Baptismo
do Senhor
Evangelho: Mc 1 7-11
7 E pregava, dizendo: «Depois de mim vem Quem é
mais forte do que eu, a Quem eu não sou digno de me inclinar para Lhe desatar
as correias das sandálias. 8 Eu tenho-vos baptizado em água, Ele,
porém, baptizar-vos-á no Espírito Santo». 9 Ora aconteceu naqueles
dias que Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi baptizado por João no Jordão. 10
No momento de sair da água, viu os céus abertos e o Espírito Santo que descia
sobre Ele em forma de pomba; 11 e ouviu-se dos céus uma voz: «Tu és
o Meu Filho amado, em Ti pus as Minhas complacências»
Comentário:
Tiram-se duas ilacções deste acontecimento relatado por São Marcos:
A primeira é que Jesus Cristo quis expressamente confirmar a autoridade
de João para baptizar;
A segunda porque com esta Sua decisão de Se deixar baptizar confirma e
institui de forma clara e iniludível o Sacramento do Baptismo como
absolutamente necessário para a salvação.
(ama,
comentário sobre Mc 1, 7-11, 2014.112.09)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amar a Igreja 1 a 13
1
Os
textos da liturgia deste Domingo formam uma cadeia de invocações ao Senhor.
Dizemos-Lhe que é o nosso apoio, a nossa rocha, a nossa defesa. A oração
recolhe também esse motivo do intróito: Tu nunca privas da tua luz aqueles que
se estabelecem na solidez do teu amor
No
gradual, continuamos a recorrer a Ele: nos momento de angústia invoquei-Te,
Senhor... Livra, ó Senhor, a minha alma dos lábios mentirosos e das línguas que
enganam. Senhor, refugio-me em Ti. É comovente esta insistência de Deus, nosso
Pai, empenhado em recordar-nos que devemos apelar para a sua Misericórdia a
todo o momento, aconteça o que acontecer, e também agora, nestes tempos em que
vozes confusas sulcam a Igreja; são tempos de extravio porque muitas almas não
encontram bons pastores, outros Cristos, que as guiem para o amor do Senhor,
mas, pelo contrário, ladrões e salteadores, que vêm para roubar, matar e
destruir.
Não
temamos. A Igreja, que é o Corpo de Cristo há-de ser indefectivelmente o
caminho e o redil do Bom Pastor, o fundamento robusto e a via aberta para todos
os homens. Acabamos de ler o Santo Evangelho: Vai até aos caminhos e os
cercados e anima os que encontrares a quem venham, para que se encha a minha
casa.
2
Mas,
o que é a Igreja? Onde está a Igreja? Muitos cristãos, aturdidos e
desorientados, não recebem resposta segura a estas perguntas, e chegam talvez a
pensar que os ensinamentos que o Magistério formulou através dos séculos - e
que os bons Catecismos propunham com toda a precisão e simplicidade - foram
superados e hão-de ser substituídos por outros novos. Uma série de factos e de
dificuldades parece ter convergido, para ensombrar o rosto límpido da Igreja.
Alguns afirmam: a Igreja está aqui, no empenho de acomodar-nos ao que chamam
tempos modernos. Outros gritam: a Igreja não é mais do que a ânsia de
solidariedade dos homens; devemos modificá-la de acordo com as circunstâncias
actuais.
Enganam-se.
A Igreja, hoje, é a mesma que Cristo fundou, e não pode ser outra. Os Apóstolos
e os seus sucessores são vigários de Deus para o governo da Igreja,
fundamentada na fé e nos Sacramentos da fé. E assim como não lhes é lícito
estabelecer outra Igreja, não podem também transmitir outra nem instituir
outros sacramentos, porque pelos Sacramentos que jorraram do peito de Cristo
pendente da Cruz é que foi construída a Igreja. a Igreja há-de ser reconhecida
por aquelas quatro notas indicadas na confissão de fé de um dos primeiros
Concílios e que nós rezamos no Credo da Missa: Uma única Igreja, Santa,
Católica e Apostólica. Essas são as propriedades essenciais da Igreja, que
derivam da sua natureza, tal como Cristo a quis. E, por serem essenciais, são
também notas, sinais que a distinguem de qualquer outro tipo de união humana,
embora nelas se ouça também pronunciar o nome de Cristo.
