04/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 49

Questão 80: Da causa do pecado por parte do diabo.

Em seguida devemos tratar da causa do pecado por parte do diabo. E sobre esta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se o diabo é causa directa de o homem pecar.
Art. 2 — Se o diabo pode induzir ao pecado instigando interiormente.
Art. 3 — Se o diabo pode que tenhamos necessidade de pecar.
Art. 4 — Se todos os pecados vêm da sugestão do diabo.

Art. 1 — Se o diabo é causa directa de o homem pecar.

(Supra, q. 75, a. 3; De Malo, q. 3, a. 3).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o diabo é causa directa de o homem pecar.

1. — Pois, o pecado consiste directamente num afecto. Ora, Agostinho diz que o diabo inspira afectos malignos aos da sua sociedade. E Beda: o diabo arrasta a alma para o afecto maligno. E Isidoro: o diabo enche o coração dos homens de concupiscências ocultas. Logo, é causa directa do pecado.

2. Demais. — Jerónimo diz, que assim como Deus é o autor perfeito do bem, assim o é o demónio, do mal. Ora, Deus é a causa directa dos nossos bens. Logo, o diabo é directamente a causa dos nossos pecados.

3. Demais. — O Filósofo diz, que há um princípio extrínseco necessário do conselho humano. Ora, este tem por objecto, não só o bem, mas ainda o mal. Logo, como Deus move para o bom conselho, e por aí é directamente a causa do bem; assim o diabo, para o conselho mau, sendo então causa directa do pecado.

Mas, em contrário, Agostinho prova que nenhuma outra causa leva o coração humano a fazer-se escravo da sensualidade, senão a vontade própria. Ora, só o pecado torna o homem escravo da sensualidade. Logo, a causa do pecado não pode ser o diabo, mas só a vontade própria.

O pecado é um acto. Por isso a causa directa do pecado poderá sê-la também de sermos a causa directa de um acto. E isto não se pode dar senão pelo princípio próprio desse acto que leva a agir. Ora, o princípio próprio do acto pecaminoso é a vontade, pois todo pecado é voluntário. Logo, só o que pode levar a vontade a agir pode ser causa directa do pecado.

Mas, como já se disse, a vontade é susceptível de dupla moção. Uma, provocada pelo objecto; assim, dizemos que o objecto desejado e apreendido move o apetite. Outra, inclinando interiormente a vontade a querer, e isso só pode ser ou ela própria ou Deus, como já demonstramos. Ora, Deus não pode ser causa do pecado, como também já demonstramos. Resta, portanto, por este lado, só a vontade do homem como causa directa do seu pecado.

No concernente ao objecto porém, podemos admitir que ele mova a vontade de três modos. Primeiro, pela própria proposição do objecto; assim, dizemos que a comida excita o desejo do homem a comer. Segundo, por meio do oferente ou proponente. Terceiro, persuadindo o proponente, que o objecto realiza a ideia de bem; pois, esse, de certo modo, propõe à vontade o seu objecto próprio, que é o bem racional, verdadeiro ou aparente. Donde, do primeiro modo, as coisas sensíveis, manifestadas exteriormente, movem a vontade do homem a pecar. Do segundo e do terceiro modos, o diabo, ou mesmo qualquer pessoa, pode incitar ao pecado, quer oferecendo algum objecto desejável ao sentido, quer persuadindo a razão. Mas nenhum destes três modos pode constituir causa directa do pecado, porque a vontade não se move necessariamente por nenhum objecto, salvo o fim último, como já se disse. Logo, não é causa suficiente do pecado nem o objecto exteriormente oferecido, nem aquele que o propõe, nem o que persuade. Donde se colhe que o diabo não é causa directa e suficiente do pecado, mas só a modo de quem persuade ou propõe o objecto apetecido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Todos os autores citados, e ainda outros que pensam semelhantemente, referem-se ao diabo quando, sugerindo ou propondo certos objectos desejáveis, desperta o afecto pelo pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A comparação aduzida funda-se em que o diabo é de certo modo causa dos nossos pecados, como Deus é, de outro, causa de nossos bens. Não se refere porém ao modo de causar, porque Deus causa os bens, movendo interiormente a vontade, o que o diabo não pode fazer.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus é o princípio universal de todo movimento humano interior. Mas, a vontade humana decide-se pelo mau conselho, ou directamente e por si mesma, ou pelo diabo, quando este persuade ou propõe um objecto desejável.
Revisão da versão portuguesa por ama

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