Evangelho: Mt 8 5-11
5 Tendo entrado em Cafarnaum, aproximou-se d'Ele um centurião, e
fez-Lhe uma súplica, 6 dizendo: «Senhor, o meu servo jaz em casa
paralítico e sofre muito». 7 Jesus disse-lhe: «Eu irei e o curarei».
8 Mas o centurião, respondeu: «Senhor, eu não sou digno de que
entres na minha casa; diz, porém, uma só palavra, e o meu servo será curado. 9
Pois também eu sou um homem sujeito a outro, mas tenho soldados às minhas
ordens, e digo a um: “Vai”, e ele vai; e a outro: “Vem”, e ele vem; e ao meu
servo: “Faz isto”, e ele o faz». 10 Jesus, ouvindo estas palavras,
admirou-Se, e disse para os que O seguiam: «Em verdade vos digo: Não achei fé
tão grande em Israel. 11 Digo-vos, pois, que virão muitos do Oriente
e do Ocidente, e se sentarão com Abraão, Isaac e Jacob no Reino dos Céus,
Comentário:
Os
maiores elogios que o Senhor faz a alguém e que constam nos Evangelhos, são
feitos a propósito da Fé. Para se conseguir o que se pretende é fundamental
acreditar profundamente que o Senhor pode, se quiser, fazê-lo. Não se pedem
coisas como que para “experimentar” a Misericórdia do Senhor. Deus não se
compadece com “experiências” ou “lágrimas de crocodilo”, atende, apenas, quem a
Ele se dirige com a convicção profunda de que, Ele, ouve a petição, e,
ouvindo-a, a atenderá se daí vier, de facto, um bem para quem Lhe pede.
(ama, comentário sobre Mt 8, 5-11, 2010.10.27)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Cristo Que passa 152 a 159
152
Uma vida nova
É
o momento simples e solene da instituição do Novo Testamento. Jesus derroga a
antiga economia da Lei e revela-nos que Ele próprio será o conteúdo da nossa
oração e da nossa vida.
Vede
a alegria que inunda a liturgia de hoje: seja o louvor pleno, sonoro, alegre. É
o júbilo cristão que canta a chegada de outro tempo: terminou a antiga Páscoa,
inicia-se a nova. O velho é substituído pelo novo, a verdade e faz com que a
sombra desapareça, a noite é iluminada pela luz.
Milagre
de amor. Este é verdadeiramente o pão dos filhos; o Primogénito do Pai Eterno,
oferece-Se-nos como alimento. E o mesmo Jesus Cristo, que aqui nos robustece,
espera-nos no Céu como comensais, co-herdeiros e sócios, porque os que se
alimentam de Cristo morrerão com a morte terrena e temporal, mas viverão eternamente,
porque Cristo é a vida que não termina .
A
felicidade eterna, para o cristão que se conforta com o maná definitivo da
Eucaristia, começa já agora. Passou o que era velho: deixemos de lado tudo o
que é caduco, seja tudo novo para nós - os corações, as palavras e as obras .
Esta
é a Boa Nova. É novidade, notícia, porque nos fala de uma profundidade de Amor,
de que antes não suspeitávamos. É boa, porque nada é melhor do que unir-nos
intimamente a Deus, Bem de todos os bens. É a Boa Nova, porque, de alguma
maneira e de um modo indescritível, nos antecipa a eternidade.
153
Tratar com Jesus na
palavra e no pão
Jesus
esconde-se no Santíssimo Sacramento do altar, para que nos atrevamos a tratar
com ele, para ser o nosso sustento, com o fim de que nos façamos uma só coisa
com Ele. Ao dizer sem mim nada podeis, não condenou o cristão à ineficácia, nem
o obrigou a uma busca árdua e difícil da sua Pessoa; ficou entre nós com uma
disponibilidade total.
Quando
nos reunimos junto do altar enquanto se celebra o Santo Sacrifício da Missa,
quando contemplamos a Hóstia Sagrada exposta na custódia ou a adoramos
escondida no Sacrário, devemos reavivar a nossa fé, pensando nessa existência
nova, que vem a nós, e comover-nos com o carinho e a ternura de Deus.
E
perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, e na comum fracção do pão, e nas
orações. É assim que a Escritura nos descreve a conduta dos primeiros cristãos:
congregados pela fé dos Apóstolos em perfeita unidade, a participarem da
Eucaristia, unânimes na oração. Fé, Pão, Palavra.