Há
pouco mais de um século, o Papa Pio IX resumiu brevemente este ensinamento
tradicional: a verdadeira Igreja de Cristo constituiu-se e reconhece-se, por
autoridade divina, pelas quatro notas que no Símbolo afirmamos deverem crer-se;
e cada uma dessas notas, de tal modo está unida às restantes, que não pode ser
separada das outras. Daí que aquela que verdadeiramente se chama Católica, deva
juntamente brilhar pela prerrogativa da unidade, da santidade e da sucessão
apostólica. É este, insisto, o ensinamento tradicional da Igreja, repetido
novamente - embora nestes últimos anos alguns o esqueçam, levados por um falso
ecumenismo - pelo Concílio Vaticano II: esta é a única Igreja de Cristo - que
no Símbolo professamos Una, Santa, Católica e Apostólica - a que o nosso
Salvador, depois da ressurreição, entregou a Pedro para que a apascentasse,
encarregando-o a ele e aos outros Apóstolos de a difundirem e de a governarem e
que erigiu para sempre como coluna e fundamento da verdade.
3
A Igreja é Una
Que
sejam um, assim como nós, clama Cristo a seu Pai; para que sejam todos um, como
Tu, Pai, o és em Mim e eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós. Brota
constantemente dos lábios de Jesus Cristo esta exortação à unidade, porque todo
o reino, dividido em facções contrárias, será desolado; e toda a cidade ou
família, dividida em bandos, não subsistirá. Exortação que se converte em
desejo veemente: Tenho também outras ovelhas que não são deste aprisco; e
importa que eu as traga, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e
um só pastor
De
que forma maravilhosa pregou Nosso Senhor esta doutrina! Multiplica as palavras
e as imagens, para que a compreendamos e fique gravada na nossa alma a paixão
da unidade. Eu sou a verdadeira vide e o meu Pai é o agricultor. Todo o
sarmento que não dá fruto em Mim, ele corta-la-á; e todo o que der fruto,
podá-la-á para que dê mais abundante fruto... Permanecei em Mim, que Eu
permanecerei em vós. Como o sarmento não pode de si mesmo dar fruto, se não
estiver unido à videira, assim também vós se não permanecerdes em Mim. Eu sou a
videira e vós as varas. O que permanece em Mim e Eu nele dá muito fruto,
porque, sem Mim, nada podeis fazer.
Não
vedes como aqueles que se separam da Igreja, estando às vezes cheios de
frondosidade não tardam em secar e como os seus frutos se transformam em
vermineira viva? Amai a Santa Igreja, Apostólica, Romana, Una! Porque, como
escreve São Cipriano: quem recolhe noutro lado, fora da Igreja, dissipa a
Igreja de Cristo. E São João Crisóstomo insiste: não te separes da Igreja. Nada
é mais forte do que a Igreja. A tua esperança é a Igreja; a tua salvação é a
Igreja; o teu refúgio é a Igreja. É mais alta do que o céu e mais larga do que a
terra. Nunca envelhece e o seu vigor é eterno.
Defender
a unidade da Igreja traduz-se em viver muito unidos a Jesus Cristo, que é a
nossa vide. Como? Aumentando a nossa fidelidade ao Magistério perene da Igreja:
na verdade, não foi prometido o Espírito Santo aos sucessores de Pedro para que
por sua revelação manifestassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência,
santamente custodiassem e fielmente exprimissem a revelação transmitida pelos
Apóstolos ou depósitos da fé . Assim conservaremos a unidade, venerando esta
Nossa Mãe sem mancha e amando o Romano Pontífice.
4
Alguns
afirmam que ficamos poucos na Igreja. Eu responder-lhes-ia que, se todos
defendessem com lealdade a doutrina de Cristo, depressa cresceria
consideravelmente o número, porque Deus quer que se encha a sua casa. Na Igreja
descobrimos Cristo, que é o Amor dos nossos amores. E temos de desejar para
todos esta vocação, este gozo íntimo que nos embriaga a alma, a doçura luminosa
do Coração misericordioso de Jesus.
