No primeiro ponto três questões devem
ser tratadas. A primeira, sobre a conveniência da Encarnação de Cristo. A
segunda, do modo de união do Verbo encarnado. A terceira, dos resultados dessa
união.
Na primeira questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 —Se foi conveniente que Deus se
encarnasse.
Art. 2 — Se foi necessário, para a
salvação do género humano, que o Verbo de Deus se encarnasse.
Art. 3 — Se, mesmo que o homem não tivesse
pecado, Deus se teria encarnado.
Art. 4 — Se Deus principalmente se
encarnou para remédio dos pecados actuais do que para remédio do pecado
original.
Art. 5 — Se foi conveniente Cristo encarnar-se
desde o princípio do género humano.
Art. 6 — Se a obra da Encarnação devia
ser diferida até o fim do mundo.
Art.
1 —Se foi conveniente que Deus se encarnasse.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que não foi conveniente que Deus se encarnasse.
1. — Pois, sendo Deus abeterno a própria
bondade essencial, melhor é ele existir como abeterno existiu. Ora, Deus
existiu abeterno sem nenhuma carne. Logo, convenientíssimo lhe era não se unir
à carne. Portanto, não foi conveniente que Deus se encarnasse.
2. Demais. — Seres infinitamente
diferentes unem-se inconvenientemente, assim, faria inconveniente junção quem
pintasse uma imagem, onde se ligasse a uma cabeça humana um pescoço de cavalo.
Ora, Deus e a carne diferem infinitamente, pois, ao passo que Deus é
simplicíssimo, a carne é composta, e sobretudo a humana. Logo, foi
inconveniente que Deus se tivesse unido à carne humana.
3. Demais. — O corpo dista do sumo
espírito tanto quanto a malícia, da suma bondade. Ora, era absolutamente
inconveniente que Deus, a suma bondade, assumisse a malícia. Logo, não foi
conveniente que o sumo espírito incriado assumisse um corpo.
4. Demais. — É inconveniente estar
contido num ser mínimo o que excede os grandes, e que se aplique a coisas
pequenas aquele a quem incumbe cuidado das grandes. Ora, toda a universidade
das coisas não é suficiente a abranger a Deus, que exerce o governo de todo o
mundo. Logo parece inconveniente esconder-se no corpinho de uma criança, a
vagir, aquele em cuja comparação é nada o universo, e um tal, rei, abandonar
tão longamente as suas moradas e transferir para um corpúsculo o governo de
todo o mundo, como Volusiano escreve a Agostinho.
Mas, em contrário. — Parece convenientíssimo
que as coisas invisíveis de Deus se manifestem pelas visíveis, pois, para tal
foi feito todo o mundo, segundo as palavras do Apóstolo (Rom 1, 20) — As coisas
invisíveis de Deus vêm-se consideradas pelas obras que foram feitas. Ora, como
diz Damasceno, pelo mistério da encarnação manifesta-se ao mesmo tempo a
bondade, a sabedoria, a justiça e o poder ou virtude de Deus. A bondade, pois
não desprezou a fraqueza da sua própria criatura, a justiça porque não deu a
outrem senão ao homem o poder de vencer o tirano, nem livrou o homem da morte
pela violência, a sabedoria, porque deu a mais cabal solução a um problema
dificílimo, o poder enfim ou a virtude infinita, pois nada há de maior ao facto
de Deus se ter feito homem. Logo, foi conveniente Deus ter-se encarnado.
A cada coisa é conveniente
o que lhe cabe segundo à essência da sua própria natureza, assim, convém ao
homem raciocinar por ser de natureza racional. Ora, a natureza própria de Deus
é a bondade, como está claro em Dionísio. Donde, tudo o que pertence
essencialmente ao bem convém a Deus. Ora, pertence essencialmente ao bem
comunicar-se aos outros, como está claro em Dionísio.Donde, pertence à essência
do sumo bem comunicar-se de maneira suma à criatura. O que sobretudo se realiza
por ter-se a si mesmo unido a natureza criada, de modo a fazer uma só pessoa
dos três o Verbo, a alma e a carne como diz Agostinho. Donde, é manifesto que
foi conveniente que Deus se tivesse encarnado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
O mistério da Encarnação não se realizou porque Deus tivesse, de certo modo,
obtido uma mudança do seu estado para outro, em que não existia abeterno, mas,
por se ter unido de um modo novo com a criatura, ou antes, a criatura a si:
Pois, é conveniente que a criatura, mutável por natureza, não se apresente
sempre do mesmo modo. Donde, assim como a criatura, que primeiro não existia,
foi depois produzida, assim também, não estando desde o princípio unida a Deus,
veio depois a ser-lhe unida.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Ser unida a
Deus, na unidade de pessoa, não era conveniente à carne humana, pela condição
da sua natureza, porque isso lhe sobrepujava a dignidade dela. Mas, foi
conveniente a Deus, pela infinita excelência da sua bondade uni-la a si, para a
salvação humana.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Qualquer outra
condição, pela qual cada criatura difere do Criador, foi instituída pela
sabedoria de Deus e ordenada à bondade divina. Pois, Deus pela sua bondade,
sendo incriado, imutável e incorpóreo, produziu criaturas mutáveis e corpóreas,
e semelhantemente o mal da pena foi introduzido pela justiça de Deus em vista
da sua glória. Quanto ao mal da culpa, ele procede pelo afastamento da arte da
sabedoria divina e da ordem da bondade divina. Donde, podia ser conveniente a
Deus assumir a natureza criada, mutável, corpórea e sujeita à penalidade: mas
não lhe era assumir o mal da culpa.
RESPOSTA À QUARTA. — Agostinho
responde: A doutrina Cristã não ensina que Deus, por ter-se unido à carne
humana, abandonou ou perdeu o exercício do governo universal, ou encerrou-o,
como que comprimido nesse corpúsculo. Mas são esses pensamentos do homem, só
capaz de cogitar no que é corpóreo, Pois, Deus é grande, não como uma mole,
mas, pela sua virtude. Por isso, a grandeza da sua virtude não se comprimiu com
a exiguidade local. Não é, portanto, incrível ao passo que o verbo transitório
do homem, seja total e simultaneamente ouvido por muitos e por cada um, que o
Verbo Deus, permanente, esteja total e simultaneamente em toda parte. Donde, não
resulta nenhum inconveniente para Deus encarnado.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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