Evangelho: Mt 21 23-27
23
Tendo ido ao templo, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo
aproximaram-se d'Ele, quando estava a ensinar, e disseram-Lhe: «Com que
autoridade fazes estas coisas? E quem Te deu tal direito?». 24 Jesus
respondeu-lhes: «Também Eu vos farei uma pergunta; se Me responderdes, Eu vos
direi com que direito faço estas coisas. 25 Donde era o baptismo de
João? Do céu ou dos homens?». Mas eles reflectiam consigo: 26 «Se
Lhe dissermos que é do céu, Ele dirá: “Então porque não crestes nele?”. Se Lhe
dissermos que é dos homens, tememos o povo»; porque todos tinham João como um
profeta. 27 Portanto, responderam a Jesus: «Não sabemos». Ele
disse-lhes também: «Pois então nem Eu vos digo com que autoridade faço estas
coisas».
Comentário:
Toda a pergunta merece resposta?
Evidentemente… sim!
Só que a resposta tem de estar de acordo com duas
coisas principais:
A primeira é se a pergunta tem razão de ser, isto é,
se justifica por não haver informação suficiente sobre o que se quer saber;
A segunda é se quem pergunta merece credibilidade na
intenção com que pergunta.
(ama, comentário sobre Mt
21, 23-27, 2013.12.16)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 73 a 83
73
Conta
S. Lucas, no capítulo sétimo: Um fariseu pediu-lhe que fosse comer com ele. E
tendo entrado em casa do fariseu, pôs-se à mesa. Chega então uma mulher da
cidade, conhecida publicamente como pecadora, e aproxima-se para lavar os pés
de Jesus, que, segundo o uso da época, comia reclinado. As lágrimas são a água
deste comovedor lavabo; e os cabelos, a toalha. Com bálsamo trazido num rico
frasco de alabastro, unge os pés do Mestre e beija-os.
O
fariseu pensa mal do que vê. Não lhe cabe na cabeça que Jesus seja capaz de albergar
tanta misericórdia no seu coração. Se este fosse profeta - vai congeminando -
com certeza saberia quem e de que espécie é esta mulher que o toca. Jesus lê os
seus pensamentos e observa-lhe: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, não me
deste água para os pés; e esta com as suas lágrimas banhou os meus pés e
enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste o ósculo. Porém, esta, desde que
entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não ungiste a minha cabeça com bálsamo,
ao passo que esta derramou perfumes sobre os meus pés. Por isso te digo:
são-lhe perdoados muitos pecados, porque muito amou .
Não
podemos agora considerar as maravilhas divinas do Coração misericordioso de
Nosso Senhor. Vamos concentrar a nossa atenção noutro aspecto da cena, que é o
facto de Jesus sentir a falta de todos esses pormenores de cortesia e de
delicadeza humanas, que o fariseu não soube manifestar-Lhe. Cristo é perfectus
Deus, perfectus homo , Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e homem
perfeito. Traz a salvação e não a destruição da natureza; com Ele aprendemos
que não é cristão comportar-se mal com o homem, criatura de Deus, feito à Sua
imagem e semelhança.
74
Virtudes humanas
Certa
mentalidade laicista e outras maneiras de pensar a que poderíamos chamar pietistas
coincidem em não considerar o cristão como homem íntegro e pleno. Para os
primeiros, as exigências do Evangelho sufocariam as qualidades humanas; para os
outros, a natureza caída poria em perigo a pureza da fé. O resultado é o mesmo:
desconhecer a profundidade da Encarnação de Cristo, ignorar que o Verbo se fez
carne, homem, e habitou entre nós.
A
minha experiência de homem, de cristão e de sacerdote ensina-me precisamente o
contrário: não existe coração, por mais empedernido no pecado, que não esconda,
como rescaldo no meio da cinza, um lume de nobreza. Sempre que bati à porta
desses corações, a sós e com a palavra de Cristo, sempre corresponderam. Neste
mundo, muitos não privam com Deus; são criaturas que talvez não tenham tido
ocasião de ouvir a palavra divina ou que a esqueceram. Mas as suas disposições
são humanamente sinceras, leais, compassivas, honradas. Atrevo a afirmar que
quem reúne essas condições está a ponto de ser generoso com Deus, porque as
virtudes humanas constituem o fundamento das sobrenaturais.
75
É
certo que não é suficiente essa capacidade pessoal: ninguém se salva sem a
graça de Cristo. Mas se o indivíduo conserva e cultiva um espírito de rectidão,
Deus aplanar-lhe-á o caminho e poderá ser santo, porque soube viver como homem
de bem.
Talvez
tenhais observado outros casos, de certo modo contrapostos: tantos e tantos que
se dizem cristãos - porque foram baptizados e recebem outros Sacramentos -, mas
que se mostram desleais, mentirosos, insinceros, orgulhosos... E caem de
repente. Parecem estrelas que brilham durante alguns momentos no céu e, de
súbito, despenham-se irremediavelmente.