Devemos
ser ecuménicos, ouve-se repetir. Pois sim. No entanto, temo que, por trás de
algumas iniciativas auto-denominadas ecuménicas, se oculte uma fraude, pois são
actividades que não conduzem ao amor de Cristo, à verdadeira vide. Por isso não
dão fruto. Eu peço todos os dias ao Senhor que torne cada vez maior o meu
coração, para que continue a tornar sobrenatural este amor que pôs na minha
alma a todos os homens, sem distinção de raça, de povo, de condições culturais
ou de fortuna. Estimo sinceramente a todos, católicos e não católicos, aos que
crêem em alguma coisa e aos não crentes, que me dão tristeza. Mas Cristo fundou
uma única Igreja, tem uma única Esposa.
A
união dos cristãos? Sim. Mais ainda: a união de todos os que crêem em Deus. Mas
só existe uma Igreja verdadeira. Não é preciso reconstruí-la com pedaços
disperses por todo o mundo. E não necessita de passar por nenhum tipo de
purificação para depois se encontrar finalmente limpa. A Esposa de Cristo não
pode ser adúltera, porque é incorruptível e pura. Só uma casa conhece, guarda a
inviolabilidade de um único tálamo com pudor casto. Ela conserva-nos para Deus,
ela destina para o Reino os filhos que engendrou. Todo aquele que se separa da
Igreja une-se a uma adúltera, afasta-se das promessas da Igreja: não conseguira
as recompensas de Cristo quem abandona a Igreja de Cristo.
5
A Igreja é Santa
Agora
compreenderemos melhor como a unidade da Igreja leva à santidade, como um dos
aspectos capitais da sua santidade é essa unidade centrada no mistério de Deus
Uno e Trino: Há um só corpo e um só espírito, como também vós fostes chamados a
uma só esperança pela vossa vocação. Há um só Senhor, uma só fé, um só baptismo.
Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, e governa todas as
coisas e habita em todos nós.
Santidade
rigorosamente não significa senão união com Deus. A uma maior intimidade com o
Senhor corresponderá, portanto, maior santidade. A Igreja foi querida e fundada
por Cristo, que cumpre assim a vontade do Pai; a Esposa do Filho está assistida
pelo Espírito Santo. A Igreja é a obra da Santíssima Trindade; é Santa e Mãe, a
Nossa Santa Mãe Igreja. Podemos admirar na Igreja uma perfeição a que chamaríamos
original e outra final, escatológica. Às duas se refere São Paulo na Epistola
aos Efésios: Cristo amou a sua Igreja, e por ela se entregou a si mesmo, para a
santificar, purificando-a no baptismo da água pela palavra da vida, para
apresentar a si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, ou coisa
semelhante, mas santa e imaculada.
A
santidade original e constitutiva da Igreja pode ficar velada - mas nunca
destruída, porque é indefectível: as portas do inferno não prevalecerão contra
ela -, pode ficar encoberta aos olhos humanos, dizia, em certos momentos de
obscuridade pouco menos que colectiva. Mas S. Pedro aplica aos cristãos o
título de gens sancta, povo santo. E, sendo membros dum povo santo, todos os
fiéis receberam essa vocação para a santidade e hão-de esforçar-se por
corresponder à graça e ser pessoalmente santos.
Ao
longo de toda a história, e também na actualidade, tem havido tantos católicos
que se santificaram efectivamente: jovens e velhos, solteiros e casados,
sacerdotes e leigos, homens e mulheres. Mas acontece que a santidade pessoal de
tantos fiéis - dantes e de agora - não é uma coisa aparatosa. É frequente que
não a descubramos nas pessoas normais, correntes e santas, que trabalham e
convivem no meio de nós. Para um olhar terreno o pecado e as faltas de fidelidade,
ressaltam mais; chamam mais a atenção.
6
Gens
Sancta, povo santo, composto por criaturas com misérias. Esta aparente
contradição marca um aspecto do mistério da Igreja. A Igreja, que é divina, é
também humana, porque está formada por homens e os homens têm defeitos: omnes
homines terra et Cinis, todos somos pó e cinza.
