Em seguida devemos tratar da causa do
pecado por parte do homem. Pois, como um homem é causa do pecado de outrem,
sugerindo-o, como o diabo, externamente, ele causa o pecado alheio, de maneira
especial, quanto à sua origem. Donde, devemos tratar do pecado original. E,
neste ponto, três questões ocorrem à consideração. Primeira, da transmissão do
pecado original. Segunda, da sua essência. Terceira, do seu sujeito.
Na primeira questão discutem-se cinco
artigos:
Art. 1 — Se o primeiro pecado do
primeiro pai se transmitiu aos descendentes pela geração.
Art. 2 — Se também os outros pecados,
quer do primeiro pai, quer dos pais imediatos, se transmitem aos descendentes.
Art. 3 — Se o pecado do primeiro pai
se transmitiu, pela geração, a todos os homens.
Art. 4 — Se quem fosse milagrosamente
formado de carne humana, contrairia o pecado original.
Art. 5 — Adão não tendo pecado, se os
filhos de Adão e Eva contrairiam o pecado original, se só ela tivesse pecado.
Art.
1 — Se o primeiro pecado do primeiro pai se transmitiu aos descendentes pela
geração.
(II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 2;
dist. XXXI, q. 1. a. 1; IV Cont. Gent., cap. L, LI, LII; De Malo, q. 4, a. 1;
Compend. Theol., cap. CXCVI; Ad Rom., cap. V, lect. III).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que o primeiro pecado do primeiro pai não se transmitiu aos descendentes pela
geração.
1. — Pois, diz a Escritura (Ez 18): o
filho não carregará com a iniquidade do pai. Ora, carregaria, se dele a
recebesse. Logo, ninguém herda, pela geração, o pecado de nenhum dos pais.
2. Demais. — O acidente não se
transmite pela geração, sem a transmissão do sujeito, porque o acidente não
passa de um sujeito para outro. Ora, a alma racional, sujeito da culpa, não se
transmite pela geração, como já se demonstrou na primeira parte. Logo, também
nenhuma outra culpa se pode transmitir por ela.
3. Demais. — Tudo quanto se transmite
pela geração humana é causada pelo sémen. Ora, o sémen não pode causar o
pecado, por lhe faltar a parte racional da alma, causa única deste. Logo, não
podemos herdar nenhum pecado pela geração.
4. Demais. — O que é de natureza mais
perfeita age mais intensamente. Ora, a carne perfeita não pode macular a alma,
que lhe está unida; de contrário esta, enquanto unida àquela, não poderia
purificar-se da culpa original. Logo, com maior razão, o sémen não pode macular
a alma.
5. Demais. — O Filósofo diz: ninguém
critica os defeituosos de nascença, mas, os que o são por desídia e
negligência. Ora, chamam-se defeituosos de nascença os que tem um defeito de origem.
Logo, pela origem, nada é susceptível e críticas, nem é pecado.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Rm
5): por um homem entrou o pecado neste mundo. O que não se pode entender a modo
de imitação, pois diz ainda a Escritura (Sb 2): por inveja do diabo entrou no
mundo a morte. Logo, só pela geração do primeiro homem entrou o pecado no
mundo.
A fé católica leva-nos a
admitir que o primeiro pecado do primeiro homem se transmitiu pela geração, aos
descendentes. E por isso as crianças recém-nascidas são conduzidas ao baptismo,
como que para se lavarem da mácula da culpa. O contrário é heresia pelagiana,
conforme Agostinho o mostra em muitos dos seus livros.
Diversas são porém as vias seguidas
para se investigar como o pecado do primeiro pai se pode transmitir aos
descendentes. — Assim alguns, considerando ser o sujeito do pecado a alma
racional, concluíram que, transmitindo-se ela pelo sémen, de uma alma maculada
há-de derivar outra maculada. — Outros, porém, repudiando esta opinião como
errónea, esforçam-se por mostrar como a culpa da alma do pai se transmite à
prole, mesmo se a alma não se transmite, porque à prole passam os defeitos
corpóreos paternos. Assim, um leproso gera outro leproso, um gotoso, outro
gotoso, por uma certa corrupção do sémen, embora essa corrupção não seja
denominada lepra ou gota. Ora, como o corpo é proporcionado à alma, e o defeito
desta redunde naquele, e inversamente, assim também, dizem, o defeito culposo
da alma deriva para a prole, com a transmissão do sémen, embora este não seja actualmente
sujeito da culpa.
