20/06/2014

Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A paz na familia)

Tempo comum XI Semana

Evangelho: Mt 6, 19-23

19 «Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões arrombam as paredes e roubam. 20 Entesourai para vós tesouros no céu, onde nem a ferrugem nem a traça os consomem, e onde os ladrões não arrombam as paredes nem roubam. 21 Porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração. 22 «O olho é a lâmpada do corpo. Se o teu olho for são, todo o teu corpo terá luz. 23 Mas, se teu olho for malicioso todo o teu corpo estará em trevas. Se, pois, a luz que há em ti é trevas, quão tenebrosas serão essas trevas!

Comentário:

Quantos pecados tiveram a sua “origem” no olhar.

Lembremos um dos mais conhecidos de todos os tempos, o pecado de David. As consequências de ter detido o seu olhar numa cena íntima  e reservada foram terríveis, desde o assassínio congeminado de Urias, até à própria morte do seu filho e herdeiro.

Olhar, ver é bem diferente de mirar, aquele pode ser natural e directo, e, portanto, natural; este, é sempre um acto voluntário e, como todos os actos de vontade, tem consequências.

(ama, comentário sobre Mt 6, 19-23, 2013,06.21)


Leitura espiritual



Temas


A PAZ NA FAMÍLIA

INTRODUÇÃO

DESEJOS DE PAZ

Se perguntarmos a uma pessoa recém-casada qual é o bem que mais deseja na família, provavelmente responderá:

– O amor.

Se fizermos a mesma pergunta a um homem ou a uma mulher já maduros, com longos anos de convivência familiar, é provável que nos responda:

– A paz.

Nem todos dirão isso, certamente, mas muitos, sim. É que os anos de convívio entre marido e mulher, e entre pais e filhos, vão evidenciando, com luminosa clareza, que a paz é um bem inestimável, tanto mais precioso quanto mais frágil e difícil é de conseguir e de conservar.

– Paz! Pelo amor de Deus, quero paz lá em casa! – dizem alguns, com gemidos de náufrago que já não aguenta mais segurar-se numa tábua no meio da tormenta.

Têm ampla experiência das agruras da “guerra”: desavenças, incompreensões, brigas, maus humores, recriminações, injustiças, teimosias, desafios, reclamações monótonas... A esses, a harmonia parece-lhes um sonho que lhes escapou das mãos há muito tempo, como se fosse um balão perdido no espaço, sem meio algum de o recuperar.

A harmonia familiar é um ideal que essas pessoas entristecidas amam, com um amor ardente e dolorido, unido à convicção amarga de que a paz familiar estável não existe na terra ou, caso exista, é uma loteria que não os contemplou.

Uma loteria, uma questão de sorte. É assim que muitos veem as alegrias da paz familiar. Uns são agraciados e outros não. Qualquer pessoa – pai, mãe, filho – que se queixa da falta de paz familiar costuma dispor de uma explicação para essa infelicidade: a má sorte de ter que conviver com um cônjuge ou filhos – ou pais – de carácter difícil, de temperamento insuportável, de... instintivamente, o queixume pela falta de paz toma a forma de uma acusação. Sabemos bem quem são os culpados, e sabemos bem de que males são culpados. É a grosseria do marido, é a indisciplina e o desrespeito dos filhos, é a tirania irracional dos pais... Ou, então: “É que não me compreendem, não me escutam, não acreditam em mim, não têm responsabilidade, não têm ordem, gritam à toa, ofendem...

Assim, não é possível ter paz!”

Em face dessa tendência para a acusação dos outros, parece-me muito sugestivo o seguinte comentário de um escritor brasileiro:
“Nos casos de conflitos entre pessoas [o autor está tratando do divórcio], asseveramos que a única solução, o único termo ou desenlace perfeito só pode ser atingido quando se chega à confrontação leal e verídica de um sentimento de culpa. Um desentendimento jamais poderá ser resolvido se as partes obstinadamente fogem dessa confrontação. Consegue-se um apaziguamento com evasivas, com fórmulas conciliatórias como aquela: «ninguém tem culpa»; mas só se consegue uma cura profunda e fecunda no momento em que cada parte queixosa seja capaz de um duplo ato moral: o do reconhecimento de sua culpa, na base de uma genuína humildade; e o da ciência proporcionada e justa da culpa alheia, num acto de misericórdia, predisposto ao perdão [...].

