para causar mudanças nas criaturas.

Mas, em contrário, a quem pertence causar mudanças nas criaturas também pertence conservá-las. Ora, isto só Deus o pode fazer, segundo o Apóstolo: Sustentando tudo com a palavra da sua virtude. Logo, só Deus tem a omnipotência para causar mudanças nas criaturas. E portanto tal não convém à alma de Cristo.

Temos necessidade de fazer, nesta matéria, uma dupla distinção. — A primeira relativa às transmutações das criaturas, e essa é tríplice. Uma é natural, resultante do próprio agente, na ordem da natureza. Outra, miraculosa, resultante de um agente sobrenatural, acima da ordem habitual e do censo da natureza, como a ressurreição dos mortos. A terceira resulta de poder toda a criatura ser convertida em nada. — Ora, devemos aplicar a segunda distinção à alma de Cristo, a qual pode ser considerada a dupla luz. Primeiro, quanto à sua natureza própria e à sua virtude, quer natural, quer gratuita. Segundo, enquanto instrumento do Verbo de Deus a ela pessoalmente unido.

Se, pois, consideramos a alma de Cristo na sua natureza própria e na sua virtude, quer natural, quer gratuita, ela tinha o poder de produzir aqueles efeitos próprios da alma, por exemplo, governar o corpo e dispor os actos humanos, e ainda o de iluminar pela plenitude da graça e da ciência todas as criaturas racionais, menos perfeitas que ela, ao modo conveniente à criatura racional. Se, porém, consideramos a alma de Cristo, enquanto instrumento do Verbo a ela pessoalmente unido, então, tinha uma virtude instrumental para fazer todas as transformações miraculosas, ordenáveis ao fim da Encarnação, que é, como diz o Apóstolo, restaurar em Cristo todas as coisas, assim as que há no céu como as que há na terra. Quanto às transformações das criaturas, enquanto redutíveis ao nada, elas correspondem à criação das coisas, isto é, enquanto produzidas do nada. Donde, assim como só Deus pode criar, assim, só ele pode reduzir as criaturas ao nada, e é também só ele quem as conserva no ser para não caírem no nada.

Donde devemos concluir que a alma de Cristo não tem a omnipotência relativamente às transformações das criaturas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como diz Jerónimo, o referido poder foi dado a quem pouco antes tinha sido crucificado, que foi sepultado no túmulo, que depois ressurgiu, isto é, a Cristo enquanto homem. E diz-se que todo o poder lhe foi dado, é em razão da união, que fez com que o homem fosse omnipotente, como dissemos. E embora os anjos tivessem tido conhecimento disso, antes da ressurreição, depois desta, contudo, é que todos os homens o souberam, como diz Remígio. Pois dissemos que as coisas são feitas quando o sabemos. Por isso, depois da ressurreição, o Senhor disse que todo poder lhe foi dado no céu e na terra.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora qualquer criatura possa ser mudada por outra, menos o anjo supremo, que contudo pode ser iluminado pela graça de Cristo, contudo, nem toda mudança que uma criatura pode sofrer pode ser causada por outra, mas, há algumas transmutações que só Deus pode fazer. Porém, quaisquer mudanças das criaturas, que podem ser causadas por outras, podem também ser feitas pela alma de Cristo, enquanto instrumento do Verbo. Não, contudo, pela sua natureza e virtude próprias, pois, algumas dessas mudanças não estão ao alcance da alma, nem na ordem natural nem na da graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos na Segunda Parte, a graça das virtudes ou dos milagres é dada à alma de um determinado santo, não como virtude própria dele, mas, por virtude, divina é que poderá operar tais milagres. Ora, essa graça excelentíssima foi dada à alma de Cristo de modo que não somente ele fizesse milagres, mas ainda que a transfundisse nos outros. Donde o dizer a Escritura: Convocados os seus doze discípulos deu-lhes Jesus poder sobre os espíritos imundos, para os expelirem e para curarem todas as doenças e todas as enfermidades.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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