Tempo comum XXXII Semana
Evangelho: Lc 17 26-37
22
Depois disse aos Seus discípulos: «Virá tempo em que desejareis ver um só dos
dias do Filho do Homem e não o vereis. 23 E vos dirão: Ei-lo aqui,
ou ei-lo acolá. Não vades, nem os sigais. 24 Porque, assim como o
clarão brilhante de um relâmpago ilumina o céu de uma extremidade à outra,
assim será o Filho do Homem no Seu dia. 25 Mas primeiro é necessário
que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração. 26 Como
sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também quando vier o Filho do Homem .27
Comiam e bebiam, tomavam mulher e marido, até ao dia em que Noé entrou na arca;
e veio o dilúvio, que exterminou a todos. 28 Como sucedeu também no
tempo de Lot; comiam e bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; 29
mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, que
exterminou a todos. 30 Assim será no dia em que se manifestar o
Filho do Homem. 31 Nesse dia quem estiver no terraço e tiver os seus
móveis em casa, não desça a tomá-los; da mesma sorte, quem estiver no campo,
não volte atrás. 32 Lembrai-vos da mulher de Lot. 33 Quem
procurar salvar a sua vida, perdê-la-á; quem a perder, salvá-la-á. 34
Eu vos digo: Nessa noite, de duas pessoas que estiverem num leito, uma será tomada
e a outra deixada. 35 Duas mulheres estarão a moer juntas, uma será
tomada e a outra deixada!». 36 Omitido na Neo-Vulgata. 37
Os discípulos disseram-Lhe: «Onde será isso, Senhor?». Ele respondeu-lhes:
«Onde quer que estiver o corpo, juntar-se-ão aí também as águias».
Comentário:
Os
avisos de Jesus Cristo sobre o final da vida – e o que nos interessa é o que
nos diz respeito: a nossa morte – são claríssimos e absolutamente
compreensíveis por todos já que ninguém pode ter a certeza nem do dia nem do momento
em que será chamado a prestar contas.
Interessa
estar preparado e ‘as contas’ arrumadas e prontas a entregar. Esta é a grande
verdade e a preocupação que, sem ter medo da morte, nos deve manter alerta e
vigilantes.
Como
será? Quando? Pouco importa, aliás, é melhor que não o saibamos se assim não
fosse talvez cedêssemos à tentação de pensar e agir como se houvesse tempo para
uma derradeira ‘preparação’.
(ama, comentário sobre Lc 17 22-37,
2014.10.06)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
MANUSCRITO ENDEREÇADO A MADRE MARIA DE
GONZAGA
…/2
Madre querida, estou muito assustada
vendo o que vos escrevi ontem. Que garranchos!... minha mão tremia tanto que me
foi impossível prosseguir e agora até me arrependo por ter tentado escrever,
espero hoje escrever de forma mais legível, pois não estou mais na cama, mas
numa bonita poltrona branquinha.
Oh Madre! sinto que tudo o que vos
digo não tem ordem, mas sinto também a necessidade de, antes de vos falar do
passado, falar-vos dos meus actuais sentimentos. Se adiar, perderei, talvez, a
lembrança deles. Quero dizer-vos, inicialmente, o quanto estou comovida por
vossas delicadezas maternas. Ah! acreditai, Madre querida, o coração da vossa
filha está repleto de gratidão, nunca esquecerá o que vos deve...
Madre, o que mais me comove é a novena
que estais fazendo para Nossa Senhora das Vitórias, as missas que mandais
celebrar para minha cura. Sinto que todos esses tesouros espirituais fazem um
bem imenso à minha alma. No início da novena, dizia-vos, Madre, que era preciso
a Santíssima Virgem curar-me ou me levar para os Céus, pois achava muito triste
para vós e para a comunidade ter o encargo de uma jovem religiosa doente;
agora, aceito ficar doente a vida toda se isso for agradável a Deus e consinto,
até, em que minha vida seja muito longa. A única graça que desejo é que ela
seja interrompida pelo amor.
