Em seguida devemos tratar da divisão
da graça.
E nesta questão discutem-se cinco
artigos:
Art. 1 — Se a graça se divide
convenientemente em graça santificante e gratuita.
Art. 2 — Se a graça se divide
convenientemente em operante e cooperante.
Art. 3 — Se a graça se divide
convenientemente em preveniente e subsequente.
Art. 4 — Se o Apóstolo divide
convenientemente a graça gratuita.
Art. 5 — Se a graça gratuita é mais
digna que a santificante.
Art.
1 — Se a graça se divide convenientemente em graça santificante e gratuita.
[III
Cont. Gent., cap. CLIV, Compende. Theol., cap. CCXIV , Ad Rom., cap. I lect.
III, Ad Ephes., cap. I, lect II].
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a graça não se divide, convenientemente, em graça santificante e gratuita.
1. — Pois, a graça é um dom de Deus,
como já se disse (q. 110, a. 1). Porque, o homem não é agradável a Deus, por Deus
lhe ter feito algum dom, mas antes é ao contrário, por lhe ser o homem agradável
é que Deus lhe faz um dom gratuito. Logo, não há graça santificante.
2. Demais. — Tudo o que não é dado em
virtude de méritos precedentes o é gratuitamente. Ora, pois que a natureza é
pressuposta ao mérito, o próprio bem, que ela é, é dado ao homem sem mérito precedente.
Logo, também a natureza foi dada gratuitamente por Deus. Mas como ela se divide
da graça, por oposição, é inconveniente tomar-se como característica
diferencial da graça o ser dada gratuitamente, porque essa característica encontra-se
em outros géneros que não o da graça.
3. Demais. — Toda a divisão se funda
em características opostas. Ora, também a graça santificante, que nos
justifica, nos é concedida gratuitamente por Deus, conforme a Escritura (Rm 3,
24): Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça. Logo, a graça
santificante não se deve dividir, por oposição, da graça gratuita.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz, que
a graça tanto torna agradável, como é dada gratuitamente. Assim, diz quanto à
primeira característica (Ef 1, 6): Ele nos fez agradáveis a si em seu amado
filho, e, quanto à segunda (Rm 2, 6): E se isto for por graça, não foi já pelas
obras, doutra sorte a graça já não será graça. Portanto, pode distinguir-se a
graça, que tem um só desses caracteres, da que tem os dois.
Como diz o Apóstolo (Rm 13,
1), as potestades que há, essas foram por Deus ordenadas. Ora, a ordem das
coisas consiste em se ordenarem a Deus, umas pelas outras, como diz Dionísio. E
como a graça se ordena a dirigir o homem para Deus, isso se fará,
ordenadamente, de modo que uns se lhe ordenem por meio dos outros. Donde duas
espécies de graça. Uma pela qual o homem se une directamente com Deus, chamada
santificante. Outra, pela qual, nesse ordenar-se para Deus, uns colaboram com
os outros, e esse dom é chamado graça gratuita, por sobrepujar a capacidade da
natureza humana e o mérito pessoal do homem. Não se chama porém graça
santificante, por não ser dada ao homem para ele directamente se justificar,
mas antes, para cooperar na justificação dos outros. E a ela se refere o
Apóstolo (1 Cor 12, 7): A cada um é dada a manifestação do Espírito para
proveito, i. é, dos outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Diz-se que a graça torna agradável, não efectiva, mas formalmente, i. é,
porque, por ela, o homem se justifica e se torna digno de ser considerado agradável
a Deus, conforme a Escritura (Cl 1, 21): Fez-nos dignos de participar da sorte
dos santos em luz.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A graça,
enquanto gratuita, exclui a ideia de débito, que pode ser entendido em dupla
acepção. Numa, provém do mérito, referente à pessoa a quem cabe praticar obras
meritórias, conforme a Escritura (Rm 4, 4): E ao que obra não se lhe conta o
jornal por graça, mas por dívida. Outra é o débito fundado na condição da
natureza, assim quando dizemos ser devido ao homem ter razão e o mais
pertencente à natureza humana. Ora, em nenhuma dessas acepções, o débito se
funda em qualquer obrigação de Deus para com a criatura, mas antes, no dever
desta, de submeter-se a Deus e realizar a ordenação divina. Esta exige que tal
natureza tenha tais condições ou propriedades, e que, praticando tais actos,
consiga tais resultados. Donde, o débito, na primeira acepção, carece desses
dons naturais, mas deles não carece o débito na segunda acepção. Ao passo que,
em ambas as acepções, faltam-lhe os dons sobrenaturais. E por isso, a estes
cabem, mais especialmente, o nome de graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça
santificante acrescenta alguma coisa à noção de graça gratuita, o que também
pertence à essência da graça, que é tornar o homem agradável a Deus. Donde, à
graça gratuita, que não o faz, se lhe dá o nome comum, como acontece em muitos
outros casos. E assim, opõem-se as duas partes da divisão — tornar e não tornar
agradável.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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