Em seguida devemos tratar da lei
humana.
E primeiro, da lei humana em si mesma.
Segundo, do seu poder. Terceiro, da sua mutabilidade.
Na primeira questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se é útil terem os homens
estabelecido leis.
Art. 2 — Se toda lei feita pelos
homens é derivada da lei natural.
Art. 3 — Se Isidoro expõe
convenientemente a qualidade da lei positiva.
Art. 4 — Se Isidoro estabelece
convenientemente a divisão das leis humanas ou do direito humano.
Art. 1 — Se é útil terem os homens
estabelecido leis.
(Supra,
q. 91, a. 3; X Ethic., lect XIV).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que não é útil os homens terem estabelecido leis.
1. — Pois, a intenção de qualquer lei
é tornar os homens bons, como já se disse (q. 92, a. 1). Ora, eles são levados
melhor ao bem, voluntariamente, por advertências, do que coagidos por leis.
Logo, não é necessário estabelecê-las.
2. Demais. — O Filósofo diz: Os homens
buscam o juiz, como sendo a justiça animada. Ora, a justiça animada é melhor
que a inanimada, contida nas leis. Logo, melhor seria cometer a execução da
justiça ao arbítrio dos juízes, do que legislar a esse respeito.
3. Demais. — Toda lei é directiva dos
actos humanos, como do sobredito resulta (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, como os actos
humanos versam sobre situações particulares, que são infinitas, o que respeita
à direcção dos actos humanos não pode ser levado em conta suficientemente,
senão por alguém que tenha a ciência dos particulares. Logo, é melhor serem os
actos humanos dirigidos pelo arbítrio dos prudentes, do que fazer leis para
eles. Portanto, não é necessário estabelecer leis humanas.
Mas, em contrário, Isidoro diz: As
leis foram feitas para que, por medo delas, seja coibida a audácia humana, a
inocência defendida contra os maus e dos próprios maus refreada a faculdade de
fazer mal, pelo temor do suplício. Ora, tudo isto é em máximo grau necessário
ao género humano. Logo, é necessário que se tenham estabelecido leis humanas.
Como do sobredito resulta
(q. 63, a. 1; q. 94, a. 3), o homem tem aptidão natural para a virtude; mas a própria
perfeição da virtude é forçoso adquiri-la por meio da disciplina. Assim, vemos
que é por alguma indústria, que satisfaz às suas necessidades, p. ex., as do
comer e do vestir-se. Dessa indústria já a natureza lhe forneceu o início, a
saber, a razão e as mãos; não porém o complemento, como o fez para os outros
animais, a que deu a cobertura dos pêlos e alimentação suficiente. Ora, para a
disciplina em questão, o homem não se basta facilmente a si próprio. Pois, a
perfeição da virtude consiste principalmente em retraí-lo dos prazeres
proibidos, a que sobretudo é inclinado, e, por excelência, os jovens, para os
quais a disciplina é mais eficaz. Logo, é necessário que essa disciplina, pela
qual consegue a virtude, o homem a tenha recebido de outrem. Assim, para os
jovens naturalmente inclinados aos actos de virtude, por dom divino, basta a
disciplina paterna, que procede por advertências. Certos, porém, são protervos,
inclinados aos vícios e não se deixam facilmente mover por palavras. Por isso é
necessário que sejam coibidos do mal pela força e pelo medo, para que ao menos
assim, desistindo de fazer mal, e deixando a tranquilidade aos outros, também
eles próprios pelo costume sejam levados a fazer voluntariamente o que antes
faziam por medo, e deste modo se tornem virtuosos. Ora, essa disciplina, que
coíbe pelo temor da pena, é a disciplina das leis. Donde é necessário, para a
paz dos homens e para a virtude, que se estabeleçam leis. Pois, como diz o
Filósofo, o homem se, aperfeiçoado pela virtude, é o melhor dos animais,
afastado da lei e da justiça, é o pior de todos. Porque tem as armas da razão,
para satisfazer as suas paixões e crueldades, que os outros animais não têm.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Os homens bem dispostos são melhor induzidos à virtude por advertências, que
voluntariamente aceitam, do que pela coacção. Alguns, porém, mal dispostos, não
se deixam levar à virtude, senão coagidos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz o
Filósofo, é melhor que tudo seja regulado por lei, do que entregue ao arbítrio
de juízes. E isto por três razões. — Primeiro, por ser mais fácil encontrar uns
poucos homens prudentes, suficientes para fazer leis rectas, do que muitos que
seriam necessários, para julgar bem de cada caso particular. — Segundo, porque
os legisladores, com muita precedência consideram sobre o que é preciso
legislar; ao contrário, os juízos sobre factos particulares procedem de casos
nascidos subitamente. Ora, mais facilmente pode o homem ver o que é recto,
depois de ter refletido muito, do que apoiado só num único facto. — Terceiro,
porque os legisladores julgam em geral e para o futuro; ao passo que os homens,
que presidem ao juízo, julgam do presente, apaixonados pelo amor ou pelo ódio,
ou por qualquer cobiça; o que lhes deprava o juízo. — Portanto, como, a justiça
animada do juiz não se encontra em muitos e é flexível, é necessário, sempre
que for possível, que seja determinado por lei como se deva julgar, deixando
pouquíssima margem ao arbítrio humano.
RESPOSTA À TERCEIRA. — É necessário
cometer a juízes certos casos particulares, que a lei não pode abranger,
conforme o Filósofo o diz, no mesmo lugar; p. ex., saber se um facto se deu ou
não, ou coisas semelhantes.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.