Se
aceitarmos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, saberemos que Ele quer
que sejamos muito humanos. A cabeça pode tocar o céu, mas os pés assentam na
terra, com segurança. O preço de se viver cristãmente não é nem deixar de ser
homem nem abdicar do esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo
sem conhecerem Cristo. O preço de todo o cristão é o Sangue redentor de Nosso
Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito divinos, com o empenho
diário de O imitar, pois é perfectus Deus, perfectus homo.
76
Talvez
não seja capaz de dizer qual é a principal virtude humana. Depende muito do
ponto de vista de que se parta. Além disso, a questão torna-se ociosa, porque
não se trata de praticar uma ou várias virtudes. É preciso lutar por
adquiri-las e praticá-las todas. Cada uma de per si entrelaça-se com as outras
e, assim, o esforço por sermos sinceros, por exemplo, torna-nos justos,
alegres, prudentes, serenos.
Nem
sequer me conseguem convencer essas formas de pensar que distinguem as virtudes
pessoais das virtudes sociais. Não há virtude alguma que fomente o egoísmo;
cada uma redunda necessariamente no bem da nossa alma e das almas dos que nos
rodeiam. Porque todos somos homens e todos filhos de Deus, não podemos conceber
a nossa vida como a trabalhosa preparação de um brilhante curriculum, de uma
vistosa carreira. Todos temos de sentir-nos solidários e, na ordem da graça,
estamos unidos pelos laços sobrenaturais da Comunhão dos Santos.
Precisamos,
ao mesmo tempo, de considerar que a decisão e a responsabilidade residem na
liberdade pessoal de cada um e, por isso, as virtudes são também radicalmente
pessoais, da pessoa. No entanto, nessa batalha de amor ninguém luta sozinho -
ninguém é um verso solto, costumo repetir -: de certo modo, ou nos ajudamos ou
nos prejudicamos. Todos somos elos de uma mesma cadeia. Pede agora comigo a
Deus Nosso Senhor, que essa cadeia, nos prenda ao seu Coração, até chegar o dia
de O contemplar face a face, no Céu, para sempre.
77
Fortaleza, Serenidade,
Paciência, Magnanimidade
Vamos
considerar algumas destas virtudes humanas. Enquanto eu falar, cada um pela sua
parte, dialogue com Nosso Senhor: peça-lhe que nos ajude a todos, que nos
estimule a aprofundar hoje no mistério da sua Encarnação, para que também nós,
na nossa carne, saibamos ser entre os homens testemunhos vivos de Quem veio
para nos salvar.
O
caminho do cristão, o de qualquer homem, não é fácil. Certo é que em
determinadas épocas parece que tudo se cumpre segundo as nossas previsões; mas
isto habitualmente dura pouco. Viver é defrontar dificuldades, sentir no
coração alegrias e pesares; e é nesta forja que o homem pode adquirir a
fortaleza, a paciência, a magnanimidade e a serenidade.
É
forte quem persevera no cumprimento do que entende dever fazer, segundo a sua
consciência; quem não mede o valor de uma tarefa exclusivamente pelos
benefícios que recebe, mas pelo serviço que presta aos outros. O homem forte às
vezes sofre, mas resiste; talvez chore, mas traga as lágrimas. Quando a
contradição aumenta, não se curva. Recordemo-nos do exemplo que nos narra o
livro dos Macabeus: daquele ancião, Eleazar, que prefere morrer a violar a lei
de Deus. Morrendo valorosamente, mostrar-me-ei digno da minha velhice e
deixarei aos jovens um exemplo de fortaleza, se sofrer com ânimo pronto e
constante uma honrosa morte em defesa de leis tão veneráveis e tão santas .
78
Quem
sabe ser forte não se deixa invadir pela pressa de conquistar logo o fruto da
sua virtude; é paciente. A fortaleza leva-nos realmente a saborear a virtude
humana e divina da paciência. Mediante a vossa paciência, possuireis as vossas
almas (Lc XXI, 19). A posse da alma exprime-se na paciência, que, na verdade, é
raiz e custódia de todas as virtudes. Nós possuímos a alma com a paciência,
porque, aprendendo a dominar-nos a nós mesmos, começamos a possuir aquilo que
somos. E é esta paciência que nos leva também a ser compreensivos com os
outros, persuadidos de que as almas, como o bom vinho, melhoram com o tempo.
79
Fortes
e pacientes: serenos. Mas não com a serenidade daquele que compra a
tranquilidade pessoal à custa de se desinteressar dos seus irmãos ou da grande
tarefa, que corresponde a todos, de difundir ilimitadamente o bem por todo o
mundo. Serenos, porque há sempre perdão, porque tudo tem remédio, menos a
morte, e, para os filhos de Deus, a morte é vida. Serenos, ainda que seja só
para poder actuar com inteligência: quem conserva a calma está em condições de
reflectir, de estudar os prós e os contras de cada problema, de examinar
judiciosamente os resultados das acções previstas. E depois, sossegadamente,
pode intervir com decisão.