Não! não receio um vida longa, não
recuso a luta, pois o Senhor é a rocha na qual estou erigida, ele é quem
adestra minhas mãos para a liça e meus dedos para a guerra. Nunca pedi a Deus
para morrer jovem, mas é verdade que sempre esperei que seja essa a vontade
Dele. Muitas vezes, o Senhor contenta-se com o desejo de trabalhar para sua
glória e sabeis, Madre, que meus desejos são muito grandes. Sabeis também que
Jesus me ofereceu mais de um cálice amargo, que afastou dos meus lábios antes
de eu bebê-lo, não sem antes me fazer provar seu amargor. Madre querida, o
santo rei David tinha razão quando cantava: "Oh! como é belo, como é
prazenteiro o convívio de muitos irmãos juntos!" Senti isso muitas vezes,
mas é no meio dos sacrifícios que essa união deve acontecer na terra. Não foi
para viver com minhas irmãs que vim para o Carmelo, foi unicamente para atender
ao chamado de Jesus; ah! pressentia que seria um motivo de sofrimento contínuo
viver com as próprias irmãs, quando não se quer conceder nada à natureza. Como
se pode dizer ser mais perfeito afastar-se dos seus?... Já se censurou irmãos
por combaterem no mesmo campo de batalha? Já os censuraram por colher juntos a
palma do martírio?... Julgou-se, sem dúvida e com razão, que eles se animavam
mutuamente; mas o martírio de cada um passava a ser o de todos. Assim é na vida
religiosa, que os teólogos chamam de martírio. Ao dar-se a Deus, o coração não
perde sua natural ternura, pelo contrário, essa ternura cresce ao tornar-se
mais pura e mais divina.
Madre querida, é com essa ternura que
vos amo, que amo minhas irmãs; estou feliz por combater em família para a
glória do Rei dos Céus, mas estou disposta também a voar para outro campo de
batalha se o Divino General me manifestar o desejo. Não haveria necessidade de
uma ordem, bastaria um olhar, um simples sinal.
Desde meu ingresso na arca abençoada,
sempre pensei que se Jesus não me levasse logo para o Céu o destino da pombinha
de Noé seria o meu. Que um dia o Senhor abriria a janela da arca e me mandaria
voar para muito longe, para praias infiéis, levando comigo o raminho de
oliveira. Madre, esse pensamento fez crescer minha alma, fez-me planar acima de
todo o criado. Compreendi que até no Carmelo poderia haver separações, que só
no Céu a união seria completa e eterna. Quis, então, que minha alma morasse nos
Céus, que só olhasse de longe as coisas da terra. Não só aceitei exilar-me no
meio de um povo desconhecido, mas, o que me era muito mais amargo, aceitei o
exílio para minhas irmãs. Nunca me esquecerei de 2 de Agosto de 1896. Naquele
dia, o da partida dos missionários, falou-se seriamente da [partida] de Madre
Inês de Jesus. Ah! não queria fazer um só gesto para impedi-la de partir;
embora sentisse uma grande tristeza em meu coração, achava que sua alma tão
sensível, tão delicada, não era feita para viver no meio de almas que não
saberiam compreendê-la. Mil outros pensamentos acorriam numerosos ao meu
espírito e Jesus permanecia calado, não dava ordens à tempestade... Eu lhe
dizia: Meu Deus, por amor a vós, aceito tudo; se o quiserdes, posso morrer de
tristeza. Jesus contentou-se com a aceitação, mas alguns meses depois falou-se
da partida de Irmã Genoveva e de Irmã Maria da Trindade. Foi então outro tipo
de sofrimento, muito íntimo, muito profundo. Imaginava todas as provações,
todos os sofrimentos que elas teriam de encontrar. Enfim, meu céu estava
carregado de nuvens... só o fundo do meu coração ficava no sossego e na paz.
Madre querida, vossa prudência soube
descobrir a vontade de Deus e, em nome Dele, proibistes às vossas noviças de
pensar agora em deixar o berço da infância religiosa. Mas compreendíeis as
aspirações delas, sendo que vós mesma, Madre, havíeis pedido, na juventude,
para ir para Saigão. É assim, muitas vezes, que o desejo das mães encontra eco
na alma dos filhos. Ó Madre querida, vosso desejo apostólico encontra em minha
alma um eco muito fiel, bem o sabeis. Deixai que vos confidencie o motivo de eu
ter desejado e ainda desejar, caso a Santíssima Virgem me cure, trocar por uma
terra estrangeira o delicioso oásis onde vivo tão feliz sob vosso olhar
materno.