Nosso
Senhor Jesus Cristo, que funda a Santa Igreja, espera que os membros deste povo
se empenhem continuamente em adquirir a santidade. Nem todos respondem com
lealdade à sua chamada. Por isso, na Esposa de Cristo pode encontrar-se, ao
mesmo tempo, a maravilha do caminho de salvação e as misérias daqueles que o percorrem.
O Divino Redentor dispôs que a comunidade por Ele fundada, fosse uma sociedade
perfeita no seu género e dotada de todos os elementos jurídicos e sociais, para
perpetuar neste mundo a obra da Redenção... Se na Igreja se descobre alguma
coisa que manifeste a debilidade da nossa condição humana, não deve atribuir-se
à sua constituição jurídica, mas antes à deplorável inclinação dos indivíduos
para o mal; inclinação que o seu Divino Fundador permite mesmo nos mais altos
membros do Corpo Místico, para que seja provada a virtude das ovelhas e dos
pastores, e para que em todos aumentem os méritos da fé cristã.
Essa
é a realidade da Igreja, agora e aqui. Por isso, é compatível a santidade da
Esposa de Cristo com a existência de pessoas com defeitos no seu seio. Cristo
não excluiu os pecadores da sociedade por Ele fundada. Se, portanto, alguns
membros se encontram achacados com doenças espirituais, nem por isso deve
diminuir o nosso amor à Igreja. Pelo contrário, há-de até aumentar a nossa
compaixão pelos seus membros.
7
Demonstraria
pouca maturidade aquele que, na presença de defeitos e misérias que encontrasse
em alguma pessoa pertencente à Igreja - por mais alto que estivesse colocada em
virtude da sua função -, sentisse diminuir a sua fé na Igreja e em Cristo. A
Igreja não é governada por Pedro, João ou Paulo; é governada pelo Espírito
Santo e o Senhor prometeu que permanecerá a seu lado todos os dias, até à
consumação dos séculos.
Escutai
o que diz São Tomás, que tanto se debruçou sobre este ponto, a respeito da
recepção dos Sacramentos, que são causa e sinal da graça santificante: o que se
abeira dos Sacramentos, recebe-os certamente do ministro da Igreja, não
enquanto é tal pessoa, mas enquanto ministro da Igreja. Por isso, enquanto a
Igreja lhe permitir exercer o seu ministério., o que receber das suas mãos o
Sacramento, não participa do pecado do ministro indigno, mas comunica com a
Igreja, que o tem por ministro. Quando o Senhor permitir que a fraqueza humana
apareça, a nossa reacção há-de ser a mesma que teríamos se víssemos a nossa mãe
doente ou tratada com frieza. amá-la mais, ter para com ela mais manifestações
externas e internas de carinho.
Se
amamos a Igreja, nunca aparecerá em nós o interesse mórbido de pôr à mostra,
como culpa da Mãe, as misérias de alguns dos seus filhos. A Igreja, Esposa de
Cristo, não tem por que entoar nenhum mea culpa. Nós sim: mea culpa, mea culpa,
mea maxima culpa! Este é o verdadeiro meaculpismo, o pessoal, e não o que ataca
a Igreja, apontando e exagerando os defeitos humanos, que, na Mãe Santa, são
uma consequência da acção n'Ela exercida pelos homens. Acção que, aliás, só vai
até onde os homens podem, porque nunca chegarão a destruir - nem sequer a tocar
- aquilo a que chamávamos a santidade original e constitutiva da Igreja.
Por
isso, Deus Nosso Senhor comparou, com toda a propriedade, a Igreja à eira onde
se amontoa a palha e o trigo, de que sairá o pão para a mesa e para o altar;
comparou-a também a uma rede varredeira ex omni genere piscium congreganti,
capaz de apanhar peixes bons e maus que depois serão separados.
