Em seguida devemos tratar da mudança
das leis. E nesta questão discutem-se quatro artigos;
Art. 1 — Se a lei humana deve de algum
modo ser mudada.
Art. 2 — Se a lei humana há de sempre
ser mudada quando aparecerem melhores instituições.
Art. 3 — Se o costume pode obter força
de lei e abrogar a lei.
Art. 4 — Se os chefes do povo podem
dispensar nas leis humanas.
Art.
1 — Se a lei humana deve de algum modo ser mudada.
(Infra, q. 104, a. 3, ad 2; Ad.
Galat., cap. I, lect. II. V Ethic., lect. XII).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a lei humana de nenhum modo deve ser mudada.
1. — Pois, a lei humana deriva da lei
natural, como já se disse (q. 95, a. 2). Ora, a lei natural perdura imutável.
Logo, também a lei humana deve permanece imutável.
2. Demais. — Como diz o Filósofo, a
medida deve, por excelência, ser permanente. Ora, a lei humana é a medida dos actos
humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Logo, deve permanecer imutável.
3. Demais. — Ser justa e recta da
essência da lei, como já se disse (q. 95, a. 2). Ora, o que é uma vez recto é-o
sempre. Logo, o que foi uma vez lei deve sê-lo sempre.
Mas, em contrário, Agostinho diz: A
lei temporal, embora justa, pode, no decurso do tempo, ser justamente mudada.
Como já se disse (q. 91, a.
3), a lei humana é um ditame da razão por que se dirigem os actos humanos. E
assim, por dupla causa pode a lei humana ser justamente mudada: uma fundada na
razão; outra, proveniente dos homens, cujos actos são regulados por lei.
Uma é fundada na razão, porque à razão
humana é natural ascender gradualmente do imperfeito para o perfeito. Por isso
vemos, nas ciências especulativas, que os primeiros filósofos transmitiram aos
seus sucessores umas doutrinas imperfeitas, que estes por sua vez transmitiram
aos seus sucessores mais aperfeiçoadas. Ora, o mesmo se dá na ordem das acções.
Assim, os primeiros que intentaram descobrir mais útil disposição para a
comunidade humana, não podendo prever tudo, por si mesmos, fizeram algumas
instituições imperfeitas e falhas em muitos casos, que os pósteros modificaram,
estabelecendo por sua vez algumas outras, que, em alguns casos, podem não
realizar a utilidade comum.
Por outro lado, por parte do homem,
cujos actos são regulados por lei, esta pode mudar-se rectamente, por causa da
mudança das condições dos homens, aos quais convêm coisas diversas segundo as
suas diversas condições. Assim Agostinho dá o exemplo seguinte. Se um povo for
de boa moderação, grave e guarda diligentíssimo da utilidade comum, a lei é
justamente feita para que a tal povo seja lícito estabelecer os seus
magistrados, que administrem a república. Mas se, depravado esse povo
paulatinamente, venha a tornar venal o seu sufrágio e entregar o governo a
homens flagiciosos e celerados, é justo cassar-lhe o poder de distribuir as
honras, e transferi-lo ao arbítrio de uns poucos bons.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A lei natural é uma participação da lei eterna, como já se disse (q. 91, a.
2), e por isso permanece imutável; e essa imutabilidade tem-na da perfeição da
razão divina, que institui a natureza. Ao contrário, a razão humana é mutável e
imperfeita. E portanto, a sua lei é mutável. Além disso, a lei natural contém alguns
preceitos universais, que sempre permanecem; ao passo que a lei estabelecida
pelo homem contém preceitos particulares, provocados pelos casos emergentes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A medida deve
ser permanente quanto possível. Mas na ordem das coisas mutáveis não pode haver
nada que permaneça imutável. Donde, a lei humana não pode ser absolutamente
imutável.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Na ordem das
coisas materiais a rectidão é considerada absolutamente; e por isso permanece
na sua essência. Ao passo que a rectidão da lei é considerada em relação à
utilidade comum, a qual não é sempre proporcionada uma mesma realidade, como já
se disse. Por isso essa rectidão é susceptível de mudança.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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