Madre, já me dissestes que para viver
em Carmelos estrangeiros é preciso ter uma vocação toda especial. Muitas almas
pensam ser chamadas sem o ser de fato. Dissestes-me também que eu tinha essa
vocação e que só minha saúde era empecilho. Sei que esse obstáculo sumiria se
Deus me chamasse para uma terra longínqua; portanto, vivo sem preocupações. Se
eu precisar, um dia, deixar meu querido Carmelo, ah! não seria sem ferida,
Jesus não me deu um coração insensível, mas é justamente por ser capaz de
sofrer que desejo que ele dê a Jesus tudo o que pode dar. Aqui, Madre querida,
vivo sem preocupação alguma com os cuidados da miserável terra. Só tenho de
cumprir a suave e fácil missão que me confiastes. Aqui, estou suprida das
vossas atenções maternas, não sinto a pobreza, nunca me faltou coisa alguma.
Mas aqui, sobretudo, sou amada, de vós e de todas as irmãs, e esse afecto me é
muito agradável. Eis por que sonho com um mosteiro onde não seria conhecida,
onde teria de sofrer pobreza, falta de afecto, enfim, no exílio do coração.
Ah! não foi para prestar serviços ao
Carmelo que quisesse receber-me que eu deixaria tudo o que me é caro; sem
dúvida, faria tudo o que dependesse de mim, mas conheço minha incapacidade e
sei que fazendo o melhor que eu puder não chegaria a fazer muito e bem, por não
ter, como dizia há pouco, conhecimento algum das coisas da terra. Minha única
finalidade seria cumprir a vontade de Deus, sacrificar-me por Ele da maneira
que lhe fosse agradável.
Sinto que eu não teria decepção
nenhuma, pois, quando se espera um sofrimento puro e sem mistura, a menor
alegria torna-se uma surpresa e, vós o sabeis Madre, o próprio sofrimento passa
a ser a maior das alegrias quando é buscado como o mais precioso dos tesouros.
Oh, não! não é para usufruir dos meus
trabalhos que quero partir, se tal fosse minha finalidade, não sentiria essa
doce paz que me inunda e até sofreria por não poder realizar a minha vocação
para as missões longínquas. Há muito não me pertenço, entreguei-me totalmente a
Jesus. Portanto, Ele é livre para fazer de mim o que quiser. Deu-me a atracção por um exílio completo, fez-me compreender todos os sofrimentos que eu
encontraria, perguntou-me se estava pronta a esgotar o cálice da amargura. Quis
tomar logo essa taça mas, puxando-a da minha mão, fez-me entender que a
aceitação lhe era suficiente.
Ó Madre, de quantas dúvidas nos
livramos pelo voto da obediência! Como as simples religiosas são felizes, tendo
por única bússola a vontade das suas superioras, estão sempre seguras de estar
no caminho certo, não receiam errar mesmo quando lhes parece óbvio que as
superioras se enganam. Quando, porém, alguém pára de olhar para a bússola
infalível, quando se afasta do caminho que ela aponta, sob pretexto de fazer a
vontade de Deus que não está esclarecendo direito quem o representa, logo a
alma se perde nos caminhos áridos onde a água da graça passa logo a fazer
falta.
Madre querida, sois a bússola que
Jesus me deu para levar-me seguramente ao porto eterno. Como me é agradável
fixar em vós o meu olhar e cumprir a vontade do Senhor. Depois que Ele permitiu
que eu sofresse tentações contra a fé, aumentou muito, em meu coração, o
espírito de fé que me faz ver em vós, não apenas uma mãe que me ama e que amo,
mas, sobretudo, que me faz ver em vossa alma o Jesus vivo que me comunica a sua
vontade por vosso intermédio. Sei muito bem, Madre, que me tratais como alma
fraca, menina mimada; por isso, não tenho dificuldade em carregar o fardo da
obediência. Mas parece-me, pelo que sinto no fundo do meu coração, que eu não
alteraria minha conduta e que meu amor por vós não sofreria diminuição alguma
se preferísseis tratar-me severamente; pois ainda veria que se trata da vontade
de Jesus que ajais assim para o maior bem da minha alma.
