Em seguida devemos tratar da graça de
Cristo enquanto cabeça da Igreja.
E nesta questão discutem-se oito
artigos:
Art. 1 — Se a Cristo, enquanto homem,
compete ser a cabeça da Igreja.
Art. 2 — Se Cristo é a cabeça dos
homens quanto aos corpos.
Art. 3 — Se Cristo é a cabeça de todos
os homens.
Art. 4 — Se Cristo, enquanto homem, é
a cabeça dos anjos.
Art. 5 — Se a graça pela qual Cristo é
a cabeça da Igreja é idêntica à que tinha como um homem particular.
Art. 6 — Se ser cabeça da Igreja é
próprio de Cristo.
Art. 7 — Se o diabo é a cabeça dos
maus.
Art. 8 — Se o Anticristo é a cabeça
dos maus.
Art. 1 — Se a Cristo, enquanto homem,
compete ser a cabeça da Igreja.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que Cristo, enquanto homem, não lhe compete ser a cabeça da Igreja.
1. — Pois, a cabeça influi o
sentimento e o movimento nos membros. Ora, o sentimento e o movimento
espirituais, oriundos, da graça Cristo homem não os influi em nós. Pois, como
diz Agostinho, não Cristo enquanto homem, mas só enquanto Deus, é quem dá o
Espírito Santo. Logo, não lhe compete, enquanto homem, ser a cabeça da Igreja.
2. Demais. — Uma cabeça não pode
pertencer a outra. Ora, de Cristo, enquanto homem, a cabeça é Deus, conforme o
Apóstolo: Deus é a cabeça de Cristo. Logo, Cristo em si mesmo não é cabeça.
3. Demais. — A cabeça, no homem, é um
membro particular, e recebendo a sua influência do coração. Ora, Cristo é o
princípio universal de toda a Igreja. Logo, não é cabeça da Igreja.
Mas, em contrário, o Apóstolo:
Constituiu-o a ele próprio, cabeça de toda a Igreja.
Assim como toda a Igreja é
considerada um corpo místico, por semelhança com o corpo natural do homem, o
qual tem actos diferentes distribuídos por membros diversos, consoante o ensina
o Apóstolo, assim também Cristo é chamado cabeça da Igreja por semelhança com a
cabeça do homem. No que podemos considerar três coisas: a ordem, a perfeição e
a virtude. A ordem, por ser a cabeça a primeira parte do corpo humano,
principiando de cima. Donde vem o costume de chamar cabeça a todo princípio,
segundo a Escritura: Puseste na cabeça de todas as ruas o sinal público da tua
prostituição. — A perfeição, porque a cabeça dá o vigor a todos os sentidos
interiores e exteriores, ao passo que os outros membros só têm o tacto. Donde o
dizer a Escritura: O ancião e o homem respeitável, esse é a cabeça. — A
virtude, enfim, porque a virtude e o movimento dos outros membros, e a governação
dos seus actos vêm da cabeça, por causa da virtude sensitiva e motiva aí
dominante. Por isso, o dirigente se chama cabeça do povo, segundo a Escritura:
Porventura, quando tu eras pequeno aos teus olhos, não foste feito cabeça de
todas as tribos de Israel? Ora, essas três coisas cabem a espiritualmente Cristo.
— Assim, primeiro, pela sua proximidade com Deus, a sua graça é a mais alta e a
primeira, embora não no tempo, porque todos os outros receberam a graça em
dependência da graça dele, conforme as palavras do Apóstolo: Os que ele
conheceu na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem
de seu Filho, para que ele seja o primogénito entre muitos irmãos. — Segundo, ele
tem a perfeição, quanto à plenitude de todas as graças, conforme o Evangelho: E
nós o vimos cheio de graça e de verdade, como se demonstrou. — Terceiro, tem a
virtude de influir a graça em todos os membros da Igreja, conforme ainda o
Evangelho: E todos nós participamos da sua plenitude. — Donde é claro que Cristo
é convenientemente chamado cabeça da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Dar a graça ou o Espírito Santo convém a Cristo, enquanto Deus, autoritariamente,
mas instrumentalmente convém-lhe enquanto homem, isto é, enquanto a sua
humanidade foi instrumento da sua divindade. E assim, os seus actos, em virtude
da divindade, foram salutíferos para nós, como causadores em nós da graça,
tanto por meio do mérito como de uma certa eficácia. Ora, Agostinho nega que
Cristo, enquanto homem, dê o Espírito Santo por autoridade. Mas, instrumental
ou ministerialmente também se diz que os outros santos dão o Espírito Santo,
segundo o Apóstolo: Aquele que vos dá o Espírito Santo, etc.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nas locuções
metafóricas a semelhança não deve ser buscada na sua totalidade, pois, do
contrário, já não seria semelhança, mas a própria realidade. Ora, a cabeça
natural não tem outra cabeça, por não ser o corpo humano, parte de outro corpo.
Mas o corpo, assim chamado por semelhança, isto é, uma multidão ordenada, é
parte de outra multidão, assim como a multidão doméstica é parte da multidão
civil, por onde, o pai de família, cabeça da multidão doméstica, tem como
cabeça superior o regente da cidade. E, deste modo, nada impede que Deus seja a
cabeça de Cristo, embora este seja a cabeça da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A cabeça tem
uma eminência manifesta em relação aos outros membros do corpo, ao passo que o
coração tem uma certa influência oculta. E por isso é comparado ao Espírito
Santo, que invisivelmente vivifica e une a Igreja, enquanto Cristo é comparado
à cabeça, segundo a natureza visível, que o coloca, como homem, acima dos
outros homens.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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