O remédio específico para os humanos desentendimentos não pode ser puramente psicológico. Há-de ser moral, e não é outro senão o ato de humildade e o acto de generosidade”

É um conselho lúcido e muito útil. Sim. Quando cambaleia ou naufraga a paz familiar, a primeira coisa que devemos fazer é deixar de lado toda e qualquer acusação, por objetiva e justa que pareça, e começar pela tarefa humilde de reconhecer as nossas culpas:
“Qual é a minha parte de culpa no mal-estar familiar?” Ninguém nos pede que assumamos toda a culpa, mas sim que comecemos por enxergá-la e aceitá-la sem desculpas, como passo prévio para conquistar ou reconquistar a paz no lar.

Depois disso, poderemos dar o segundo passo, o da ponderação serena e objetiva da culpa alheia, e então estaremos em condições de encarar essa culpa com a disposição generosa de compreender e perdoar, de corrigir e ajudar.

AS CORDAS DO CORAÇÃO

Uma comparação simples pode ajudar-nos a perceber melhor a conveniência de começar reconhecendo a nossa culpa.

O coração humano pode ser comparado a um instrumento de cordas. Imagine, se quiser, um violino, uma harpa, ou um piano, que tem cordas também.

É claro que, para extrair do instrumento uma música harmoniosa – uma sinfonia, uma rapsódia, uma sonata –, é necessário um bom intérprete. Mas não adianta dispor do melhor intérprete do mundo, se o instrumento tem as cordas soltas ou mal afinadas. Por mais que o virtuose se esforce, só conseguirá dissonâncias roucas ou estridentes, ruídos abafados, cacofonias. A primeira coisa que fazem os músicos de uma orquestra, antes que o regente levante a batuta e imponha o silêncio expectante do início do concerto, é afinar os instrumentos. Qualquer amante da música lembra-se desses barulhinhos inconfundíveis de violoncelos, violinos e contrabaixos a regular as cordas.

Pois bem, o coração também tem as suas cordas. Umas cordas que se chamam virtudes ou defeitos. São as cordas da humildade ou do orgulho, da fortaleza ou da moleza, da preguiça ou da laboriosidade, do otimismo ou do pessimismo, da generosidade ou da mesquinhez... Virtudes que soam bem, ou defeitos que soam mal.

Os outros, quer sejam amáveis ou grosseiros, quer sejam pacientes ou irritadiços, farão soar dentro do nosso coração uma nota conforme as nossas cordas. Se a corda da generosidade anda fraca, qualquer atitude da esposa, do marido, do filho ou do pai que exija algum sacrifício fará vibrar a nota desafinada do mau-humor. Pelo contrário, se o coração for grande e a corda da generosidade estiver “bem temperada”, mesmo as agressões mais desagradáveis dos outros farão ressoar a nota da compreensão, da afabilidade que desvia a discussão, da grandeza de alma que finge nem ter reparado na ofensa. E, então, haverá paz.

Vale a pena, portanto, insistir em que a primeira causa das desavenças, brigas e desarmonias, não convém buscá-la no que “os outros fazem ou dizem”, mas na maneira como isso que fazem ou dizem – quer seja bom, quer ruim – repercute no nosso coração.

Lembremo-nos do exemplo de Cristo. Ele – cujo coração de Homem-Deus tinha as cordas das virtudes divinamente afinadas – espalhava à sua volta uma paz imensa, não só quando pregava aprazivelmente nas margens do lago de Genesaré, e todos se encantavam com as suas palavras, mas também quando agonizava no alto da cruz, cercado de impropérios, zombarias e tormentos atrozes.

Do coração é que sai tudo, dizia Cristo (Mc 7, 21). Tudo depende do coração, do amor, da bondade e das virtudes que nele se enraízam. Boas virtudes são geradoras de paz.

Defeitos arraigados são provocadores de guerra.