Este ano, Madre querida, Deus deu-me a
graça de compreender o que é a caridade. Compreendia antes, mas de maneira
imperfeita, não tinha aprofundado esta palavra de Jesus: "O segundo [mandamento]
é semelhante a este: "Ama o teu próximo como a ti mesmo".
Dedicava-me, sobretudo, a amar a Deus e foi amando-o que compreendi que não
devia deixar que meu amor se traduzisse apenas em palavras, pois: "Nem
todo o que me diz: `Senhor, Senhor', entrará no reino dos céus, mas o que faz a
vontade de meu Pai que está nos céus". Essa vontade, Jesus a deu a
conhecer muitas vezes, deveria dizer quase a cada página do seu Evangelho; mas
na última ceia, quando sabe que o coração dos seus discípulos arde de maior
amor por Ele que acaba de dar-se a eles no inefável mistério da sua Eucaristia,
esse doce Salvador quer dar-lhes um novo mandamento. Diz-lhes com indizível
ternura: "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; que,
assim como eu vos amei, vós também vos ameis uns aos outros. E nisto
precisamente todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns
pelos outros".
De que maneira Jesus amou seus
discípulos e por que os amou? Ah! não eram suas qualidades naturais que podiam
atraí-lo, havia entre eles e Ele uma distância infinita. Ele era a ciência, a
Sabedoria Eterna; eles eram pobres pescadores ignorantes e cheios de pensamentos
terrenos. Contudo, Jesus os chama de amigos, de irmãos, quer vê-los reinar com
Ele no reino do seu Pai e, para abrir-lhes esse reino, quer morrer numa cruz,
pois disse: Não há amor maior que dar a vida por quem se ama.
Madre querida, ao meditar essas
palavras de Jesus, compreendi como era imperfeito o meu amor para com minhas
irmãs, pois não as amava como Deus as ama. Ah! compreendo agora que a caridade
perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, não se surpreender com
suas fraquezas, edificar-se com os menores actos de virtude que os vemos
praticar. Compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar presa no fundo
do coração. Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para colocá-la debaixo do
alqueire, mas sobre o candelabro, e assim alumia a quantos estão em casa.
Parece-me que essa candeia representa a caridade que deve alumiar, alegrar, não
só os que me são mais caros, mas todos os que estão em casa, sem exceptuar ninguém.
Quando o Senhor ordenou a seu povo que
amasse o próximo, como a si mesmo, não tinha vindo ainda à terra. Mas, sabendo
até que grau se ama a si mesmo, não podia pedir às suas criaturas amor maior
para com o próximo. Quando Jesus deu a seus discípulos um mandamento novo, o
Seu mandamento, como diz adiante, não é mais amar o próximo como a si mesmo que
ele ordena, mas amá-lo como Ele, Jesus o amou, como o amará até o final dos
séculos...
Ah, Senhor! sei que não ordenais nada
impossível, conheceis minha fraqueza e minha imperfeição melhor do que eu
mesma; bem sabeis que nunca poderei amar as minhas irmãs como vós as amastes,
se vós mesmo, ó meu Jesus, não as amásseis em mim. É porque queríeis me
conceder essa graça que fizestes um mandamento novo. Oh! como o amo, sendo que
me dás a certeza de que vossa vontade é amar em mim todos aqueles que me
ordenastes amar!...
Sinto que quando sou caridosa é só
Jesus que age em mim; mais unida fico a Ele, mais amo todas as minhas irmãs.
Quando quero aumentar em mim esse amor, quando o demónio, sobretudo, procura
colocar perante os olhos da alma os defeitos de tal ou qual irmã que me é menos
simpática, apresso-me em procurar ver suas virtudes, seus bons desejos. Penso
que, se a vi cair uma vez, bem pode ter conseguido muitas vitórias que ela
esconde por humildade, e que mesmo aquilo que para mim parece ser uma falta
pode ser, devido à intenção, um ato de virtude. Não tenho dificuldade em
acreditar, pois já fiz uma pequena experiência que me provou que não se deve julgar.
