São
Pedro Canísio – Doutor da Igreja
Evangelho: Lc 1 26-38
26 Estando Isabel no sexto mês, foi
enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27
a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de David; o nome da
virgem era Maria. 28 Entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe:
«Salve, ó cheia de graça; o Senhor é contigo». 29 Ela, ao ouvir
estas palavras, perturbou-se e discorria pensativa que saudação seria esta. 30
O anjo disse-lhe: «Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; 31
eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a Quem porás o nome
de Jesus. 32 Será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o
Senhor Deus Lhe dará o trono de Seu pai David; 33 reinará sobre a
casa de Jacob eternamente e o Seu reino não terá fim». 34 Maria
disse ao anjo: «Como se fará isso, pois eu não conheço homem?». 35 O
anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo
te cobrirá com a Sua sombra; por isso mesmo o Santo que há-de nascer de ti será
chamado Filho de Deus. 36 Eis que também Isabel, tua parenta,
concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se dizia estéril;
37 porque a Deus nada é impossível». 38 Então Maria
disse: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». E
o anjo afastou-se dela.
Comentário:
Este acontecimento da história da humanidade é de tal
forma importante que a Liturgia repete a sua descrição dois dias seguidos como
que para lembrar aos cristãos a suma necessidade de conhecerem bem os
pormenores dos factos que estiveram na origem da vinda à terra da Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade.
E, evidentemente, neste relato, avulta como não
poderia deixar de ser, a figura extraordinária da primeiríssima protagonista
desse mesmo acontecimento: A Santíssima Virgem.
É-nos difícil avaliar todo o profundo significado do
que se passou na Anunciação já que ultrapassa a nossa simples compreensão
humana que Deus Nosso Senhor, o Criador de todas as coisas tenha escolhido uma
simples mulher para Sua Mãe!
Sabemos que a adornou de todas as virtudes, que a
isentou do pecado original sendo por isso, a mais pura das criaturas humanas
alguma vez nascida.
Aceita humildemente a insigne missão mesmo sabendo que
não passa de uma criatura ou, talvez por isso mesmo, considerando-se escrava do
Senhor faz o seu papel de escrava que é aceitar e levar a cabo quanto o seu
senhor lhe solicita e ordena.
(ama,
comentário sobre Lc 1 26-38, 2014.11.19)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 130 a 145
130
Recordo
agora - certamente algum de vós me terá ouvido já este mesmo comentário noutras
meditações - aquele sonho de um escritor do século de ouro castelhano. Diante
dele abrem-se dois caminhos. Um apresenta-se amplo e fácil de percorrer,
pródigo em estalagens e tabernas e outros lugares amenos e agradáveis. Por ali
avançam as pessoas a cavalo ou em carroças, entre música e risos - gargalhadas
loucas-; contempla-se uma multidão embriagada num deleite aparente, efémero,
porque esse caminho acaba num precipício sem fundo. É o caminho dos mundanos,
dos eternos aburguesados: ostentam uma alegria que, na realidade, não têm;
procuram insaciavelmente toda a espécie de comodidades e prazeres...;
horroriza-os a dor, a renúncia, o sacrifício. Não querem saber nada da Cruz de
Cristo, pensam que é coisa de loucos. Mas são eles os dementes: escravos da
inveja, da gula, da sensualidade, acabam por passar pior e apercebem-se tarde
de que desperdiçaram, por uma bagatela insípida, a sua felicidade terrena e
eterna. É o Senhor a advertir-nos: Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á;
mas quem perder a sua vida por amor de mim encontrá-la-á. Porque, de que serve
ao homem ganhar todo o mundo, se perde a sua alma?
Em
direcção diferente segue, nesse sonho, outro caminho: tão estreito e íngreme,
que não é possível percorrê-lo a cavalo. Todos os que seguem por ele, andam
pelo seu próprio pé, talvez em ziguezague, com rosto sereno, pisando abrolhos e
saltando pedregulhos. Em determinados pontos do caminho deixam farrapos dos
seus vestidos e mesmo da sua carne. Mas no fim espera-os um jardim, a
felicidade para sempre, o Céu. É o caminho das almas santas que se humilham,
que por amor a Jesus Cristo se sacrificam com gosto pelos outros; o caminho dos
que não temem subir carregando amorosamente com a sua cruz, por muito que pese,
porque sabem que, se o peso os fizer cair, poderão levantar--se e continuar a
subida: Cristo é a força destes caminhantes.
