22/11/2014

Tratado do verbo encarnado 37

Questão 6: Da ordem da assunção

Art. 2 — Se o Filho de Deus assumiu a alma mediante o espírito.

O segundo discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu a alma mediante o espírito.

1. — Pois, uma mesma coisa não pode ser meio entre ela própria e outra. Ora, o espírito ou o entendimento não difere, na essência, da alma em si mesma, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, o Filho de Deus não assumiu a alma, mediante o espírito ou entendimento.

2. Demais. — O que se fez mediante a assunção parece ser o mais apto para ela. Ora, o espírito ou mente não é mais apto para ser assumido, que a alma, o que claramente resulta de não serem assumíveis os espíritos angélicos, como se disse. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu a alma mediante o espírito.

3. Demais. — Na assunção, ao primeiro princípio se une o elemento posterior mediante intermediário, que tem prioridade sobre este. Ora, a alma designa a essência em si mesma, naturalmente com prioridade sobre a sua potência, que é o entendimento. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu a alma mediante o espírito ou entendimento.

Mas, em contrário, diz Agostinho: A invisível e incomutável verdade recebeu a alma, pelo espírito, e, pela alma, o corpo.

Como se estabeleceu, dizemos que o Verbo de Deus assumiu a carne mediante a alma, quer quanto à ordem da dignidade, quer também quanto à conveniência da assunção. Ora, encontraremos uma e outra coisa, se compararmos o intelecto, que se chama espírito, com as outras partes da alma. Pois, a alma não é assumível, por conveniência, senão por ser capaz de Deus, tendo a sua existência à imagem dele. O que é segundo o entendimento, que é chamado espírito, conforme o Apóstolo: Renovai-vos no espírito do vosso entendimento. Semelhantemente, também o intelecto, entre as outras partes da alma, é superior, mais digno e mais semelhante a Deus. Donde, como diz Damasceno, uniu-se à carne por meio do intelecto o Verbo de Deus. Ora, o intelecto é o que a alma tem de mais puro, mas também Deus é inteligência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora o intelecto não difira da alma pela essência, distingue-se porém das outras partes da alma, em virtude da potência. E por aí, compete-lhe o papel de meio.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao espírito angélico não lhe falece a conveniência para ser assumido, por falta de dignidade, mas pela irreparabilidade da queda. O que não pode ser dito do espírito humano, como se colige do que foi estabelecido na Primeira Parte.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma, entre a qual e o Verbo de Deus é meio o intelecto, não é tomada pela sua essência, que é comum a todas as potências, mas é-o pelas potências inferiores, que são comuns a todas as almas.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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