Foi durante um recreio, a porteira deu dois toques, era preciso abrir a grande
porta dos serviçais a fim de introduzir árvores destinadas ao presépio. O
recreio não estava alegre, pois não estáveis aí, Madre querida, e, por isso,
pensei que me seria agradável ser mandada para servir de terceira. Nesse
momento, madre vice-priora disse-me que fosse, ou a irmã que estava a meu lado.
Logo comecei a desatar o nosso avental, mas bem devagar, a fim de que minha companheira
pudesse desatá-lo antes de mim, pois pensei agradar-lhe deixando-a ser
terceira. A irmã que substituía a depositária observava-nos rindo e, vendo que
me levantei por último, disse-me: Ah! bem que imaginei que não seria vós quem
acrescentaríeis uma pérola à coroa, andáveis devagar demais...
Certamente, a comunidade toda pensou
que eu tinha agido segundo a natureza. Não sei dizer como uma tão pequena coisa
fez bem à minha alma e me tornou indulgente em relação às fraquezas dos outros.
Isso me impede também de sentir vaidade quando sou julgada favoravelmente, pois
digo a mim mesma: se meus pequenos atos de virtude são vistos como
imperfeições, pode também haver engano e considerar-se como ato de virtude o
que não passa de imperfeição. Então, digo com são Paulo: Bem pouco me importo
em ser julgado por vós ou por um tribunal de homens, nem julgo a mim mesma;
quem me julga é o Senhor. Assim, a fim de fazer com que esse julgamento me seja
favorável, ou melhor, a fim de não ser julgada de forma alguma, quero ter
sempre pensamentos caridosos, pois Jesus disse: Não julgueis e não sereis
julgados.
Ao ler o que acabo de escrever,
poderíeis, Madre, crer que a prática da caridade não me é difícil. É verdade
que, desde alguns meses, não tenho mais de combater para praticar essa bela
virtude. Não quero dizer com isso que nunca me acontece cair em faltas. Ah! sou
imperfeita demais para evitar isso, mas não tenho muita dificuldade em me
levantar quando caio, pois num certo combate alcancei a vitória e, por isso, a
milícia celeste vem agora em meu socorro, não podendo aceitar ver-me vencida
depois de ter sido vitoriosa na guerra gloriosa que vou procurar descrever.
Encontra-se na comunidade uma irmã que
tem o dom de desagradar-me em tudo, suas maneiras, suas palavras, seu carácter
eram-me muito desagradáveis, porém é uma santa religiosa que deve ser muito
agradável a Deus. Não querendo entregar-me à antipatia natural que sentia,
disse a mim mesma que a caridade não deveria assentar-se nos sentimentos, mas
nas obras. Então, apliquei-me em fazer por essa irmã o que teria feito pela
pessoa que mais amo. Cada vez que a encontrava, rezava por ela, oferecendo a
Deus todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso agradava a Jesus, pois
não há artista que não goste de receber elogios pelas suas obras, e Jesus, o
artista das almas, fica feliz quando, em vez de olhar apenas o exterior,
entramos no santuário íntimo que ele escolheu para morada e admiramos sua
beleza. Não me restringia a rezar muito pela irmã que me levava a tantos
combates, procurava prestar-lhe todos os serviços possíveis. Quando estava
tentada a responder-lhe de modo desagradável, contentava-me em lhe dar meu mais
agradável sorriso e procurava desviar a conversa, pois diz-se na Imitação que é
melhor deixar cada um no seu sentimento que se entregar à contestação.
Muitas vezes também quando não estava
no recreio (quero dizer, durante as horas de trabalho), tendo algum
relacionamento de serviço com essa irmã, quando os combates se faziam violentos
demais, fugia como desertora. Como ela ignorava completamente o que eu sentia
por ela, nunca suspeitou os motivos do meu comportamento e está persuadida de
que o carácter dela me é agradável. Um dia, no recreio, disse-me,
aproximadamente, as seguintes palavras com ar contentíssimo: "Aceitaríeis
dizer-me, Irmã Teresa do Menino Jesus, o que tanto vos atrai em mim, pois cada
vez que me olhais vejo-vos sorrir?" Ah! o que me atraía era Jesus oculto
no fundo da alma dela... Jesus que torna suave o que é amargo... Respondi que
sorria por estar contente em vê-la (obviamente não acrescentei que era do ponto
de vista espiritual).
(cont)
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