Como entendia bem São Paulo o ensinamento de Cristo! Bastará, por ora, lembrar apenas dois trechos das suas cartas, que põem à mostra as cordas da paz e as cordas da guerra:
– Cordas da paz: Revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, mansidão, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se um tiver contra outro motivo de queixa [...]. Mas, acima de tudo, revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição. Triunfe em vossos corações a paz de Cristo, para a qual fostes chamados (Col 3, 12-15).

– Cordas da guerra: Nenhuma palavra má saia da vossa boca [...]. Toda a amargura, indignação, cólera, gritos, injúrias, e toda a espécie de malícia, sejam banidos dentre vós (Ef 4, 29.31).

Guerra e paz, sim. Vale a pena encará-las ambas. E, para que a nossa reflexão seja como uma escada, que vai subindo dos fundões até às cumeadas, assim como Dante começou a Divina Comédia pelo Inferno, também vamos iniciar estas simplicíssimas meditações entrando, primeiro, nos porões onde fermentam os conflitos familiares, para depois subir, contemplar com perspectiva cristã o ideal familiar, e procurar, enfim, os caminhos que podem conduzir a família à paz.

UMA DESCIDA AOS PORÕES

PRIMEIRO PORÃO: O ORGULHO O “EU” SOBRE O ALTAR

De todas as cordas desafinadas do coração, a pior é a do orgulho. Este vício capital é o primeiro inimigo da paz familiar; o orgulho que, de resto, é o inimigo número um de toda a bondade e de toda a alegria. Não é em vão que a Bíblia diz, no livro do Eclesiástico, que o orgulho é o princípio de todo o pecado (Ecli 10, 15).

Mas, o que é o orgulho?

Uma definição clássica reza assim: “O orgulho é o apetite desordenado da própria excelência”. Trocando a frase em miúdos, significa: é o desejo exorbitado de sobressair, de ficar por cima, de ser valorizado, acatado e estimado; é a ânsia de sentir-se superior aos outros, ou pelo menos nunca inferiorizado; é a incapacidade de aceitar qualquer coisa que fira o nosso amor-próprio ou rebaixe a nossa imagem.

O orgulho cega. Essa supervalorização do nosso “eu” impede-nos de enxergar a verdade sobre os nossos defeitos e culpas, porque não suportamos que essa verdade nos situe abaixo do alto conceito que fazemos de nós mesmos ou nos coloque por baixo dos outros.

Poderíamos dizer que a pessoa orgulhosa construiu um altar dentro do seu coração, onde entronizou o seu próprio “eu” como um ídolo intocável, que constantemente defende e adora. Qualquer coisa que atinja esse falso “deus”, qualquer coisa que tente questioná-lo ou ameace rebaixá-lo, provoca no orgulhoso uma reação imediata, violenta como uma descarga elétrica, ou abafada e surda (por exemplo, um mutismo sufocante, um ar carrancudo de dignidade ofendida, etc.), que acaba com a paz.

Não há dúvida de que o orgulho é a corda mais desafinada do coração.

Melhor dizendo, o orgulho é todo um conjunto de cordas desafinadas.
Procuraremos agora ouvir o som de algumas delas. Não será agradável a música, mas pode ser bom escutá-la, não, evidentemente, pelo prazer maldoso de ver retratadas nela as falhas das pessoas da nossa casa (“É o vivo retrato do meu marido”, “Acho que o autor deste livro fez a radiografia da minha mulher”, “É, chapado, o meu irmão”, “Olhe aí a cara da minha sogra”...); não, não vamos procurar esse prazer ruim... Pelo contrário, vamos tentar fazer um reconhecimento humilde dos porões escuros da nossa própria alma – das nossas cordas desafinadas –, com o intuito positivo de ajustar-lhes as cravelhas, de afinar, em suma, o instrumento poderoso que é o nosso coração e, com a ajuda de Deus, conseguir que ele vibre com notas cada vez mais puras e harmoniosas.

Vejamos, pois, essas cordas, sem pretender falar de todas, nem colocá-las numa determinada ordem de importância. Pensemos simplesmente nos atritos familiares que nos são mais conhecidos e deixemos a reflexão correr.

Facilmente salta à vista uma primeira corda bem mal ajustada: a crítica.

(cont.)





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