Mas, todas estas explicações são
insuficientes. Pois, concedamos que certos defeitos corpóreos se transmitam
pela geração, dos pais para a prole. E que também certos defeitos da alma sejam
consequência de uma indisposição do corpo, como quando de fátuos nascem fátuos.
Apesar disto, porém, o defeito de nascença exclui a essência da culpa — a ser
voluntária. Donde, ainda admitindo que a alma racional se transmita, por isso
mesmo que a mácula da alma do descendente não lhe depende da vontade, não
existe a essência da culpa, que provoca a pena. Pois, como diz o Filósofo:
ninguém acusará a um cego de nascença, mas antes, todos se compadecerão dele.
E, portanto, devemos proceder por
outra via e dizer, que os homens nascidos de Adão podem considerar-se como um
só homem, por terem a mesma natureza herdada do primeiro pai. Assim também, na
ordem civil, todos os homens da mesma comunidade se consideram como quase um só
corpo, e toda a comunidade, como quase um homem. E também diz Porfírio: pela
participação da espécie, muitos homens constituem um só homem. Donde, os homens
nascidos de Adão constituem como que muitos membros de um só corpo. Ora, o aco
de um membro corpóreo, p. ex., da mão, é voluntário, não por vontade dela
própria, mas por vontade da alma, primeiro motor dos membros. Por isso o
homicídio que a mão cometer não se lhe imputará como pecado, se a considerarmos
em si mesma, separada do corpo; mas, se lhe imputa, enquanto parte do homem,
movida pelo primeiro princípio motor deste. Assim pois, a desordem existente
num determinado homem, gerado de Adão, não é voluntária, por vontade daquele,
mas pela deste, que move, pela moção da geração, todos os que dele receberam a
origem, assim como a vontade da alma move a agirem todos os membros do corpo. Donde,
o pecado assim originado do primeiro pai, para a sua descendência, chama-se
original, do mesmo modo que derivado da alma para os membros do corpo, se chama
actual. E assim como este, cometido por um membro, não é pecado desse membro,
senão enquanto parte do homem, sendo por isso chamado pecado humano; assim
também o pecado original não é pecado de uma determinada pessoa, senão na
medida em que esta recebeu a natureza do primeiro pai, sendo por isso chamado pecado
da natureza, conforme a Escritura (Ef 2): éramos por natureza filhos da ira.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Diz-se que o filho não carrega com o pecado do pai por não ser por causa
deste, castigado, salvo se lhe participa da culpa. Ora, tal se dá na questão
vertente: pela geração passa a culpa do pai para o filho, assim como, pela
imitação, se transmite o pecado actual.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora a alma
racional não se transmute, por não poder o sémen causá-la, este predispõe
contudo para ela. Donde, pela virtude seminal, a natureza humana passa do pai
para a prole e, simultaneamente com a natureza, a sua deficiência. Por isso,
quem nasce é consorte do primeiro pai na culpa, por ter recebido dele a
natureza, por via da geração.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora a culpa
não exista actualmente no sémen, nele existe contudo virtualmente a natureza
humana, contaminada por aquela.
RESPOSTA À QUARTA. — O sémen é o princípio
da geração, o acto próprio da natureza, a cuja propagação ele serve. Por isso a
alma se macula, mais pelo sémen, do que pela carne já perfeita e já
particularizada numa certa pessoa.
RESPOSTA À QUINTA. — O que é de
nascença não é susceptível de acusação, se considerarmos, em si, quem assim
nasceu. Considerado porém como referido a algum princípio, pode sê-lo. Assim,
quem nasce sofre a ignomínia da raça, causada pela culpa de algum progenitor.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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