8
O
mistério da santidade da Igreja - essa luz original, que pode ficar oculta pela
sombra das baixezas humanas - exclui todo e qualquer pensamento de suspeita ou
de dúvida sobre a beleza da nossa Mãe. Nem se pode tolerar, sem protesto, que
outros a insultem. Não procuremos na Igreja os lados vulneráveis para a
crítica, como alguns que não demonstram ter fé nem ter amor. Não posso conceber
como é possível ter um carinho verdadeiro pela nossa mãe e falar dela com
frieza.
A
nossa Mãe é Santa, porque nasceu pura e continuará sem mácula por toda a
eternidade.
Se,
por vezes, não soubermos descobrir o seu rosto formoso, limpemos nós os olhos;
se notamos que a sua voz não nos agrada, tiremos dos nossos ouvidos a dureza
que nos impede de ouvir, no seu tom, os assobios do Pastor amoroso. A nossa Mãe
é Santa, com a santidade de Cristo, à qual está unida no corpo - que somos
todos nós - e no espírito, que é o Espírito Santo, assente também no coração de
cada um de nós, se nos conservamos na graça de Deus.
Santa,
Santa, Santa!, ousamos cantar à Igreja, evocando o hino em honra da Santíssima
Trindade. Tu és Santa, Igreja, minha Mãe, porque foste fundada pelo Filho de
Deus, Santo; és Santa, porque assim o dispôs o Pai, fonte de toda a santidade;
és Santa, porque te assiste o Espírito Santo que mora na alma dos fiéis, a fim
de reunir os filhos do Pai, que hão-de habitar na Igreja do Céu, a Jerusalém
eterna.
9
A Igreja é católica
Deus
quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Porque
há um só Deus, e há um só mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo
Homem, o qual se deu a si mesmo em resgate de todos e para testemunho no tempo
oportuno. Jesus Cristo institui uma única Igreja, a sua Igreja; por isso, a
Esposa de Cristo é Una e Católica: universal, para todos os homens.
Desde
há séculos que a Igreja está estendida por todo o mundo, contando com pessoas
de todas as raças e condições sociais. Mas a catolicidade da Igreja não depende
da extensão geográfica, mesmo que isto seja um sinal visível e um motivo de
credibilidade. A Igreja era Católica já no Pentecostes; nasce Católica no
Coração chagado de Jesus, como um fogo que o Espírito Santo inflama.
No
século II, os cristãos definiam como Católica a Igreja, para a distinguir das
seitas que, utilizando o nome de Cristo, traíam nalgum ponto a sua doutrina.
Chamamos-lhe Cató1ica, escreve São Cirilo, quer porque se encontra difundida
por todo o orbe da Terra, dum confim ao outro, quer porque ensina de modo
universal e sem defeito todos os dogmas que os homens devem conhecer, do
visível e do invisível, do celestial e do terreno. Também porque submete ao
recto culto todo o tipo de homens, governantes e cidadãos, doutos e ignorantes.
E, finalmente, porque cura e sana todo o género de pecados, da alma, ou do
corpo, possuindo além disso - seja qual for o nome com que se designe - todas
as formas de virtude, em factos, em palavras e em toda a espécie de dons
espirituais.
A
catolicidade da Igreja não depende de que os não católicos a aclamem ou tenham
consideração por Ela. Nem se relaciona com o facto de que, em assuntos não
espirituais, as opiniões de algumas pessoas, dotadas de autoridade na Igreja,
sejam consideradas - e às vezes instrumentalizadas - por meios de opinião
pública de correntes afins ao seu pensamento. Acontecerá frequentemente que a
parte de verdade que se defende em qualquer ideologia humana, encontre no ensino
perene da Igreja algum eco ou algum fundamento; isto é, em certa medida, um
sinal da divindade da Revelação que esse Magistério guarda. Mas a Esposa de
Cristo é Católica mesmo quando for deliberadamente ignorada por muitos, e
inclusivamente ultrajada e perseguida, como acontece hoje por desgraça em
tantos sítios.
