Tempo comum Semana XI
Evangelho: Mt 6, 7-15
7 Nas
vossas orações não useis muitas palavras como os gentios, os quais julgam que
serão ouvidos à força de palavras. 8 Não os imiteis, porque vosso
Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós Lho peçais. 9 «Vós,
pois, orai assim: Pai-nosso, que estás nos céus, santificado seja o Teu nome. 10
«Venha o Teu reino. Seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu. 11
O pão nosso supersubstancial nos dá hoje. 12 Perdoa-nos as nossas
dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. 13 E não nos
deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. 14 «Porque, se vós
perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará.
15 Mas, se não perdoardes aos homens, também o vosso Pai não perdoará
as vossas ofensas.
Comentário:
Humanamente não é possível comentar este trecho do
Evangelho porque é uma oração divina!
Analisada em detalhe durante séculos por gentes de
todas as idades e graus de cultura todos chegam à mesma conclusão: O Pai-nosso
é uma oração completa e total.
Contém tudo, absolutamente, o que precisamos dizer ao
nosso Pai do Céu.
Descreve tudo, absolutamente, o que Ele deseja que
façamos.
A
PACIÊNCIA
…/8
AS DEMORAS DE DEUS
No mundo em que vivemos,
bêbado de acelerações, ultrassônico nas mudanças e doente de impaciências, a
bela arte do amor paciente é muito necessária. A virtude da paciência é uma
terapia de que o mundo atual precisa muito.
Mas, num ambiente em que o
egoísmo pensa que “para mim tudo tem que ser antes e ao meu gosto” e o
comodismo exige “tudo rápido, para já e com o menor trabalho possível”, a impaciência
grassa largamente e faz a festa. E é natural que se mostre, a toda a hora, em
forma de cansaço insofrido, unido a uma revolta irritada. Não é estranho que,
nesse clima, as impaciências acabem cedo ou tarde por arremessar-se contra
Deus.
Tal é o caso, não
infrequente, dos que chegam a duvidar da bondade de Deus e sentem abalar-se-lhes
a fé quando julgam que “Deus não os escuta”, pois – segundo pensam – não atende
aos seus pedidos nem os livra das suas aflições.
Alguns falam então do
“silêncio de Deus”, insinuando – ou afirmando claramente – que Deus não se
interessa pelas suas criaturas, mas permanece na olímpica solidão dos céus,
alheio às tribulações e anseios dos homens. Um bom número de casos de agnosticismo,
ou de ateísmo inconsistente (será que há algum ateísmo que não seja
inconsistente?), ou de ceticismo mais ou menos cínico, tomaram pé em alguma
decepção. Esperava-se algo de Deus, e não aconteceu. Por essa razão, Fulano
deixou de ir à Missa depois da morte do filho, pelo qual tanto tinha rezado; Sicrano
perdeu a fé após a quinta tentativa frustrada de entrar na faculdade; e
Beltrana bandeou-se para o esoterismo ao perder o último namorado.
Os “silêncios” e as
“demoras” de Deus põem à prova a nossa paciência. Mas são precisamente essas
dificuldades desconcertantes as que nos fazem compreender que uma boa paciência
jamais poderá ser erguida sobre uma fé ruim.
Uma das primeiras verdades
– inesgotável e luminosa verdade! – que Cristo nos revelou foi a da paternidade
de Deus: O vosso Pai vê, o vosso Pai sabe, o vosso Pai cuida (cf. Mt 6, 25 e segs.).
Não se vendem dois passarinhos por uma moedinha? No entanto, nenhum cai por
terra sem a vontade do vosso Pai. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos
contados. Não temais, pois!
Valeis mais do que muitos
pássaros (Mt 10, 20-31).
Deus é um Pai que sempre
nos acompanha. E esse Pai está amorosamente ativo, talvez mais do que nunca,
quando parece que se cala e não intervém. “Quando nada acontece – diz, com certeira
intuição, Guimarães Rosa –, há um milagre que não estamos vendo” [1]
Quem vive realmente de fé,
caminha sereno e confiante na “mão” de Deus que, como víamos acima, muitas
vezes não coincide com a nossa. Ele, que é Bom Pastor de cada um de nós, sabe,
e sabe-o muito bem, por onde nos leva e nos traz. Ainda que atravesse as
sombras da morte, nada temerei, porque Tu estás comigo (Sl 23, 4). Ele nos dá,
ou permite que nos aconteça, aquilo que – embora não o entendamos – mais nos
convém, sempre com vistas à nossa verdadeira realização, que é a que floresce e
se completa na vida eterna: Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem
matar a alma (Mt 10, 28). Não temas, meu pequeno rebanho, porque foi do agrado
do vosso Pai dar-vos o Reino (Lc 12, 32).
