Em seguida devemos tratar da ciência
inata ou infusa da alma de Cristo.
E nesta questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se pela ciência infusa Cristo
sabia tudo.
Art. 2 — Se a alma de Cristo não podia
conhecer pela ciência infusa, senão servindo-se dos fantasmas.
Art. 3 - Se a alma de Cristo tinha a
ciência infusa por via de comparação.
Art. 4 — Se a ciência infusa em Cristo
era menor que nos anjos.
Art. 5 — Se em Cristo havia a ciência
habitual.
Art. 6 — Se a alma de Cristo só tinha
um hábito de ciência.
Art.
1 — Se pela ciência infusa Cristo sabia tudo.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que pela ciência infusa Cristo não sabia tudo.
1 — Pois, essa ciência foi infusa em
Cristo para a perfeição do seu intelecto possível. Ora, o intelecto passível da
alma humana não é potencial relativamente a todas as coisas, absolutamente
falando, mas só àquelas em relação às quais pode ser actualizada pelo intelecto
agente, que é propriamente o seu princípio de acção, e essas coisas são
cognoscíveis pela razão natural. Logo, por essa ciência Cristo não conhecia o
que excede a razão natural.
2. Demais. — Os fantasmas estão para o
intelecto humano como as cores para a visão, como diz Aristóteles. Ora, não
constitui uma perfeição da potência visiva conhecer o que é absolutamente
desprovido de cor. Logo, nem a perfeição do intelecto humano, conhecer aquilo
que não pode ter fantasma, como são as substâncias separadas. Assim, pois, como
a referida ciência existia em Cristo, para a perfeição da sua alma intelectiva,
parece que, como essa ciência, não conhecia as substâncias separadas.
3. Demais. — Não é da perfeição do
intelecto conhecer o particular. Logo, parece que por essa ciência a alma de
Cristo não conhecia o particular.
Mas, em contrário, a Escritura:
Enchê-lo-ei do Espírito da sabedoria e de entendimento, de ciência e de
conselho, no que está compreendido todo o cognoscível. Pois, o objecto da
sabedoria é o conhecimento de todas as coisas divinas, o do intelecto, o de
todas os seres imateriais, o da ciência, o de todas as conclusões, e enfim, o
do conselho, o de tudo o que podemos fazer. Logo, parece que Cristo, pela
ciência nele infundida pelo Espírito Santo, teve conhecimento de todas as coisas.
Como dissemos, para a alma
de Cristo ser perfeita em tudo, havia de ser reduzida ao acto toda a sua
potencialidade. Ora, devemos notar que na alma humana, como em qualquer
criatura, distinguimos uma dupla potência passiva. Uma, por comparação com o
agente natural, outra, por comparação com o agente primeiro, capaz de reduzir
qualquer criatura a um acto mais elevado, ao que não é reduzida por um agente
natural. E a isto costuma-se chamar o poder de obediência na criatura. Ora, uma
e outra potência da alma de Cristo foi reduzida ao acto por essa ciência
divinamente infusa, E assim, por ela, a alma de Cristo, primeiro, conhecia tudo
o que o homem pode conhecer por virtude do lume do intelecto agente, como é
tudo o que pertence às ciências humanas. Segundo, por essa ciência conhecia
Cristo tudo o que o homem conhece pela revelação divina, quer isso pertença ao
dom da sabedoria, quer ao da profecia, quer a qualquer dom do Espírito Santo,
pois, tudo isso a alma de Cristo conhecia mais abundante plenamente que os
outros homens. Mas não conhecia por essa ciência a essência mesma de Deus, mas
só pela primeira, de que tratamos antes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A objecção colhe quanto à potência natural da alma intelectiva, em
dependência do seu agente natural, que é o intelecto activo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A alma humana,
no estado desta vida, por estar de certo modo presa ao corpo de maneira a não
poder inteligir sem fantasma, não pode inteligir as substâncias separadas. Mas,
após o estado desta vida, a alma separada poderá de certo modo conhecer por si
mesma as substâncias separadas, como dissemos na Primeira Parte. O que
sobretudo é manifesto quanto à alma dos bem-aventurados. Ora, Cristo, antes da
paixão, ao mesmo tempo que vivia nesta vida contemplava a essência divina. Por
isso, a sua alma podia conhecer as substâncias separadas, pelo modo pelo qual a
alma separada conhece.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O conhecimento
do particular não constitui uma perfeição da alma intelectiva, por um
conhecimento especulativo, constitui-lhe porém uma perfeição, pelo conhecimento
prático, que não se realiza perfeitamente sem o conhecimento do particular, que
é o objecto da acção, como diz Aristóteles. Por isso a prudência supõe a
memória dos factos passados, o conhecimento dos presentes e a previdência dos futuros,
como diz Túlio. Ora, Cristo tendo tido a plenitude da prudência, pelo dom do
conselho, era consequente que conhecesse todos os particulares passados,
presentes e futuros.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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