Jesus,
na Eucaristia, é penhor seguro da sua presença nas nossas almas; do seu poder,
que sustenta o mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a que a
família humana, quando chegar o fim dos tempos, habite perpetuamente na casa do
Céu, em torno de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo:
Santíssima
Trindade, Deus único. É toda a nossa fé que se põe em acto quando cremos em
Jesus, na sua presença real sob os acidentes do pão e do vinho.
154
Não
compreendo como se possa viver cristãmente sem sentir a necessidade de uma
amizade constante com Jesus na Palavra e no Pão, na oração e na Eucaristia. E
entendo perfeitamente que, ao longo dos séculos, as sucessivas gerações de
fiéis tenham vindo a concretizar essa piedade eucarística. Umas vezes com
práticas multitudinárias, professando publicamente a sua fé; outras, com gestos
silenciosos e calados, na sagrada paz do templo ou na intimidade do coração.
Antes
de mais, devemos amar a Santa Missa, que deve ser o centro do nosso dia. Se
vivemos bem a Missa, como não havemos depois de continuar o resto da jornada
com o pensamento no Senhor, com o desejo ardente de não nos afastarmos da sua
presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como Ele amava? Aprendemos
então a agradecer ao Senhor essa sua outra delicadeza: não quis limitar a sua
presença ao momento do Sacrifício do Altar, mas decidiu permanecer na Hóstia
Santa que se reserva no Tabernáculo, no Sacrário.
Dir-vos-ei
que, para mim, o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranquilo e aprazível
onde está Cristo, onde Lhe podemos contar as nossas preocupações, os nossos
sofrimentos, as nossas aspirações e as nossas alegrias, com a mesma
simplicidade e naturalidade com que aqueles amigos seus Marta, Maria e Lázaro
lhe falavam. Por isso, ao percorrer as ruas de alguma cidade ou de alguma
aldeia, alegra-me descobrir, ainda que ao longe, a silhueta duma igreja: é um
novo Sacrário, mais uma ocasião para deixar a alma escapar-se para estar, em
desejo, junto do Senhor Sacramentado.
155
Fecundidade da Eucaristia
Quando
o Senhor na última Ceia instituiu a Sagrada Eucaristia, era de noite, o que -
comenta S. João Crisóstomo - manifestava que os tempos tinham sido cumpridos.
Caía a noite sobre o mundo, porque os velhos ritos, os antigos sinais da
misericórdia infinita de Deus para com a humanidade iam realizar-se plenamente,
abrindo caminho a um verdadeiro amanhecer: a nova Páscoa. A Eucaristia foi
instituída durante a noite, preparando de antemão a manhã da Ressurreição.
Também
nas nossas vidas temos de preparar essa alvorada. Tudo o, que é caduco, o que é
prejudicial, o que não serve - o desânimo, a desconfiança, a tristeza, a
cobardia - tudo isso tem de ser deitado fora. A Sagrada Eucaristia introduz a
novidade divina nos filhos de Deus e devemos corresponder in novitate sensus ,
com uma renovação de todo o nosso sentir e de todo o nosso agir. Foi-nos dado
um novo princípio de energia, uma raiz poderosa, enxertada no Senhor. Não
podemos voltar à antiga levedura, nós que temos o Pão de agora e de sempre.
156
Nesta
festa, em cidades de um extremo ao outro da Terra, os cristãos acompanham em
procissão o Senhor que, escondido na hóstia, percorre as ruas e praças - como
durante a sua vida terrena - aparecendo aos que O querem ver, vindo ao encontro
dos que O não procuram. Jesus aparece assim, uma vez mais, no meio dos seus.
Como reagimos perante esse chamamento do Mestre?
As
manifestações externas de amor devem nascer do coração e prolongar-se com o
testemunho da conduta cristã. Se fomos renovados com a recepção do Corpo do
Senhor, temos de o manifestar com obras. Que os nossos pensamentos sejam
sinceros: de paz, de entrega, de serviço. Que as nossas palavras sejam
verdadeiras, claras, oportunas; que saibam consolar e ajudar, que saibam
sobretudo levar aos outros a luz de Deus. Que as nossas acções sejam coerentes,
eficazes, acertadas: que tenham esse bonus odor Christi , o bom odor de Cristo,
por recordarem o seu modo de Se comportar e de viver.