Quem vive de fé, entende
muito bem, por isso, o belo conselho do Eclesiástico: Sofre as demoras de Deus.
Dedica-te a Deus, espera com paciência [...]. Aceita tudo o que te acontecer.
Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência. Pois é pelo fogo que se
experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus pelo cadinho da
tribulação (Ecli 2, 3-5).
O MILAGRE QUE NÃO ESTAMOS
VENDO
O “milagre que não estamos
vendo” consiste no que São Paulo via com lúcida fé e expressava com esplêndida
convicção: Nós sabemos que Deus faz concorrer todas as coisas para o bem
daqueles que o amam (Rom 8, 28). Se tivermos amor a Deus, tudo, absolutamente
tudo – o que chamamos sorte e o que chamamos infortúnio, o que é um sucesso no
mundo e o que é um fracasso, a satisfação e o sofrimento, a saúde e a doença, a
vida e a morte –, tudo acabará sendo conduzido por Deus, com a sua soberana e
misteriosa “alquimia”, para algo que resultará num bem para nós.
Mons. Escrivá costumava
dizer que a nossa vida é uma preciosa tapeçaria, que Deus vai urdindo connosco
– com a nossa liberdade – aos poucos, fio a fio. Habitualmente, nós só a vemos pelo
avesso, enquanto é tecida na oficina do dia-a-dia. Por isso, tudo nos parece
com frequência uma confusão de fiapos soltos e de figuras bizarras. Vez por
outra, porém, Deus deixa-nos olhar por uns instantes a tapeçaria pela frente, e
então ficamos pasmados ao dar-nos conta da sua harmonia e do seu esplendor. A
vida, quando já foi um pouco longa e procurou não se afastar de Deus, oferece-nos
de quando em quando alguns desses lampejos de lucidez: entendemos que foi bom o
que antes repudiávamos como mau, e captamos o porquê de certas coisas que, na
altura, nos pareciam absurdas e sem sentido.
Alguns santos tiveram o
privilégio de contemplar, felizes, a tapeçaria de uma vida inteira na sua
harmonia total. Tal foi o caso de Santa Teresa de Ávila que, após concluir a
sua autobiografia, escrita por obediência aos superiores, remeteu o manuscrito
a Frei Garcia de Toledo, com uma carta na qual, a todas as tribulações,
fadigas, dores e contrariedades relatadas, chamava belamente “as grandes misericórdias
com que Deus me cumulou” [2]
Também o Bem-aventurado
Josemaría Escrivá, três meses antes de deixar esta terra, ponderava na sua
oração as vicissitudes – muitas delas duríssimas – da sua longa vida, e dizia:
“Um olhar para trás... Um panorama imenso: tantas dores, tantas alegrias. E
agora tudo alegrias, tudo alegrias... Porque temos a experiência de que a dor é
o martelar do Artista, que quer fazer, dessa massa informe que nós somos, um
crucifixo, um Cristo... Senhor, obrigado por tudo, muito obrigado!” [3]
É bem verdade que um
clarão de Deus pode mostrar-nos, às vezes, a tapeçaria inteira. Mas o normal é
que, na penumbra desta terra, Deus nos peça fé. Ele não deixará de nos dar a
graça necessária para aceitarmos com paciência e confiança as suas “demoras” e
os seus aparentes “silêncios”. A nós toca-nos dizer, amorosamente, com o salmista:
Mantenho em calma e sossego a minha alma. Tal como a criança no regaço de sua
mãe, assim está a minha alma no Senhor. [...]
Põe a tua esperança no
Senhor, agora e para sempre (Sl 131, 2-3).
A SANTA IMPACIÊNCIA
O que acabamos de dizer,
aproximando-nos já do final destas páginas, não estará porventura incentivando uma
paciência feita de calma passividade, de abandono nas mãos de Deus, muito confiante,
mas também excessivamente inerte?
