14/11/2014

Tratado do verbo encarnado 29

Questão 4: Da união relativamente ao assumido

Art. 4 — Se o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstracta de todos os indivíduos.

O quarto discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstracta de todos os indivíduos.

1. — Pois, a assunção da natureza humana foi feita para a salvação comum de todos os homens donde o dizer o Apóstolo, de Cristo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis. Ora, a natureza, enquanto existente no indivíduo, já não é comum a todos. Logo, o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana, enquanto abstracta de todos os indivíduos.

2. Demais. — Em tudo, o que é nobilíssimo deve ser o atribuído a Deus. Ora, em cada género, o que é em si mesmo, é principal. Logo, o Filho de Deus devia ter assumido o homem em si mesmo, e esse é, segundo os Platónicos, a natureza humana separada dos indivíduos. Logo, essa é que o Filho de Deus devia ter assumido.

3. Demais. — A natureza humana não foi assumida pelo Filho de Deus, na sua significação concreta, designada pela palavra homem, como se disse. Pois, assim é significada como existente no indivíduo, segundo do sobredito se colige. Logo, o Filho de Deus assumiu a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos.

Mas, em contrário, diz Damasceno: Deus, o Verbo encarnado, não assumiu aquela natureza que é o objecto da pura contemplação do espírito. Pois, essa não seria uma verdadeira Encarnação, mas enganosa e fictícia. Ora, a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos, é objecto da pura contemplação, pois, não tem subsistência própria, como diz Damasceno no mesmo lugar. Logo, o Filho de Deus não assumiu a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos.

A natureza do homem, ou de qualquer outro ser sensível, além da existência que tem nos indivíduos, pode ser entendida a dupla luz: ou como tendo o ser quase por si mesma, independente. da matéria, segundo o ensinavam os Platónicos, ou enquanto existente no intelecto, humano ou divino.

Ora, por si só a natureza humana não pode subsistir, como o Filósofo prova, porque a natureza específica das coisas sensíveis implica a matéria sensível, que entra na sua definição, como as carnes e os ossos na definição do homem. Donde, não pode a natureza humana existir separada da matéria sensível.

Se, porém, a natureza humana fosse subsistente desse modo, não fora conveniente que o Verbo a assumisse. — Primeiro, porque o termo dessa assunção é a pessoa. Ora, é contra a natureza de uma forma comum individuar-se numa pessoa. — Segundo, porque a uma natureza comum não se podem atribuir senão as operações comuns e universais, pelas quais o homem não merece nem desmerece, e contudo, a assunção de que se trata foi feita para que o Filho de Deus, pela natureza assumida, merecesse por nós. — Terceiro, porque a natureza assim existente não é sensível, mas inteligível. Ora, o Filho de Deus assumiu a natureza humana, para que por meio dela se manifestasse visivelmente aos homens, segundo a Escritura: Depois disto foi ele visto na terra e conversou com os homens.

Semelhantemente, também não podia ser assumida a natureza humana pelo Filho de Deus, enquanto ela é existente no intelecto divino. Porque assim, nada mais é senão a natureza divina. E, deste modo, a natureza humana teria existido abeterno no Filho de Deus.

Semelhantemente, não é conveniente dizer que o Filho de Deus assumiu a natureza humana enquanto existente no intelecto humano. Porque essa assunção não seria mais do que o acto intelectual de conceber que ele assumiu a natureza humana, E, nesse caso, se não a assumisse, na natureza das coisas, esse conceito seria falso. E a Encarnação teria sido uma Encarnação ficta, como diz Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O Filho de Deus encarnado é o Salvador comum de todos, não por uma comunidade de género ou de espécie, atribuída à natureza separada dos indivíduos, mas por uma comunidade de causa, enquanto o Filho de Deus encarnado é a causa universal da salvação humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem em si mesmo não existe na natureza das coisas, de modo a ter uma existência separada dos indivíduos, como ensinavam os Platónicos. Embora alguns digam que Platão entendia que o homem separado só existe no intelecto divino. E assim, não era necessário que fosse assumido pelo Verbo, pois nele existia abeterno.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora a natureza humana não fosse assumida em concreto, de modo a ser preconcebida como o suposto da assunção, contudo o foi na sua individualidade, por tê-lo sido para subsistir num indivíduo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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