131
Que
importa tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos levanta de
novo e nos impulsiona a prosseguir com renovado alento? Não esqueçais que santo
não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa
persistência. Se no livro dos Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes
ao dia, tu e eu - pobres criaturas - não nos devemos estranhar nem desalentar
perante as misérias pessoais, perante os nossos tropeços, porque continuaremos
em frente, se procurarmos a fortaleza n'Aquele que nos prometeu: Vinde a mim
todos os que andais cansados e oprimidos, que eu vos aliviarei. Obrigado,
Senhor, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu
Deus, a minha fortaleza, o meu refúgio, o meu apoio.
Se
verdadeiramente desejas progredir na vida interior, sê humilde. Recorre
constantemente, confiadamente, à ajuda do Senhor e de sua Mãe bendita, que é
também a tua Mãe. Com serenidade, tranquilo, por muito que te doa a ferida
ainda não sarada da tua última queda, abraça de novo a cruz e diz: Senhor, com
o teu auxílio lutarei para não parar, responderei fielmente aos teus convites,
sem temer as encostas íngremes, nem a aparente monotonia do trabalho habitual,
nem os cardos e pedras do caminho. Sei que a tua misericórdia me assiste e que,
no fim, acharei a felicidade eterna, a alegria e o amor pelos séculos em fim.
Depois,
durante o mesmo sonho, aquele escritor descobria um terceiro itinerário:
estreito, também semeado de asperezas e encostas duras como o segundo. Por ali
avançavam alguns no meio de mil dificuldades com gesto solene e majestoso.
Contudo, acabavam no mesmo precipício horrível a que levava o primeiro caminho.
É o caminho que percorrem os hipócritas, os que não têm rectidão de intenção,
os que se movem por um falso zelo, os que pervertem as obras divinas ao
misturá-las com egoísmos temporais. É uma loucura lançar-se num empreendimento
custoso com o fim de ser admirado; guardar os Mandamentos de Deus à custa de um
árduo esforço, mas aspirar a uma recompensa terrena. Aquele que com o exercício
das virtudes pretende benefícios humanos é como o que faz um mau negócio,
vendendo um objecto precioso por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, em
contrapartida, contenta-se com um louvor efémero... Por isso se diz que as
esperanças dos hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la
e, no fim, o vento da morte leva-a com um sopro.
132
Com os olhos postos na
meta
Se
vos recordo estas verdades fortes, é para vos convidar a examinar atentamente
os motivos que impulsionam a vossa conduta, com o fim de rectificardes o que
necessite de rectificação, dirigindo tudo ao serviço de Deus e dos vossos irmãos,
os homens. Reparai que o Senhor passou ao nosso lado, olhou-nos com carinho e
chamou--nos com a sua vocação santa, não pelas nossas obras mas pelo seu
beneplácito e com a graça que nos foi dada em Jesus Cristo antes de todos os
séculos.
Purificai
a intenção, ocupai-vos de todas as coisas por amor a Deus, abraçando com
alegria a cruz de cada dia. Porque penso que estas ideias devem estar
esculpidas no coração dos cristãos, tenho repetido milhares de vezes o
seguinte: quando não nos limitamos a tolerar e, pelo contrário, amamos a
contradição, a dor física ou moral e a oferecemos a Deus em desagravo dos
nossos pecados pessoais e dos pecados de todos os homens, asseguro-vos que,
então, essa pena não esmaga.
Já
não se leva uma cruz qualquer, descobre-se a Cruz de Cristo, com o consolo de
que o Redentor se encarrega de suportar o peso. Nós colaboramos como Simão de
Cirene que, quando regressava do trabalho na sua granja, pensando num repouso
merecido, se viu forçado a tomar a cruz sobre os seus ombros para ajudar Jesus.
