Em seguida devemos tratar da potência
da alma de Cristo.
E nesta questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se a alma de Cristo tinha a omnipotência.
Art. 2 — Se a alma de Cristo tem a omnipotência
para causar mudanças nas criaturas.
Art. 3 — Se a alma de Cristo tinha a omnipotência
em relação ao próprio corpo.
Art. 4 — Se a alma de Cristo tinha a omnipotência
quanto à execução da própria vontade.
Art.
1 — Se a alma de Cristo tinha a omnipotência.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a alma de Cristo tinha a omnipotência.
1 — Pois, diz Ambrósio: O poder que o
Filho de Deus tem naturalmente, o homem o teria num certo tempo. Ora, parece
que isso se aplica sobretudo à alma, a parte mais importante do homem. Ora,
como o Filho de Deus tinha a omnipotência abeterno, parece que a alma de Cristo
recebeu a omnipotência no tempo.
2. Demais. — Como o poder de Deus é
onipotente, assim também a sua ciência. Ora, a alma de Cristo tem de certo modo
a ciência de tudo o que Deus sabe, como se disse. Logo, também tem o poder
SOBRE TUDO. E assim, é onipotente.
3. Demais. — A alma de Cristo tem a
ciência total. Ora, das ciências, umas são práticas, outras especulativas.
Logo, tem, daquilo que sabe, uma ciência prática, de modo que saiba que faz o
que sabe. E assim, parece que pode fazer tudo.
Mas, em contrário. — O que é próprio a
Deus não pode sê-lo de nenhuma criatura. Ora, é próprio de Deus ser omnipotente,
segundo a Escritura: Este é o meu Deus e eu o glorificarei, e depois
acrescenta: Seu nome é onipotente. Logo, a alma de Cristo sendo uma criatura,
não tem a omnipotência.
Como dissemos, no mistério,
da Encarnação a união com a pessoa fez-se sem destruir a distinção das
naturezas, conservando cada natureza o que lhe é próprio. Ora, a potência activa
de um ser resulta da sua forma, que é o princípio de acção. Ora, a forma ou é a
natureza própria do ser, como nos simples, ou a constitui, como nos compostos
de matéria e forma. Donde, é manifesto que a potência activa de todo ser
resulta da sua natureza. E, deste modo, a omnipotência resulta, como uma
consequência, da natureza divina. Mas, sendo a natureza divina o ser mesmo
incircunscrito de Deus, segundo o diz Dionísio, daí vem o ele ter a potência activa
em relação a tudo o que por essência é um ser o que é ter a omnipotência,
assim, qualquer outro ser tem a potência activa em relação ao que se estende a
perfeição da sua natureza, como o corpo quente, ao aquecer. Ora, sendo a alma
de Cristo parte da natureza humana, é-lhe impossível ter a omnipotência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O homem recebeu no tempo a omnipotência, que o Filho de Deus tinha abeterno
em virtude da união pessoal, donde resultava que, assim como o homem era Deus,
também era onipotente. Não que a omnipotência do homem seja diferente da do
Filho de Deus, como não o é a divindade, mas, por ser uma só a pessoa de Deus e
a do homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Alguns dizem que
não se pode atribuir à ciência o mesmo que se atribui à potência activa, pois,
a potência activa resulta da natureza própria do ser, porque a acção se considera
como originária do agente. Ao passo que a ciência nem sempre resulta da própria
essência do ciente, mas pode ser adquirida pela assimilação do ciente com as
causas sabidas, pelas semelhanças por ele recebidas. — Mas esta razão não é
suficiente. Pois, se podemos conhecer mediante a semelhança recebida de outro,
também podemos agir pela forma de outro recebida, assim, a água ou o ferro
aquecem pelo calor recebido do fogo. Mas isto não impede que, assim como a alma
de Cristo, mediante as semelhanças de todas as coisas nela infundidas por Deus,
pode conhecer tudo, assim também possa fazê-las, mediante essas mesmas
semelhanças. — Por isso, devemos ainda considerar, ulteriormente, que o
recebido, de uma natureza superior, por outra, inferior, o é ao modo da
inferior, assim, a água não recebe o calor com a mesma perfeição que ele tem no
fogo. Ora, a alma de Cristo, sendo de natureza inferior à natureza divina, as
semelhanças das coisas não as recebe com a mesma perfeição e a mesma virtude
com que existem na natureza divina. Donde vem que a ciência da alma de Cristo é
inferior à ciência divina, quanto ao modo de conhecer porque Deus conhece as
coisas mais perfeitamente que a alma de Cristo, e também quanto ao número das
coisas conhecidas, porque a alma de Cristo não conhece todas as coisas que Deus
pode fazer, as quais contudo Deus conhece pela ciência da simples inteligência,
embora, a alma de Cristo conheça todas as coisas presentes, passadas e futuras,
que Deus conhece pela ciência de visão. Semelhantemente, as semelhanças das
coisas, infundidas na alma de Cristo, não igualam a acção do poder divino, de
modo que possa fazer tudo o que Deus o pode, ou ainda, agir, do mesmo modo como
Deus age, o qual age pelo seu poder infinito, de que a criatura não é capaz.
Ora, não existe nenhum ser que, para ser conhecido, exija uma virtude de algum
modo infinita, embora haja um modo de conhecer cujo poder é infinito, Mas, há algumas
coisas que só podem ser feitas por um poder infinito, como a criação e outras
tais, segundo se colige do que dissemos na Primeira Parte, Donde, a alma de
Cristo que, sendo criatura, tem um poder finito, pode certamente, conhecer
tudo, mas não, omnimodamente, Assim não pode fazer tudo que essencialmente
supõe a omnipotência, e, quanto ao mais, é claro que não podia criar-se a si
mesma.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma de
Cristo tinha tanto a ciência prática como a especulativa, mas isso não implica
que tivesse a ciência prática de tudo o de que tinha a especulativa. Pois, para
se adquirir a ciência especulativa basta só a conformidade ou a assimulação do
ciente com a coisa sabida. Ao passo que a aquisição da ciência prática exige
que sejam factivas as coisas cujas formas estão no intelecto, Ora, é mais ter
uma forma e imprimir essa forma em outro, que somente tê-la, assim como luzir e
iluminar é mais que somente luzir. Donde vem que a alma de Cristo tem, certamente,
a ciência especulativa de criar, pois, sabe como Deus cria, mas não tem disso a
ciência prática, por não ter a ciência factiva da criação.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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