10
A
Igreja não é um partido político, nem uma ideologia social, nem uma organização
mundial de concórdia ou de progresso material, mesmo reconhecendo a nobreza
dessas e doutras actividades. A Igreja realizou sempre e continua a realizar um
imenso trabalho em benefício dos necessitados, dos que sofrem e de todos
aqueles que, de alguma maneira, padecem as consequências do único e verdadeiro
mal, que é o pecado. E a todos - aos que são de qualquer forma indigentes e aos
que julgam gozar da plenitude dos bens da terra - a Igreja vem confirmar uma
única coisa essencial, definitiva: que o nosso destino é eterno e sobrenatural;
que só em Jesus Cristo nos salvamos para sempre; e que só n'Ele alcançamos, já
nesta vida, de algum modo, a paz e a felicidade verdadeiras.
Pedi
agora comigo a Deus Nosso Senhor que nós, os católicos, nunca nos esqueçamos
destas verdades e que nos decidamos a pô-las em prática. A Igreja Católica não
precisa do "visto bom" dos homens, porque é obra de Deus.
Católicos
nos mostraremos pelos frutos de santidade que dermos, visto que a santidade não
admite fronteiras nem é património de nenhum particularismo humano. Católicos
nos mostraremos se rezarmos, se continuamente procurarmos dirigir-nos a Deus,
se nos esforçarmos, sempre e em tudo, por ser justos - no mais amplo alcance do
termo justiça, não raramente utilizado nestes tempos com um matiz materialista
e erróneo -, se amarmos e defendermos a liberdade pessoal dos outros homens.
Lembro-vos
também outro sinal claro da catolicidade da Igreja: a fiei conservação e
administração dos Sacramentos como foram instituídos por Jesus Cristo, sem
tergiversações humanas nem más tentativas de os condicionar psicológica ou
sociologicamente. Pois ninguém pode determinar o que está sob a potestade de
outrem, a não ser aquilo que está em seu poder. E como a santificação do homem
está sob a potestade de Deus santificante, não compete ao homem estabelecer,
segundo o seu critério, quais as coisas que o hão-de santificar, mas isto há-de
ser determinado por instituição divina. Essas tentativas de tirar a
universalidade à essência dos Sacramentos, poderiam ter talvez uma justificação
se se tratasse apenas de sinais, de símbolos, que actuassem por leis naturais
de compreensão e entendimento. Mas, os Sacramentos da Nova Lei são ao mesmo
tempo causas e sinais. Por isso comummente se ensina que causam o que
significam. Daí que conservem perfeitamente a razão de Sacramento, enquanto se
ordenam a algo sagrado, não só como sinal, mas também como causas.
11
Esta
Igreja Católica é romana. Eu saboreio esta palavra: romana! Sinto-me romano,
porque romano quer dizer universal, católico; porque me leva a amar
carinhosamente o Papa, il dolce Cristo in terra, como gostava de repetir Santa
Catarina de Sena, a quem tenho como amiga amadíssima.
Desde
este centro católico romano - sublinhou Paulo VI no discurso de encerramento do
Concílio Vaticano II - ninguém é, em teoria, inalcançável; todos podem e devem
ser alcançados. Para a Igreja Católica ninguém é estranho, ninguém está
excluído, ninguém se considera afastado. Venero com todas as minhas forças a
Roma de Pedro e de Paulo, banhada pelo sangue dos mártires, centro donde tantos
saíram para propagar por todo o mundo a palavra salvadora de Cristo. Ser romano
não implica nenhum particularismo, mas ecumenismo autêntico. Representa o
desejo de dilatar o coração, de abri-lo a todos com as ânsias redentoras de
Cristo, que a todos procura e a todos acolhe, porque a todos amou primeiro.
Santo
Ambrósio escreveu umas breves palavras, que compõem uma espécie de cântico de
alegria: onde está Pedro, aí está a Igreja, e onde está a Igreja não reina a
morte, mas a vida eterna. Porque onde estão Pedro e a Igreja está Cristo, e Ele
é a salvação, o único caminho.
12
A Igreja é Apostólica
Nosso
Senhor funda a sua Igreja sobre a debilidade - mas também sobre a fidelidade -
de alguns homens, os Apóstolos, aos quais promete a assistência constante do
Espírito Santo. Leiamos outra vez o texto conhecido, que é sempre novo e
actual: Foi-me dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois, ensinai todas as
gentes, baptizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo,
ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei, e eis que eu estou convosco
todos os dias, até à consumação dos séculos.