80
Estamos
a enumerar com rapidez algumas virtudes humanas. Sei que, na vossa oração ao
Senhor, aflorarão muitas outras. Eu gostaria de me demorar agora uns momentos
numa qualidade maravilhosa: a magnanimidade.
Magnanimidade:
ânimo grande, alma grande onde cabem muitos. É a força que nos dispõe a sairmos
de nós próprios, a fim de nos prepararmos para empreender obras valiosas, em
benefício de todos. No homem magnânimo não tem lugar a mesquinhez; não entra a
medida estreita, o cálculo egoísta ou a deslealdade interesseira. O magnânimo
dedica sem reservas as suas forças ao que vale a pena; por isso é capaz de se
entregar a si próprio. Não se conforma apenas com dar: dá-se. E então consegue
compreender a maior prova de magnanimidade: dar-se a Deus.
81
Laboriosidade, diligência
Há
duas virtudes humanas - a laboriosidade e a diligência - que se confundem numa
só: no empenho em tirar partido dos talentos que cada um de nós recebeu de
Deus. São virtudes, porque induzem a acabar bem as coisas. O trabalho - prego
isto desde 1928 - não é uma maldição, nem um castigo do pecado. O Génesis fala
dessa realidade antes de Adão se ter revoltado contra Deus. Nos planos de Nosso
Senhor, o homem teria sempre de trabalhar, cooperando assim na imensa tarefa da
criação.
Quem
é laborioso aproveita o tempo, que não é apenas ouro, é glória de Deus! Faz o
que deve e está no que faz, não por rotina nem para ocupar as horas, mas como
fruto de uma reflexão atenta e ponderada. Por isso é diligente. O uso normal desta
palavra - diligente - evoca-nos a sua origem latina. Diligente vem do verbo
diligo, que significa amar, apreciar, escolher algo depois de uma atenção
esmerada e cuidadosa. Não é diligente quem se precipita, mas quem trabalha com
amor, primorosamente.
Nosso
Senhor, perfeito homem, escolheu um trabalho manual que realizou delicada e
amorosamente durante quase todo o tempo que permaneceu na terra. Exercitou a
sua ocupação de artesão entre os outros habitantes da sua aldeia, e aquele
trabalho humano e divino demonstrou-nos claramente que a actividade habitual
não é um pormenor de pouca importância, mas é o fulcro da nossa santificação,
oportunidade contínua de nos encontrarmos com Deus e de louvá-lo e glorificá-lo
com o trabalho da nossa inteligência ou das nossas mãos.
82
Veracidade e justiça
As
virtudes humanas exigem de nós um esforço contínuo, porque não é fácil manter
durante muito tempo uma têmpera de honradez perante as situações que parecem
comprometer a nossa segurança. Reparemos na limpidez da veracidade: mas será
certo que caiu em desuso? Terá triunfado definitivamente a conduta de
compromisso, o dourar a pílula e o pintar a fachada? Teme-se a verdade. Por
isso se lança mão de um expediente mesquinho: afirmar que ninguém vive nem diz
a verdade e que todos recorrem à simulação e à mentira.
Felizmente
não é assim. Existem muitas pessoas - cristãos e não cristãos - decididas a
sacrificar a sua honra e a sua fama pela verdade, que não andam a saltitar
constantemente de um lado para o outro para procurar o sol que mais aquece. São
os mesmos que, por amor à sinceridade, sabem rectificar quando descobrem que se
enganaram. Só não rectifica quem começa por mentir, quem reduz a verdade a uma
palavra sonora para encobrir as suas claudicações.
83
Se
formos verazes, seremos justos. Nunca me cansaria de falar da justiça, mas aqui
só podemos apontar alguns aspectos, sem perder de vista qual é a finalidade de
todas estas reflexões: edificar uma vida interior real e autêntica sobre os
alicerces profundos das virtudes humanas. Justiça é dar a cada um o que é seu.
Mas acrescentaria que isso não basta. Por muito que cada um mereça, é preciso
dar-lhe mais, porque cada alma é uma obra-prima de Deus.
A
melhor caridade consiste em exceder-se generosamente na justiça. Esta caridade
costuma passar despercebida, mas a sua fecundidade estende-se ao Céu e à terra.
É um erro pensar que as expressões meio termo ou justo meio, na medida em que
são característica das virtudes morais, significam mediocridade: algo como a
metade do que é possível realizar. Esse meio entre o excesso e o defeito é um
cume, um ponto álgido: o melhor que a prudência indica. Além disso, em relação
às virtudes teologais não se admitem equilíbrios: não se pode crer, esperar ou
amar de mais. E esse amor sem limites a Deus reverte a favor dos que nos
rodeiam, em abundância de generosidade, de compreensão, de caridade.
(cont)
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