Não. Quando um cristão
repete, com o salmo: Só em Deus repousa a minha alma, é d’Ele que me vem a
paciência (Sl 62, 6), não está fazendo a oração das cómodas desistências, como
se dissesse: – “Eu durmo tranquilo reclinado sobre o peito do meu Deus,
desligo-me de tudo, e Ele que faça o que julgar melhor”.
O bom cristão é sempre
parecido com São João, pelo menos em uma coisa: o seu modo de repousar em Deus
consiste em reclinar a cabeça sobre o Coração de Cristo. E o Coração de Jesus está
em chamas: mais do que repousos, contagia ardores.
Queremos saber qual é a
fogueira que lhe anda no peito? Ouçamos umas palavras que pronunciou pouco antes
da sua Paixão, e que deixam entrever as labaredas da santa impaciência que o
consumia por dentro: Eu vim lançar fogo à terra, e que quero senão que ele se
acenda?
Tenho de receber um
batismo [o derramamento salvador do seu sangue], e quanto anseio até que ele se
cumpra! (Lc 12, 49-50).
O Senhor aguardava,
ansioso, a “sua hora”, o momento em que levaria à plenitude, no alto da Cruz, a
obra redentora, e esse desejo queimava-o por dentro. Queria com todas as suas
forças – disposto a dar a vida até à última gota de sangue – que a Verdade e a
Vida divinas se alastrassem em chamas por toda a terra. E aguardava essa hora –
deixando na mão do Pai os tempos e os momentos –, em serena e fervente tensão.
Não vivia a calma passividade dos falsos pacientes. Era puro fogo, brasa em
crepitação.
Por isso, se antes de
encerrarmos estas linhas tivéssemos dado, nem que fosse de leve, a impressão de
que a paciência é apenas uma arte de sofrer, de aceitar, de persistir no
sacrifício, e mais nada, estaríamos deixando o leitor com um equívoco na alma.
“A paciência cristã – diz um autor – nada tem a ver com os temperamentos
fleumáticos [...]. O fleumático nunca se impacienta, porque para ele nada
existe que o comova interiormente [...]. Quem não tem interesse por alguma coisa,
é natural que possa esperar muito tempo: nunca perderá a calma, nunca
experimentará a urgência estimulante, nunca sentirá impaciência” [4]
Mas aquele que possui o
ideal cristão e experimenta o zelo pela missão que Deus lhe confiou, não se
afunda na calma inexpressiva do comodista. Estimulado por uma nobre
inquietação, tem pressa em aproveitar – por amor a Deus e aos homens – todos os
instantes da sua vida, e, sem permitir que a pressa o torne precipitado, não
deixa para amanhã o que hoje pode oferecer ao Senhor.
O quadro completo da
paciência só se abrange quando se recordam as palavras de São Tomás de Aquino,
já citadas nestas páginas: “Só o amor é causa da paciência”. É nisto que está a
autenticidade desta virtude. Aquele grande amor que, com a ajuda da graça
divina, nos dá forças para aceitar, sorrindo e de olhos postos em Deus, as
pequenas contrariedades e as grandes dores; aquele grande amor que nos dá
energia para sermos fiéis e persistir pacientemente na luta um dia após outro,
é o mesmo amor que acende na alma os grandes ideais e nos impele a realizá-los
com o maior ardor e prontidão de que a nossa inteligência e a nossa vontade
sejam capazes. A mesma paciência que aceita torna-se divinamente impaciente em
seus desejos de amar, de dar, de edificar.
Não precipita
atabalhoadamente as coisas, mas tem pressa, quer andar – como gostava de dizer Mons.
Escrivá – “ao passo de Deus”, ao ritmo das graças e das oportunidades que o
Senhor nos dá, sem nada perder, sem nada atrasar.
Por isso, não é incoerente
que um livro que começou por citar e glosar a frase “Tenha santa paciência”,
termine – com o favor de Deus – espicaçando o leitor a que se lance com brio a
dar o melhor de si mesmo e a cumprir com entusiasmo a missão que certamente
Deus lhe confiou, enquanto lhe diz, como despedida: “Tenha santa impaciência!”
FRANCISCO FAUS, [i]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998.
[2] Livro da Vida, 3ª. ed., Vozes,
Petrópolis, 1961, pág. 360.
[3] s. bernal, obra citada, pág. 416
[4] hildebrand, obra citada, págs. 202-203.
[i]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.
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