Tempo comum Semana XI
Evangelho: Mt 6, 1-6. 16-18
1 «Guardai-vos de fazer as
boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. De contrário
não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos céus.2
«Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem
os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em
verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.3 Mas, quando dás
esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita,4 para
que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te
pagará.5 «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam
de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos
pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.6
16 «Quando jejuais, não vos
mostreis tristes como os hipócritas que desfiguram o rosto para mostrar aos
homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.17
Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto,18 a
fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está
presente no oculto, e teu Pai, que vê no oculto, te dará a recompensa.
Comentário:
Algumas interpretações
deste trecho de São Mateus têm servido de ‘desculpa’ para que muitos cristãos
não cumpram as suas obrigações que o Baptismo os obriga.
‘Não vou à Missa porque
não sinto nada’!
‘Rezo mas é cá para mim…
ninguém tem nada com isso´!
‘Mortificações? Isso é
para os “consagrados”!’
Depois, quando chegar o
momento que, sabemos, virá quando menos o esperar-mos, ser-lhes-á perguntado do
exemplo que não deram, da assistência que não prestaram, da colaboração que não
deram à Igreja.
O que responderão?
A
PACIÊNCIA
…/7
DEMORAS, CANSAÇOS E
ARDORES
RAÍZES ILUMINADAS
Há cerca de dois anos,
chegou-me às mãos um recorte de jornal que me sensibilizou profundamente. A
autora do artigo, uma professora de uns trinta e poucos anos, evocava a memória
de seus pais, já falecidos, que tinham sido em tempos idos meus conhecidos. O
artigo foi escrito por ocasião da Beatificação do Fundador do Opus Dei e
continha uma dupla homenagem: ao Bem-aventurado Josemaría Escrivá e aos pais da
autora, que tinham sabido encarnar na vida do lar a espiritualidade aprendida
do Beato Josemaría.
O leitor há-de permitir-me
que introduza nestas páginas algumas citações desse artigo.
Maria Antônia – assim se
chama a professora – conta a redescoberta que fez da “alma” de seus pais
quando, depois de ambos terem falecido, remexia com carinho filial nos seus
escritos, cartas e apontamentos, e especialmente na correspondência que o pai
tinha mantido com Mons. Escrivá.
“Até que ambos tornaram a
reunir-se na vida eterna, havia muitos aspectos da vida interior deles que eu
só podia intuir – escreve a filha –. Captava-se a força do exemplo, a força da
vocação dos dois, mas, como é lógico, perdiam-se muitos matizes, que ficavam só
na intimidade deles.
Através de alguns excertos
da correspondência encontrada, aprendi algumas coisas que agora tento transmitir”.
Olhando para trás, Maria
Antônia evoca a progressiva descoberta que foi fazendo de muitas coisas
maravilhosas que teciam, por assim dizer, o ambiente de seu lar, e que hoje
percebia que não estavam lá por acaso nem por geração espontânea, mas como
fruto do espírito cristão, generosamente vivido e cultivado pelos pais, num
dia-a-dia amoroso, abnegado, paciente.
“Meus pais já eram do Opus
Dei naqueles duros anos 50 de Barcelona, quando eu ainda não tinha nascido. À
medida que fui tendo uso de razão e tornando-me mais consciente do que me rodeava,
julguei sempre que o ambiente reinante na minha família, a educação que
estávamos recebendo, e que tantas vezes tenho agradecido a Deus, fosse a normal
em todas as famílias. Com o decorrer dos anos, fui percebendo que nem de longe
era tão normal. Os princípios dessa educação eram bem claros: uma grande
liberdade, baseada no senso de responsabilidade inculcado desde crianças;
otimismo e alegria fundamentados claramente na fé, pois não faltaram
dificuldades e obstáculos em todo o caminho terreno de meus pais; uma sólida formação
na doutrina cristã, unida a um modo positivo de nos sugerir, sem impor,
detalhes de vida de oração, e uma profunda e arraigada devoção a Nossa Senhora,
a quem todos considerávamos e continuamos a considerar a especial intercessora
para os assuntos familiares. Ficou-me muito claro que um dos pilares básicos para
que esse ambiente familiar se mantivesse era o facto de que, em todos os
momentos, o exemplo de meus pais, os seus actos, iam na frente das palavras.