A
procissão do Corpo de Deus torna Cristo presente nas aldeias e cidades do
mundo. Mas essa presença, repito, não deve ser coisa de um dia, ruído que se
ouve e se esquece. Essa passagem de Jesus lembra-nos que temos também de
descobri-Lo nos nossos afazeres quotidianos. A par da procissão solene desta
quinta-feira. deve ir a procissão silenciosa e simples da vida corrente de cada
cristão, homem entre os homens, mas com a felicidade de ter recebido a fé e a
missão divina de se comportar de tal modo que renove a mensagem do Senhor sobre
a Terra. Não nos faltam erros, misérias, pecados. Mas Deus está com os homens,
e temos de nos dispor a que se sirva de nós e se torne contínua a sua passagem
entre as criaturas.
Vamos,
pois, pedir ao Senhor que nos conceda sermos almas de Eucaristia, que a nossa
relação pessoal com Ele se traduza em alegria, em serenidade, em desejo de
justiça. E facilitaremos aos outros o trabalho de reconhecer Cristo,
contribuiremos para colocá-lo no cume de todas as actividades humanas.
Cumprir-se-á a promessa de Jesus: Eu, quando for levantado sobre a terra,
atrairei tudo a mim.
157
O pão e a ceifa: comunhão
com todos os homens
Jesus,
dizia-vos no começo, é o semeador. E por intermédio dos cristãos continua a sua
sementeira divina. Cristo aperta o trigo nas suas mãos chagadas, embebe-o com o
seu sangue, limpa-o, purifica-o e lança-o no sulco que é o mundo. Lança os
grãos um a um, para que cada cristão, no seu próprio ambiente, dê testemunho da
fecundidade da Morte e da Ressurreição do Senhor.
Se
estamos nas mãos de Cristo, devemos impregnar-nos do seu Sangue redentor,
deixar-nos lançar ao vento, aceitar a nossa vida tal como Deus a quer. E
convencer-nos de que a semente, para frutificar, tem que se enterrar e morrer.
Depois ergue-se o caule e surge a espiga. Da espiga, o pão, que será convertido
por Deus no Corpo de Cristo. Dessa forma voltaremos a reunir-nos em Jesus, que
foi o nosso semeador. Visto que há um só pão, nós, embora muitos formamos um só
corpo, nós todos que participamos de um mesmo pão.
Nunca
percamos de vista que não há fruto se antes não houve sementeira: por isso é
preciso difundir generosamente a Palavra de Deus, fazer com que os homens
conheçam Cristo e que, ao conhecê-Lo, tenham fome d'Ele. Esta festa do Corpus
Christi - Corpo de Cristo, Pão da vida é uma boa ocasião para meditar na fome
de verdade, de justiça, de unidade e de paz que se adverte nos homens. Perante
a fome de paz, teremos de repetir com S. Paulo: Cristo é a nossa paz, pax
nostra. Os desejos de verdade hão-de levar-nos a recordar que Jesus é o
caminho, a verdade e a vida. Aos que procuram a unidade, temos de colocá-los
perante Cristo, que pede que estejamos consummati in unum, consumados na
unidade. A fome de justiça deve conduzir-nos à fonte originária da concórdia
entre os homens: ser e saber-se filhos do Pai, irmãos.
Paz,
verdade, unidade, justiça. Que difícil parece por vezes o trabalho de superar
as barreiras, que impedem o convívio entre os homens! E contudo nós, os
cristãos somos chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade:
conseguir, com a graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando
uns as cargas dos outros, vivendo o mandamento do Amor, que é o vínculo da
perfeição e o resumo da lei.
158
Não
deixemos de reparar que fica ainda muito por fazer. Em determinada ocasião,
talvez contemplando o suave movimento das espigas já gradas, disse Jesus aos
seus discípulos: A messe é grande mas os operários são poucos. Rogai pois ao
Senhor da messe que mande operários para a sua messe. Como então, também agora
faltam homens que queiram suportar o peso do dia e do calor . E se nós, os que
trabalhamos, não formos fiéis, acontecerá o que escreveu o profeta Joel:
destruída a colheita a terra ficou de luto: porque o trigo está seco, o vinho
arruinado, o azeite perdido. Confundi-vos, lavradores; gritai, vinhateiros,
pelo trigo e pela cevada. Não há colheita.