Ser voluntariamente Cireneu de Cristo, acompanhar tão de perto a sua Humanidade
sofredora, reduzida a um farrapo, para uma alma enamorada não significa
infelicidade, antes traz a certeza da proximidade de Deus, que nos abençoa com
essa escolha.
Com
muita frequência, não poucas pessoas me comentavam com assombro a alegria que,
graças a Deus, têm e contagiam os meus filhos no Opus Dei. Perante a evidência
desta realidade, respondo sempre com a mesma explicação, porque não conheço
outra: o fundamento da sua felicidade consiste em não terem medo nem da vida
nem da morte, em não se assustarem perante a tribulação, no esforço diário por
viverem com espírito de sacrifício, constantemente dispostos - apesar das
misérias e debilidades pessoais - a negarem-se a si mesmos, para tornarem o
caminho cristão mais fácil e agradável aos outros.
133
Como o bater do coração
Enquanto
falo, sei que vós, na presença de Deus, procurais ir revendo o vosso
comportamento. Não é verdade que a maioria dessas preocupações que têm
inquietado a tua alma, dessas faltas de paz, deriva de não teres correspondido
aos convites divinos ou talvez de estares a percorrer o caminho dos hipócritas,
porque te procuravas a ti próprio? Com o triste desejo de manter perante os que
te rodeiam a mera aparência de uma atitude cristã, no teu interior negavas-te a
aceitar a renúncia, a mortificar as tuas paixões tortuosas, a dares-te sem
condições, abnegadamente, como Jesus Cristo.
Reparai,
nestes momentos de meditação perante o sacrário, não vos podeis limitar a ouvir
as palavras que o sacerdote pronuncia como que materializando a oração íntima
de cada um. Apresento-te umas considerações, indico-te uns pontos, para que os
recebas activamente e reflictas por tua conta, convertendo-os em tema de um
colóquio pessoalíssimo e silencioso entre ti e Deus, de maneira que os apliques
à tua situação actual e, com as luzes que o Senhor te der, distingas na tua
conduta o que vai direito do que vai por mau caminho, a fim de rectificares com
a sua graça.
Agradece
ao Senhor esse cúmulo de boas obras que realizaste, desinteressadamente, porque
podes cantar com o salmista: Ele tirou-me do abismo de miséria e do lodo
profundo. E firmou os meus pés sobre a rocha e dirigiu os meus passos. Pede-lhe
também perdão pelas tuas omissões ou pelos teus passos em falso, quando te
meteste nesse lamentável labirinto da hipocrisia, ao afirmar que desejavas a
glória de Deus e o bem do teu próximo, mas na verdade só procuravas honras para
ti mesmo... Sê audaz, sê generoso e diz que não, que já não queres defraudar
mais o Senhor e a humanidade.
134
É
a hora de recorreres à tua Mãe bendita do Céu, para que te acolha nos seus
braços e te consiga do seu Filho um olhar de misericórdia. E procura depois
fazer propósitos concretos: corta de uma vez, ainda que custe, esse pormenor
que estorva e que é bem conhecido de Deus e de ti. A soberba, a sensualidade, a
falta de sentido sobrenatural aliar-se-ão para te sussurrarem: isso? Mas se se
trata de uma circunstância tonta, insignificante! Tu responde, sem dialogar
mais com a tentação: entregar-me-ei também nessa exigência divina! E não te
faltará razão: o amor demonstra-se especialmente em coisas pequenas.
Normalmente, os sacrifícios que o Senhor nos pede, os mais árduos, são
minúsculos, mas tão contínuos e valiosos como o bater do coração.
Quantas
mães conheceste como protagonistas de um acto heróico, extraordinário? Poucas,
muito poucas. E contudo, mães heróicas, verdadeiramente heróicas, que não
aparecem como figuras de nada espectacular, que nunca serão notícia - como se
diz - tu e eu conhecemos muitas: vivem sacrificando-se a toda a hora,
renunciando com alegria aos seus gostos e passatempos pessoais, ao seu tempo,
às suas possibilidades de afirmação ou de êxito, para encher de felicidade os
dias dos seus filhos.