Passados os anos, percebi, sem que eles nada me dissessem, que aquilo era o
espírito do Opus Dei”...
A filha relembra comovida
as dificuldades financeiras por que a família numerosa passou, e os equilíbrios
que o pai era obrigado a fazer para conjugar aulas na Faculdade, onde era
professor, práticas de laboratório, trabalho em uma fábrica, preparação de um
concurso e ainda aulas particulares. E relata a emoção que sentiu quando,
folheando a correspondência paterna, descobriu que Mons. Escrivá tinha
transcrito, no ponto 986 do livro Sulco, palavras de uma carta de seu pai:
“Não irá rir, Padre, se
lhe disser que – faz uns dias – me surpreendi oferecendo ao Senhor, de uma maneira
espontânea, o sacrifício de tempo que supunha para mim ter de consertar um
brinquedo estragado de um dos meus filhos? – Não sorrio, fico feliz! Porque,
com esse mesmo amor, Deus se ocupa de recompor os nossos estragos”. “Tenho –
comenta a filha – recordações muito vivas dessas cenas: as bonecas descabeçadas
ou sem pernas, a peça que precisava ser colada..., tudo isso nós sabíamos que,
deixando-o na mesa do escritório de papai, tornaria a adquirir rapidamente a
sua forma original. Que pouco valorizávamos, naquela altura, o ato heróico que
podia significar para ele o fato de gastar dez ou quinze minutos! Mas como o
valorizava aquela alma a quem Deus, através do espírito do Opus Dei, lhe saía
ao encontro nesses pormenores minúsculos, mas grandiosos, por estarem cheios de
amor”.
“Mais de uma vez –
acrescenta a filha – tenho esclarecido em público que eu não seria o que hoje
sou, se não tivesse recebido a educação que meus pais me deram, se não tivesse
tido o seu exemplo em face de tantas contrariedades e situações difíceis –
entre elas a morte de dois filhos – por que Deus permitiu que passassem” [1]
Essa perspectiva de tantos
anos de entrega constante e amorosa dos pais iluminou aos olhos dessa mulher as
suas próprias raízes. Entendeu-se melhor a si mesma, projetando as suas lembranças
sobre o fundo luminoso da dedicação paciente, contínua, calada, carinhosa de seus
pais cristãos.
OS
FRUTOS DOURADOS DA PACIÊNCIA
Ao captar mais lucidamente
a riqueza do exemplo dos pais, Maria Antônia pôde compreender também uma
dimensão preciosa da virtude da paciência, de que agora vamos ocuparnos: a da
fidelidade persistente, que é feita de amor generoso e constante; uma paciência
que não se cansa do sacrifício, que não tem pressa em cobrar resultados, que
não desanima quando os esforços parecem baldados e os frutos ainda não se vêm.
Esta era a paciência que brilhava, com seu halo doce e envolvente, na
recordação dos pais.
Todos nós temos
experiência de quanto custa persistir nos esforços ou atitudes que exigem sacrifícios
continuados e não trazem compensações imediatas. Não é fácil lutar, manter-se
firme no empenho, e ver que tudo demora a realizar-se, a concluir-se, a chegar.
A nossa paciência é
testada sempre que temos de aguardar, esperar, voltar, tentar uma e outra vez:
desde a interminável espera num consultório dentário até o desgosto do casal de
namorados que precisa adiar de novo a data do casamento, porque não têm
condições de financiar o apartamento. Com razão diz Hildebrand que “a impaciência
se relaciona sempre com o tempo. [2]
Mas todo aquele que quiser
conseguir alguma coisa de real valor na vida, não terá outro remédio senão
armar-se de paciência e esperar. Demora-se, necessariamente, a ser um
profissional experiente; demora-se a amadurecer por dentro até corrigir pelo
menos alguns dos defeitos pessoais; demora-se a suavizar arestas no casamento
e, aos poucos, ir-se ajustando à base de mútuos perdões e sorridentes
renúncias; demora-se a criar um bom ambiente familiar; demora a vida inteira a
autêntica formação dos filhos.
“Aprendi a esperar – dizia
Mons. Escrivá –; não é pouca ciência”. Mas é importante termos muito presente
que esse “esperar” não significa “aguardar” passivamente. Consiste, como
estamos vendo, em persistir fiel e confiadamente no cumprimento da nossa
missão, do nosso dever – do dever religioso, moral, familiar, profissional...
