Em seguida devemos tratar do sujeito
do pecado original. E nesta questão discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se o pecado original está
mais na carne que na alma.
Art. 2 — Se o pecado original está
mais na essência da alma que nas potências.
Art. 3 — Se o pecado original
contaminou mais a vontade que as outras faculdades.
Art. 4 — Se as referidas potências — a
geratriz, a potência concupiscível e o sentido do tacto, foram mais
contaminadas que as outras.
Art.
1 — Se o pecado original está mais na carne que na alma.
(II
Sent., dist. XVIII, q. 2, a. 1, ad. 3; dist. XXX, q. q, a. 2, ad 4; dist. XXXI,
q. 1, a. 1, ad 2, 4; dist. XXXIII, q. 1, a. 3, ad 4; De Malo, q. 4, a. 3).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que o pecado original está mais na carne que na alma.
1. — Pois, a repugnância da carne pela
a alma procede da corrupção do pecado original. Ora, a raiz dessa repugnância está
na carne, conforme o Apóstolo (Rm 7): sinto nos meus membros outra lei que
repugna à lei do meu espírito. Logo, o pecado original está principalmente na
carne.
2. Demais. — Tudo está mais na causa
que no efeito; assim o calor esta mais no fogo que aquece, do que na água
aquecida. Ora, a alma sofre a contaminação do pecado original, por meio do
sémen carnal. Logo, o pecado original está mais na carne que na alma.
3. Demais. — Contraímos o pecado
original do primeiro pai, porque preexistimos nele pelo gérmen seminal. Ora,
não preexistimos nele pela alma, mas só pela carne. Logo, o pecado original não
está na alma, mas na carne.
4. Demais. — A alma racional criada
por Deus é infundida no corpo. Se portanto, a alma fosse contaminada pelo
pecado original, sê-lo-ia desde a sua criação ou infusão. E assim, Deus, causa
da criação e da infusão, seria também a causa do pecado.
5. Demais. — Ninguém que tenha
sabedoria iria despejar um licor precioso num vaso, do qual sabe que o
contaminará. Se portanto a alma, pela sua união com o corpo, pudesse contaminar-se
com a mácula da culpa original, Deus, que é a própria sabedoria, nunca haveria
de infundi-la em tal corpo. Ora, se a infunde, é que ela não fica maculada pela
carne. Portanto, o pecado original não está na alma, mas na carne.
Mas, em contrário, o sujeito de uma
virtude e de um vício ou pecado, é o mesmo que o da virtude ou vício
contrários. Ora, a carne não pode ser sujeito da virtude, pois, como diz o
Apóstolo (Rm 7), eu sei que em mim, quero dizer, na minha carne, não habita o
bem. Logo, a carne não pode ser o sujeito do pecado original, mas só a alma.
SOLUÇÃO. — Uma coisa pode estar noutra
de dois modos: como na causa, principal ou instrumental, ou como no sujeito. Donde,
o pecado original de todos os homens preexistiu por certo, em Adão, como na
causa primeira principal, conforme o Apóstolo (Rm 5): no qual todos pecaram.
Por outro lado, o pecado original preexistia no sémen do corpo, como na causa
instrumental, porque é pela virtude activa do sémen que ele se transmite à
prole simultaneamente com a natureza humana. Mas, o pecado original não pode
ter de nenhum modo a carne como sujeito, mas só a alma.
E a razão é que, como já dissemos,
pela vontade do primeiro pai, o pecado original se transmitiu aos descendentes,
por via de geração, assim como da vontade de um homem o pecado actual deriva
para as outras partes. E nesta derivação notamos o seguinte. Tudo o redundante
da moção da vontade, de pecar, para qualquer parte do homem, de algum modo
participante do pecado, seja, como sujeito, seja, como instrumento, tudo isso
implica essencialmente a culpa. Assim, a vontade da gula faz o concupiscível
desejar o alimento, e leva as mãos e a boca a tomarem-no, que, enquanto movidas
pela vontade ao pecado, são instrumentos deste. Porém o ulterior redundante na
potência nutritiva, e nos membros interiores, de natureza a não serem movidos
pela vontade, não implica a culpa essencialmente.
Assim pois, podendo a alma ser sujeito
da culpa, e a carne, em si mesma, não, toda a corrupção do primeiro pecado, que
atinge a alma, implica a culpa; o que porém não a atinge implica, não culpa,
mas a pena. Portanto, a alma, e não a carne, é o sujeito do pecado original.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Agostinho, o Apóstolo refere-se no lugar citado ao homem já
redimido, libertado da culpa, mas sujeito à pena, e por isso diz que o pecado
habita na carne. Mas daqui se não segue seja a carne sujeito da culpa, mas só
da pena.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado
original tem no sémen a sua causa instrumental. Ora, não é necessário que o
existente na causa instrumental exista nesta mais principalmente que no efeito,
senão só na causa principal. E deste modo o pecado original existiu mais principalmente
em Adão, em quem existiu como pecado actual.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma de um
homem qualquer não preexistiu, seminalmente em Adão pecador, como no seu
princípio efectivo, mas como no princípio dispositivo. Porque o sémen corpóreo,
transmitido por Adão, não tem a virtude de produzir a alma racional, mas, só a
de dispô-la.
RESPOSTA À QUARTA. — A mácula do pecado
original de nenhum modo foi causada por Deus, mas só pelo pecado do primeiro
pai, mediante a geração carnal. Logo, a criação, implicando relação da alma só
com Deus, não se pode dizer que fosse maculada por ela. A infusão porém implica
relação com Deus, que infunde, e com a carne, na qual é a alma infundida. Logo,
considerada a relação com Deus, que infunde, não se pode dizer que pela infusão
a alma seja maculada, mas só levando-se em conta a relação com o corpo em que é
infundida.
RESPOSTA À QUINTA. — O bem comum tem
preferência sobre o particular. Por isso, Deus, em conformidade com a sua
sabedoria, não derroga para evitar o contágio particular de uma alma, a ordem
universal das coisas, que exige ser infundida em tal corpo. Sobretudo por ser
da natureza da alma não começar a existir senão unida ao corpo, como se
demonstrou na Primeira Parte. Pois, é-lhe melhor a ela assim existir, segundo a
natureza, do que não existir de nenhum modo; sobretudo por poder, pela graça,
livrar-se da condenação.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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