135
Tomemos
outros exemplos, também da vida corrente. S. Paulo menciona-os: todos os que
combatem na arena de tudo se abstêm, para alcançar uma coroa corruptível; nós,
porém esperamos uma incorruptível. Basta deitar um olhar à nossa volta. Reparai
a quantos sacrifícios se submetem de boa ou má vontade, eles e elas, para
cuidar do corpo, para defender a saúde, para conseguir a estima alheia... Não
seremos nós capazes de nos comover perante esse imenso amor de Deus, tão mal
correspondido pela humanidade, mortificando o que tiver de ser mortificado,
para que a nossa mente e o nosso coração vivam mais pendentes do Senhor?
Alterou-se
de tal forma o sentido cristão em muitas consciências que, ao falar de mortificação
e de penitência, se pensa apenas nesses grandes jejuns e cilícios que se
mencionam nos admiráveis relatos de algumas biografias de santos. Ao iniciar
esta meditação, aceitámos a premissa evidente de que temos de imitar Jesus
Cristo, como modelo de conduta. É certo que Ele preparou o começo da sua
pregação retirando-se para o deserto, a fim de jejuar durante quarenta dias e
quarenta noites, mas antes e depois praticou a virtude da temperança com tanta
naturalidade, que os seus inimigos aproveitaram para rotulá-lo caluniosamente
de glutão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e dos pecadores.
136
Interessa-me
que descubrais em toda a sua profundidade esta simplicidade do Mestre, que não
faz alarde da sua vida penitente, porque isso mesmo te pede Ele a ti: quando
jejuais, não vos mostreis tristes como os hipócritas, que desfiguram os seus
rostos para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam
a sua recompensa. Mas tu, quando jejuas, unge a tua cabeça e lava o teu rosto,
a fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está presente
ao que há de mais secreto, e teu Pai, que vê no secreto, te dará a recompensa.
Assim
te deves exercitar no espírito de penitência: na presença de Deus e como um
filho, como o pequenito que demonstra a seu pai quanto o ama, renunciando aos
seus poucos tesouros de escasso valor - um carro de linhas, um soldado sem
cabeça, uma carica; custa-lhe dar esse passo, mas no fim o carinho pode mais e
estende satisfeito a mão.
137
Permiti-me
que vos repita uma e outra vez o caminho que Deus espera que cada um percorra,
quando nos chama para o servir no meio do mundo, para santificar e nos
santificarmos através das ocupações normais. Com um sentido comum colossal, ao
mesmo tempo cheio de fé, pregava S. Paulo que na lei de Moisés está escrito:
não atarás a boca ao boi que debulha o grão.
E
pergunta-se: Porventura preocupar-se-á Deus com os bois? Ou, pelo contrário,
dirá isto sobretudo por nós? Sim, com certeza que se escreveram estas coisas
por nós; porque a esperança faz lavrar o que lavra, e o que debulha fá-lo com
esperança de participar dos frutos.
Nunca
se reduziu a vida cristã a uma trama angustiante de obrigações, que deixa a
alma submetida a uma desesperada tensão; a vida cristã adapta-se às
circunstâncias individuais como a luva à mão e pede que no exercício das nossas
tarefas habituais, nas grandes e nas pequenas, na oração e na mortificação, não
percamos nunca o ponto de vista sobrenatural. Pensai que Deus ama apaixonadamente
as suas criaturas, e como trabalhará o burro se não se lhe dá de comer nem
dispõe de tempo para restaurar as forças ou se se quebranta o seu vigor com
excessivas pauladas? O teu corpo é como um burrico - um burrico foi o trono de
Deus em Jerusalém - que te carrega pelos caminhos divinos da terra: é
necessário dominá-lo para que não se afaste dos caminhos de Deus e animá-lo
para que o seu trote seja o mais alegre e brioso que se pode esperar de um
jumento.
(cont)
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