–, durante todo o tempo que for preciso, com aquela convicção que animava Santa
Teresa: “A paciência tudo alcança”.
A essa paciente espera se
refere o Apóstolo São Tiago, quando nos põe diante dos olhos a imagem do
lavrador: Tende, pois, paciência, meus irmãos [...]. Vede o lavrador: ele
aguarda o precioso fruto da terra e tem paciência até receber a chuva do outono
e a da primavera. Tende também vós paciência e fortalecei os vossos corações
(Ti 5, 7-8).
Não é verdade que estas
palavras nos lembram muitas coisas pessoais? Os frutos dourados da vida só se
conseguem com uma luta constante, unida a uma paciência fiel. Mas quanto custa
seguir o conselho do
Apóstolo! Muitas vezes já fomos como aquela criança a quem a mãe tinha oferecido
uma planta que, com o tempo, iria dar flores. “Mas, quando os botões surgiram,
não sabíamos esperar que abrissem. Colaborávamos no seu desabrochar
triturando-as, separando talvez as pétalas, para que a floração fosse mais
rápida. Nódoas escuras apareciam então, e as flores estiolavam, murchavam...” [3]
Quantas coisas, na vida,
não estiolam por cansaços impacientes que nos levam a desistir! Na vida
familiar, os exemplos são gritantes. Talvez hoje seja mais necessário do que
nunca recordar aos casais que a felicidade que procuram, sem saber bem como
achá-la, nunca a conseguirão como fruto do egoísmo defendido de qualquer
incômodo, mas como fruto do amor fielmente paciente, do amor cristão. E da
mesma coisa deveriam lembrar-se todos os que começaram alguma vez, movidos por
um alegre impulso da graça, a esforçar-se decididamente por viver o ideal e as virtudes
cristãs. A maior ameaça contra esse bom propósito, mais do que nas fraquezas e
nas reincidências no erro, encontra-se no cansaço, na sensação de que “não adianta
continuar”, ou de que “custa demais conseguir”, ou seja, na falta de paciência
para ir avançando aos poucos, à força de começar e recomeçar.
Nós gostamos de que as
coisas nos sejam dadas logo. Deus sabe que as almas e as coisas precisam ter as
suas estações. Temos que aprender, por isso, a ser bons semeadores, que esperam
a colheita sem pressas inquietas e perseveram sem desânimos exaustos.
Semear é duro. É enterrar
o grão e nada ver. Isso exige fé e desprendimento. Eu dou a semente do meu
esforço, do meu empenho, do meu sacrifício, da minha oração, e espero,
vigilante, até que dê o seu fruto, enquanto continuo, solícito, a zelar pelo
campo: rego, limpo, podo, adubo, protejo... Só com essa paciência ativa é que
um dia virá o fruto: o fruto da fé, amadurecida a partir da persistência na
oração, nos sacramentos, na formação; o fruto dos valores cristãos finalmente arraigados
nos filhos; o fruto das virtudes pessoais que desabrocham e se firmam; os
frutos do apostolado.
Todos nós já exclamamos
mais de uma vez: “Que paciência!”, ao admirarmos obras humanas magníficas, que
só se explicam por uma longa aplicação, por um trabalho meticuloso, prolongado
e imensamente paciente. É assim que louvamos, por exemplo, os bordados delicadíssimos
e artísticos de uma enorme toalha de mesa feita à mão. É assim também que admiramos
o trabalho da vida inteira de um pesquisador, que foi coligindo,
exaustivamente, um incrível acervo de dados sobre uma matéria até então ainda
não estudada. – “Que paciência!”, dizemos. Pois bem, uma paciência igual, pelo
menos, e um esmero e uma tenacidade análogos, são os que Deus nos pede para
cultivarmos em nós e à nossa volta a vida e as virtudes cristãs.
A paciência produz a
virtude comprovada, diz São Paulo (Rom 5, 4). E São Tiago repisa o mesmo
ensinamento ao escrever: É preciso que a paciência efetue a sua obra, a fim de
serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma (Ti 1, 4). Pela vossa
paciência possuireis as vossas almas, havia já dito Jesus (Lc 21, 19).
É muito sugestivo o fato
de que, nesses três textos, como em tantos outros da Bíblia, a mesma palavra
que significa paciência inclua também o sentido de perseverança, de
persistência fiel.
(cont.)
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