Não
há colheita, quando não se está disposto a aceitar generosamente o trabalho
constante, que pode tornar-se longo e fatigante: lavrar a terra, semear, cuidar
do campo, fazer a ceifa e a debulha... Na história, no tempo, edifica-se o
Reino de Deus. O Senhor confiou-nos a todos essa tarefa e ninguém se pode
sentir dispensado dela. Ao adorarmos e contemplarmos hoje Cristo na Eucaristia,
pensemos que ainda não chegou a hora do descanso, porque a jornada continua.
Está
dito no livro dos Provérbios: quem lavrar a sua campina terá pão em abundância.
Tiremos a lição espiritual destas palavras: quem não lavra o terreno de Deus,
quem não é fiel à missão divina de se entregar aos outros, ajudando-os a
conhecer Cristo, dificilmente conseguirá entender o que é o Pão eucarístico.
Ninguém gosta daquilo que não lhe custou esforço. Para apreciar e amar a
Sagrada Eucaristia, é preciso percorrer o caminho de Jesus; sermos trigo,
morrermos para nós próprios, ressuscitarmos cheios de vida e darmos fruto
abundante: cem por um!
Esse
caminho resume-se numa única palavra: amar. Amar é ter o coração grande, sentir
as preocupações dos que estão à nossa volta, saber perdoar e compreender:
sacrificar-se, com Jesus Cristo, por todas as almas. Se amamos com o coração de
Cristo, aprenderemos a servir, e defenderemos a verdade claramente e com amor.
Para amar desta maneira, é preciso que cada um expulse da sua vida tudo o que
estorva a Vida de Cristo em nós: o apego à nossa comodidade, a tentação do
egoísmo, a tendência à exaltação pessoal. Só reproduzindo em nós a Vida de
Cristo, poderemos transmiti-la aos outros; só experimentando a morte do grão de
trigo, poderemos trabalhar nas entranhas da terra, transformá-la por dentro,
torná-la fecunda.
159
O optimismo cristão
Alguma
vez poderá surgir a tentação de pensar que tudo isto é tão belo como um sonho
irrealizável. Falei-vos de renovar a fé e a esperança; permanecei firmes, com a
certeza absoluta de que as nossas aspirações serão ultrapassadas pelas
maravilhas de Deus. Mas torna-se indispensável que nos apoiemos verdadeiramente
na virtude cristã da esperança.
Não
nos acostumemos aos milagres que se operam perante nós: ao admirável portento
que é o Senhor descer todos os dias às mãos do sacerdote. Jesus quer que
estejamos despertos, para que nos convençamos da grandeza do seu poder, e para
que ouçamos novamente a sua promessa: venite post me, et faciam vos fieri
piscatores hominum, se Me seguirdes, far-vos-ei pescadores de homens; sereis eficazes
e atraireis as almas a Deus. Devemos, portanto, confiar nessas palavras do
Senhor: meter-se na barca, pegar nos remos, içar as velas e lançar-nos a esse
mar do mundo que Cristo nos deixa em herança. Duc in altum et laxate rectia
vestra in capturam! : fazei-vos ao largo e lançai as vossas redes para pescar.
Este
zelo apostólico que Cristo infundiu no nosso coração não se deve esgotar -
extinguir - por uma falsa humildade. Se é verdade que arrastamos connosco as
nossas misérias, também é verdade que o Senhor conta com os nossos erros. Não
escapa ao seu olhar misericordioso que nós, os homens, somos criaturas com
limitações, com fraquezas, com imperfeições, inclinadas ao pecado. Por isso,
manda-nos lutar, reconhecer os nossos defeitos; não para nos acobardarmos, mas
para nos arrependermos e fomentarmos o desejo de sermos melhores.
Aliás,
temos de lembrar-nos sempre de que somos apenas instrumentos: Que é, pois,
ApoIo? e que é Paulo? Ministros daquele em quem vás crestes, segundo o dom que
o Senhor deu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas Deus é que deu o
crescimento. A doutrina, a mensagem que temos de difundir, tem uma fecundidade
própria e infinita, que não é nossa, mas de Cristo. É o próprio Deus quem está
empenhado em realizar a obra salvadora, em redimir o, mundo.
(cont)
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