Art.
4 — Se Deus mais principalmente se encarnou para remédio dos pecados actuais do
que para remédio do pecado original.
O quarto discute-se assim. — Parece que Deus
mais principalmente se encarnou para remédio dos pecados actuais do que para
remédio do pecado original.
1. — Pois, quanto mais grave é um
pecado tanto mais se opõe à salvação humana, por causa da qual Deus se encarnou.
Ora, o pecado actual é mais grave que o original, pois, o pecado original
merece uma pena mínima, como diz Agostinho. Logo, mais principalmente a
Encarnação de Cristo ordena-se a delir os pecados actuais.
2. Demais. — O pecado original não
merece a pena do sentido, mas só a do dano, como se demonstrou na Segunda Parte
da Primeira Parte (Ia. IIae, q. 87, a. 5 arg. 2). Ora, Cristo veio para, em
satisfação dos pecados sofrer na cruz a pena dos sentidos, mas não, a do dano,
porque não careceu nunca da divina visão nem da divina fruição. Logo, mais
principalmente veio para delir o pecado actual, que o original.
3. Demais. — Crisóstomo diz: É
disposição de um servo fiel reputar por prestados como que só a si os
benefícios do seu Senhor, feitos quase geralmente a todos. Pois, como que de si
só falando, Paulo escreve assim (Gl 2, 20): Amou-me e se entregou a si mesmo
por mim. Ora, os pecados propriamente nossos são os actuais, pois o original é
um pecado comum. Logo, devemos ter uma disposição tal, que julguemos ter ele
vindo principalmente por causa dos pecados actuais.
Mas, em contrário, o Evangelho diz (Jo
1, 29): Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Expondo o que diz,
a Glosa: Pecado do mundo se chama o pecado original, comum a todo o mundo.
É certo Cristo ter vindo a
este mundo não só para delir o pecado transmitido originalmente aos pósteros,
mas também para delir todos os pecados que depois se lhe acrescentaram. Não que
todos sejam delidos, pois o impede a culpa dos homens que não inerem a Cristo,
segundo o Evangelho (Jo 3, 19): A luz veio ao mundo e os homens amaram mais as
trevas que a luz, mas porque ele fez o suficiente para delir a todos. Donde o
dizer o Apóstolo (Rom 5, 16): Não foi assim o dom como o pecado, porque o juízo
na verdade se originou de um pecado para condenação, mas a graça padeceu de
muitos delitos para justificação.
Mas, tanto mais principalmente Cristo
veio para delir um pecado, quanto maior ele é. Ora, a noção de maior é
susceptível de dupla acepção. — Numa, intensivamente, assim, tanto maior é a
brancura quanto mais intensa. E deste modo, maior é o pecado actual que o
original, porque é mais essencialmente voluntário, como se demonstrou na
Segunda Parte. — Noutra, diz-se maior o que o é extensivamente, assim, apelidamos
maior a brancura que cobre uma superfície maior. E, deste modo, o pecado original,
que contaminou todo o género humano, é maior que qualquer pecado actual próprio
de uma pessoa particular. E, sendo assim, Cristo veio mais principalmente para
tirar o pecado original, pois, o bem do povo é mais divino que o de um só, como
diz Aristóteles.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A objecção colhe quanto à grandeza intensiva do pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado
original, na retribuição futura, não merece a pena do sentido. Contudo, as
penalidades que sofremos sensivelmente nesta vida, como a fome, a sede, a morte
e outras semelhantes, procedem do pecado original. Por isso Cristo, para
satisfazer plenamente pelo pecado original, quis sofrer a dor sensível,
consumando em si mesmo a morte e outros sofrimentos semelhantes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como Crisóstomo
induz no mesmo lugar, o Apóstolo dizia as referidas palavras, não como querendo
diminuir os dons amplíssimos de Cristo e derramados pela terra inteira, mas
como se julgando exposto ele só por todos. Pois que importa, se fez também aos
outros o que, feito a ti, é de tal modo íntegro e perfeito como se não fosse
feito a nenhum outro? Donde, pelo facto, de dever alguém reputar por feitos a
si os benefícios de Cristo, não deve julgar que não foram feitos para os
outros. O que portanto não exclui que viesse mais principalmente abolir o
pecado de toda a natureza do que o pecado de uma só pessoa. Mas, esse pecado
comum foi de tal modo remediado, em cada um, como se só nele o fosse, E assim,
por causa da união da caridade, o todo que foi distribuído a todos cada um deve
se atribuir a si.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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