26/10/2014

Tratado do verbo encarnado 11

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 5 — Se em Cristo houve união de alma e de corpo.

O quinto discute-se assim — Parece que em Cristo não houve união de alma e de corpo.

1. — Pois, a união da nossa alma como o nosso corpo causa a pessoa ou a hipóstase do homem. Se pois, em Cristo, a alma estava unida ao corpo, resulta que constitui-se alguma hipóstase, da união de ambos. Ora, não a hipóstase do Verbo de Deus, que é eterna. Logo, haverá em Cristo alguma pessoa ou hipóstase, além da hipóstase do Verbo. O que vai contra o dito antes.

2. Demais. — Da união da alma e do corpo constitui-se a natureza da espécie humana. Ora, Damasceno diz, que em Nosso Senhor Jesus Cristo não podemos admitir unia espécie comum, Logo, nele não houve composição de alma e de corpo.

3. Demais. — A alma não se une ao corpo senão para vivificá-lo. Ora, o corpo de Cristo por dia ser vivificado pelo Verbo mesmo de Deus fonte e princípio da vida. Logo, em Cristo não houve união da alma e do corpo.

Mas, em contrário, o corpo não se chama animado senão pela sua união com a alma. Ora, dizemos que o corpo de Cristo é animado, segundo o canta a Igreja: Assumindo um corpo animado, dignou-se nascer de uma Virgem. Logo, em Cristo houve união da alma e do corpo.

Cristo é chamado homem univocamente com os outros homens, como sendo da mesma espécie que eles, segundo aquilo do Apóstolo: Fazendo-se semelhante aos homens. Ora, é da essência da espécie humana que a alma seja unida ao corpo, pois a forma não especifica senão por ser o acto da matéria, sendo este o termo da geração, pelo qual a natureza tende a realizar a espécie. Donde, é necessário admitir-se que em Cristo a alma estava unida ao corpo, sendo o contrário herético porque contraria a verdade da humanidade de Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Foram levados por essa razão os que negaram a união da alma como o corpo, em Cristo, para não serem, assim, obrigados a admitir uma nova pessoa ou hipóstase em Cristo, pois, viam que no homem puro e simples a união da alma e do corpo constitui a pessoa. Mas isto dá-se no homem, que pura e simplesmente o é, porque nele a alma e o corpo estão unidos de modo a existirem por si. Mas em Cristo está um unido à outra corno adjuntos a um mais principal subsistente na natureza deles composta. E por isso, a união da alma e do corpo, em Cristo não constitui nova hipóstase ou pessoa, mas, esse conjunto advém à pessoa ou hipóstase preexistente. - Mas nem por isso daí se segue seja de menor eficácia a união da alma e do corpo em Cristo, do que em nós. Pois, em si mesma a união com o que é mais nobre não destrói a virtude ou a dignidade, mas as aumenta. Assim, a alma sensitiva, nos animais, constitui uma espécie, porque é considerada como forma última, não porém nos homens, embora em nós ela seja de maior poder e mais nobre, por causa da adjunção da ulterior e mais nobre perfeição da alma racional, como dissemos acima.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras de Damasceno podem entender-se em sentido duplo. — Num, como referentes à natureza humana. A qual não tem a essência de espécie comum, segundo existe num só indivíduo, mas enquanto abstracta de todos os indivíduos, quando objecto de uma pura contemplação do espírito, ou enquanto existente em todos os indivíduos. Ora, o Filho de Deus não assumiu a natureza humana, enquanto objecto da pura contemplação do intelecto, porque, assim, não teria assumido a natureza humana em a sua realidade. A menos que se não dissesse que a natureza humana é uma das ideias separadas, como os Platónicos concebiam o homem sem a matéria. Mas então o Filho de Deus não teria assumido a carne, contra as palavras do Evangelho, um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho. Semelhantemente, também não se pode dizer que o Filho de Deus assumiu a natureza humana como ela existe em todos os indivíduos de uma mesma espécie, porque então teria assumido todos os homens. Resta, pois, como Damasceno diz em seguida, no mesmo livro, que assumiu a natureza humana em a sua indivisibilidade (in átomo), isto é, na sua individualidade, mas não em outro indivíduo — que seja o suposto ou a hipóstase da referida natureza — diferente da pessoa do Filho de Deus. — Noutro sentido pode entender-se o dito de Damasceno, não como referente à natureza humana, de modo que da união da alma e do corpo não resulte uma natureza comum, que é a humana, mas deve referir-se à união das duas naturezas — a divina e a humana — das quais não resulta nenhuma terceira composição, que seria uma determinada natureza comum, porque então esse terceiro composto seria naturalmente predicado de muitos indivíduos. E tal é o que Damasceno pretende dizer, sendo por isso que acrescenta, Pois, nunca foi gerado, nem nunca o será, outro Cristo, ao mesmo tempo sujeito da divindade e da humanidade, na divindade e na humanidade, Deus perfeito e simultaneamente homem perfeito.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O princípio da vida corporal é duplo. — Um, efectivo e, deste modo, o Verbo de Deus é o princípio de toda vida. De outro modo, um princípio de vida o é normalmente. Pois, sendo a vida a essência dos viventes, como diz o Filósofo, assim como cada ser é formalmente o que é pela sua forma, assim o corpo vive pela alma. E, deste modo, não é possível o corpo viver pelo Verbo, que não pode ser forma do corpo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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