Art.
6 — Se é lícito a quem está sujeito à lei agir fora dos termos dela.
(IIª-IIªe,
q. 60, a. 5, ad 2, 3; q. 120, a. 1; q. 147, a. 4; III Sent., dist. XXXVII, a.
4; IV, dist. XV, q. 3, a. 2, q. 1, 2; V Ethic., lect. XVI).
O sexto discute-se assim. — Parece que
não é lícito a quem está sujeito à lei agir fora dos termos dela.
1. — Pois, diz Agostinho: Embora os
homens julguem as leis temporais, quando as estabelecem, contudo uma vez
instituídas e firmadas já não é lícito julgá-las, mas deve julgar-se de acordo
com elas. Ora, quem omitir palavras da lei, dizendo conservar a intenção do
legislador, julga a lei. Logo, não é lícito a quem está sujeito à lei
omitir-lhe palavras, para conservar a intenção do legislador.
2. Demais. — Só pode interpretar as
leis quem as pode fazer. Ora, a nenhum dos submetidos à lei é lícito fazê-las.
Logo, não podem interpretar a intenção do legislador, mas devem agir sempre
conforme às palavras da lei.
3. Demais. — Todo o sapiente sabe
explicar verbalmente as suas intenções. Ora, devem-se considerar sapientes os
que estabeleceram leis; pois, diz a Sabedoria: Por mim reinam os reis e por mim
decretam os legisladores o que é justo. Logo, não se deve julgar da intenção do
legislador senão pelas palavras da lei.
Mas, em contrário, diz Hilário: A
inteligência das palavras deve fundar-se nas causas que as levaram a ser
proferidas; pois, não é a realidade que deve depender da palavra, mas esta,
daquela. Logo, devemos atender, antes à causa que moveu o legislador, do que às
palavras mesmas da lei.
Como já se disse (a. 4),
toda lei se ordena ao bem comum dos homens, e nessa medida é que obtém força e
razão de lei; e na medida em que assim não se ordene, nessa mesma não tem força
para obrigar. Por isso, o jurisconsulto diz: Nenhuma razão de direito ou equitativa
benignidade sofre, que as medidas salutares introduzidas para a conservação da
sociedade, nós as transformemos em severidades, interpretando-as duramente,
contra o que pede a comodidade humana. Acontece porém, muitas vezes, que uma
medida quase sempre útil a ser observada, para o bem comum, seja nociva, por
excepção, em algum caso particular. Donde, como o legislador não pode prever
todos os casos particulares, propõe a lei para os casos mais frequentes,
dirigindo a sua intenção para a utilidade comum. Portanto, se surgir um caso em
que seja danosa ao bem comum a observância de uma lei, esta não deve ser
observada. Assim, se for estabelecido que todas as portas de uma cidade sitiada
devam ficar fechadas, isso é útil para o bem comum, na maior parte dos casos.
Se porém acontecesse, que os inimigos perseguissem alguns cidadãos, pelos quais
a cidade é conservada, seria danosíssimo para ela se as portas se lhes não
abrissem. Donde, em tal caso, as portas deveriam abrir-se, contra a letra da
lei, para se conservar a utilidade comum, que o legislador tinha em vista.
Devemos porém considerar, que se a
observância da letra da lei não implicar um perigo súbito, a que é preciso
imediatamente obviar, não é lícito a quem quer que seja interpretar o que seja
útil ou inútil à cidade. Mas isso só pertence aos chefes, que, por causa de
tais casos, têm a autoridade para dispensar na lei. Se porém o perigo for
súbito e não sofra demora, de modo a se poder recorrer ao superior, a própria
necessidade traz consigo a dispensa, porque a necessidade não está sujeita à
lei.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Quem, em caso de necessidade, age fora da letra da lei, julga, não da lei,
mas de um caso particular, onde vê que se não deve observar a letra da lei.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Quem segue a
intenção do legislador não interpreta, absolutamente, falando, a lei. Mas assim
o faz, em caso em que seja manifesto, pela evidência do dano, que o legislador
tinha outra intenção. Se porém houver dúvida, deve agir segundo as palavras da
lei, ou consultar o superior.
RESPOSTA À TERCEIRA. — De nenhum homem
é tão grande a sabedoria a ponto de poder prever todos os casos particulares; e
portanto, ninguém poderá suficientemente exprimir, com palavras, o que convém
ao fim intencionado. E mesmo que o legislador pudesse prever todos os casos,
não deveria exprimi-los todos, para evitar confusão. Mas deve fazer a lei para
o que comummente se dá.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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