A
pregação do Evangelho não surge na Palestina pela iniciativa pessoal de umas
tantas pessoas fervorosas. Que podiam fazer os Apóstolos? Não valiam
absolutamente nada no seu tempo; não eram ricos, nem cultos, nem heróis do
ponto de vista humano. Jesus lança sobre os ombros deste punhado de discípulos
uma tarefa imensa, divina. Não fostes vós que me escolhesses, mas fui eu que
vos escolhi a vós, e que vos destinei para que vades e deis fruto, e para que o
vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome,
ele vo-lo conceda.
Através
de dois mil anos de história, conserva-se na Igreja a sucessão apostólica. Os
bispos, declara o Concilio de Trento, sucederam no lugar dos Apóstolos e estão
colocados, como diz o próprio Apóstolo (Paulo), pelo Espírito Santo para reger
a Igreja de Deus (Act. XX, 28). E, entre os Apóstolos, o próprio Cristo tornou
Simão objecto duma escolha especial: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei
a minha Igreja. Eu roguei por ti, também acrescenta, para que a tua fé não
pereça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos.
Pedro
muda-se para Roma e fixa ali a sede do primado, do Vigário de Cristo. Por isso,
é em Roma onde melhor se adverte a sucessão apostólica, e por isso é chamada a
Sé apostólica por excelência. Proclamou o Concilio Vaticano II, com palavras de
um Concilio anterior, o de Florença, que todos os fiéis de Cristo devem crer
que a Santa Sé Apostólica e o Romano Pontífice possuem o primado sobre todo o
orbe, e que o próprio Romano Pontífice é sucessor do bem-aventurado Pedro,
príncipe dos Apóstolos, verdadeiro vigário de Jesus Cristo, cabeça de toda a
Igreja e pai e mestre de todos os cristãos. A ele foi entregue por Nosso Senhor
Jesus Cristo, na pessoa do bem-aventurado Pedro, plena potestade de apascentar,
reger e governar a Igreja universal.
13
A
suprema potestade do Romano Pontífice e a sua infalibilidade, quando fala ex
cathedra, não são uma invenção humana, pois baseiam-se na explícita vontade
fundacional de Cristo. Que pouco sentido tem enfrentar o governo do Papa com o
dos bispos, ou reduzir a validade do Magistério pontifício ao consentimento dos
fiéis! Nada mais alheio à Igreja do que o equilíbrio de poderes; não nos servem
esquemas humanos, por mais atractivos ou funcionais que sejam. Ninguém na
Igreja goza por si mesmo de potestade absoluta, enquanto homem; na Igreja não
há outro chefe além de Cristo; e Cristo quis constituir um Vigário seu - o Romano
Pontífice - para a sua Esposa peregrina nesta terra.
A
Igreja é Apostólica por constituição: a que verdadeiramente é e se chama
Católica, deve ao mesmo tempo brilhar pela prerrogativa da unidade, santidade e
sucessão apostólica. Assim, a Igreja é Una, com unidade esclarecida e perfeita
de toda a terra e de todas as nações, com aquela unidade da qual é princípio,
raiz e origem indefectível a suprema autoridade e mais excelente primazia do
bem-aventurado Pedro, príncipe dos Apóstolos, e dos seus sucessores na cátedra
romana. E não existe outra Igreja Católica, senão aquela que, edificada sobre o
único Pedro, se levanta pela unidade da fé e pela caridade num único corpo
conexo e compacto.
Contribuímos
para tornar mais evidente essa apostolicidade aos olhos de todos, manifestando
com requintada fidelidade a união com o Papa, que é união com Pedro. O amor ao
Romano Pontífice há-de ser em nós uma formosa paixão, porque nele vemos a
Cristo. Se tivermos intimidade com o Senhor na nossa oração, caminharemos com um
olhar desanuviado que nos permitirá distinguir, mesmo nos acontecimentos que às
vezes não compreendemos ou que nos causam pranto ou dor, a acção do Espírito
Santo.
(cont)
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