06/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 51

Questão 80: Da causa do pecado por parte do diabo.

Art. 3 — Se o diabo pode que tenhamos necessidade de pecar.

(De Malo, q. 3 a. 3, ad 9).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o diabo pode que tenhamos necessidade de pecar.

1. — Pois, o poder maior pode impor necessidade ao menor. Ora, a Escritura diz, do diabo (Job 41): Não há poder sobre a terra que se lhe possa comparar. Logo, o homem terreno pode necessitar pecar.

2. Demais. — A nossa razão não pode mover-se senão pelos objectos externos propostos aos sentidos e apresentados à imaginação. Pois, todo o nosso conhecimento tem a sua origem nos sentidos e não podemos inteligir sem o fantasma, como diz Aristóteles. Ora, o diabo pode mover-nos a imaginação, como já se disse, e também os sentidos externos. Pois, no dizer de Agostinho, o mal, suscitado pelo diabo serpeia por todos os acessos sensíveis, corporifica-se em figuras, acomoda-se às cores, adere aos sons, infunde-se nos sabores. Logo, pode inclinar-nos necessariamente a razão a pecar.

3. Demais. — Segundo Agostinho, não há nenhum pecado no desejo da carne contra o espírito. Ora, o diabo pode causar a concupiscência da carne, bem como as demais paixões, do modo como que já foi dito. Logo, pode induzir, como necessidade, pecar.

Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Pd): O diabo, vosso adversário, anda ao derredor de vós, como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar. Ora, seria inútil essa advertência, se sucumbíssemos necessariamente à tentação diabólica. Logo, o diabo não pode fazer que o homem tenha necessidade de pecar

O diabo, por virtude própria e se não for refreado por Deus, pode induzir-nos necessariamente a praticar actos genericamente pecaminosos; mas não pode impor-nos a necessidade de pecar. E isso prova-se por não podermos resistir ao motivo de pecar senão pela razão. E do uso desta podemos ficar totalmente privados pela moção imaginativa e do apetite sensitivo, como se dá com os processos. Mas, então, desde que estamos privados da razão, não se nos imputa por pecado nenhum acto que pratiquemos. Se porém, não ficarmos totalmente privados da razão, pela parte dela que conservamos livre podemos resistir ao pecado, como já dissemos. Donde é manifesto, que o diabo de nenhum modo pode impor ao homem a necessidade de pecar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Nem todo poder superior ao homem pode mover-lhe a vontade mas, só o de Deus, como já demonstramos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O objecto apreendido pelo sentido ou pela imaginação não move necessariamente a vontade, se conservamos o uso da razão, de que nem sempre nos priva a referida apreensão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A concupiscência da carne, contrária ao espírito, não é pecado, quando a razão lhe actualmente resiste; mas ao contrário, é ocasião de exercitarmos a virtude. Ora, não está no poder do diabo privar a razão do seu poder de resistir. Logo, não pode impor a necessidade do pecado.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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