O segundo discute-se assim, - Parece
que a alma de Cristo tem a omnipotência para causar mudanças nas criaturas.
1. — Pois, diz o próprio Cristo:
Tem-se-me dado todo o poder no céu e na terra. Ora, os nomes de céu e de terra
abrangem todas as criaturas, como se lê na Escritura: No princípio criou Deus o
céu e a terra, Logo, parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar
mudanças nas criaturas.
2. Demais. — A alma de Cristo é mais
perfeita que a de qualquer outra criatura. Ora, qualquer criatura pode ser
movida por outra. Assim, diz Agostinho: Como os corpos mais rudes e inferiores
são governados pelos mais subtis e poderosos, numa certa ordem, também todos os
corpos o são pelo espírito vital, e o espírito vital racional trânsfuga e
pecador, pelo espírito vital racional pio e justo. Ora, a alma de Cristo move
mesmo os próprios espíritos supremos, iluminando-os, como diz Dionísio. Logo,
parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar mudanças nas
criaturas.
3. Demais. — A alma de Cristo tinha,
na sua plenitude, a graça dos milagres ou das virtudes, como tinha as demais
graças. Ora, toda mudança, causada na criatura pode implicar a graça dos
milagres. Assim, como prova Dionísio, os corpos celestes foram mudados na sua
ordem, milagrosamente. Logo, a alma de Cristo tinha a onipotência para causar
mudanças nas criaturas.
Mas, em contrário, a quem pertence
causar mudanças nas criaturas também pertence conservá-las. Ora, isto só Deus o
pode fazer, segundo o Apóstolo: Sustentando tudo com a palavra da sua virtude.
Logo, só Deus tem a omnipotência para causar mudanças nas criaturas. E portanto
tal não convém à alma de Cristo.
Temos necessidade de fazer,
nesta matéria, uma dupla distinção. — A primeira relativa às transmutações das
criaturas, e essa é tríplice. Uma é natural, resultante do próprio agente, na
ordem da natureza. Outra, miraculosa, resultante de um agente sobrenatural,
acima da ordem habitual e do censo da natureza, como a ressurreição dos mortos.
A terceira resulta de poder toda a criatura ser convertida em nada. — Ora, devemos
aplicar a segunda distinção à alma de Cristo, a qual pode ser considerada a
dupla luz. Primeiro, quanto à sua natureza própria e à sua virtude, quer
natural, quer gratuita. Segundo, enquanto instrumento do Verbo de Deus a ela
pessoalmente unido.
Se, pois, consideramos a alma de
Cristo na sua natureza própria e na sua virtude, quer natural, quer gratuita,
ela tinha o poder de produzir aqueles efeitos próprios da alma, por exemplo,
governar o corpo e dispor os actos humanos, e ainda o de iluminar pela
plenitude da graça e da ciência todas as criaturas racionais, menos perfeitas
que ela, ao modo conveniente à criatura racional. Se, porém, consideramos a
alma de Cristo, enquanto instrumento do Verbo a ela pessoalmente unido, então,
tinha uma virtude instrumental para fazer todas as transformações miraculosas,
ordenáveis ao fim da Encarnação, que é, como diz o Apóstolo, restaurar em
Cristo todas as coisas, assim as que há no céu como as que há na terra. Quanto
às transformações das criaturas, enquanto redutíveis ao nada, elas correspondem
à criação das coisas, isto é, enquanto produzidas do nada. Donde, assim como só
Deus pode criar, assim, só ele pode reduzir as criaturas ao nada, e é também só
ele quem as conserva no ser para não caírem no nada.
Donde devemos concluir que a alma de
Cristo não tem a omnipotência relativamente às transformações das criaturas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Jerónimo, o referido poder foi dado a quem pouco antes tinha sido
crucificado, que foi sepultado no túmulo, que depois ressurgiu, isto é, a
Cristo enquanto homem. E diz-se que todo o poder lhe foi dado, é em razão da
união, que fez com que o homem fosse omnipotente, como dissemos. E embora os
anjos tivessem tido conhecimento disso, antes da ressurreição, depois desta, contudo,
é que todos os homens o souberam, como diz Remígio. Pois dissemos que as coisas
são feitas quando o sabemos. Por isso, depois da ressurreição, o Senhor disse
que todo poder lhe foi dado no céu e na terra.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora qualquer criatura
possa ser mudada por outra, menos o anjo supremo, que contudo pode ser
iluminado pela graça de Cristo, contudo, nem toda mudança que uma criatura pode
sofrer pode ser causada por outra, mas, há algumas transmutações que só Deus
pode fazer. Porém, quaisquer mudanças das criaturas, que podem ser causadas por
outras, podem também ser feitas pela alma de Cristo, enquanto instrumento do
Verbo. Não, contudo, pela sua natureza e virtude próprias, pois, algumas dessas
mudanças não estão ao alcance da alma, nem na ordem natural nem na da graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos
na Segunda Parte, a graça das virtudes ou dos milagres é dada à alma de um
determinado santo, não como virtude própria dele, mas, por virtude, divina é
que poderá operar tais milagres. Ora, essa graça excelentíssima foi dada à alma
de Cristo de modo que não somente ele fizesse milagres, mas ainda que a
transfundisse nos outros. Donde o dizer a Escritura: Convocados os seus doze
discípulos deu-lhes Jesus poder sobre os espíritos imundos, para os expelirem e
para curarem todas as doenças e todas as enfermidades.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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