Em seguida devemos tratar da causa do
pecado por parte do diabo. E sobre esta questão discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se o diabo é causa directa de
o homem pecar.
Art. 2 — Se o diabo pode induzir ao
pecado instigando interiormente.
Art. 3 — Se o diabo pode que tenhamos necessidade
de pecar.
Art. 4 — Se todos os pecados vêm da
sugestão do diabo.
Art.
1 — Se o diabo é causa directa de o homem pecar.
(Supra, q. 75, a. 3; De Malo, q. 3, a.
3).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que o diabo é causa directa de o homem pecar.
1. — Pois, o pecado consiste directamente
num afecto. Ora, Agostinho diz que o diabo inspira afectos malignos aos da sua
sociedade. E Beda: o diabo arrasta a alma para o afecto maligno. E Isidoro: o
diabo enche o coração dos homens de concupiscências ocultas. Logo, é causa directa
do pecado.
2. Demais. — Jerónimo diz, que assim
como Deus é o autor perfeito do bem, assim o é o demónio, do mal. Ora, Deus é a
causa directa dos nossos bens. Logo, o diabo é directamente a causa dos nossos
pecados.
3. Demais. — O Filósofo diz, que há um
princípio extrínseco necessário do conselho humano. Ora, este tem por objecto,
não só o bem, mas ainda o mal. Logo, como Deus move para o bom conselho, e por
aí é directamente a causa do bem; assim o diabo, para o conselho mau, sendo
então causa directa do pecado.
Mas, em contrário, Agostinho prova que
nenhuma outra causa leva o coração humano a fazer-se escravo da sensualidade,
senão a vontade própria. Ora, só o pecado torna o homem escravo da
sensualidade. Logo, a causa do pecado não pode ser o diabo, mas só a vontade
própria.
O pecado é um acto. Por
isso a causa directa do pecado poderá sê-la também de sermos a causa directa de
um acto. E isto não se pode dar senão pelo princípio próprio desse acto que
leva a agir. Ora, o princípio próprio do acto pecaminoso é a vontade, pois todo
pecado é voluntário. Logo, só o que pode levar a vontade a agir pode ser causa
directa do pecado.
Mas, como já se disse, a vontade é
susceptível de dupla moção. Uma, provocada pelo objecto; assim, dizemos que o
objecto desejado e apreendido move o apetite. Outra, inclinando interiormente a
vontade a querer, e isso só pode ser ou ela própria ou Deus, como já demonstramos.
Ora, Deus não pode ser causa do pecado, como também já demonstramos. Resta,
portanto, por este lado, só a vontade do homem como causa directa do seu
pecado.
No concernente ao objecto porém,
podemos admitir que ele mova a vontade de três modos. Primeiro, pela própria proposição
do objecto; assim, dizemos que a comida excita o desejo do homem a comer.
Segundo, por meio do oferente ou proponente. Terceiro, persuadindo o
proponente, que o objecto realiza a ideia de bem; pois, esse, de certo modo,
propõe à vontade o seu objecto próprio, que é o bem racional, verdadeiro ou
aparente. Donde, do primeiro modo, as coisas sensíveis, manifestadas
exteriormente, movem a vontade do homem a pecar. Do segundo e do terceiro
modos, o diabo, ou mesmo qualquer pessoa, pode incitar ao pecado, quer
oferecendo algum objecto desejável ao sentido, quer persuadindo a razão. Mas
nenhum destes três modos pode constituir causa directa do pecado, porque a vontade
não se move necessariamente por nenhum objecto, salvo o fim último, como já se
disse. Logo, não é causa suficiente do pecado nem o objecto exteriormente
oferecido, nem aquele que o propõe, nem o que persuade. Donde se colhe que o
diabo não é causa directa e suficiente do pecado, mas só a modo de quem
persuade ou propõe o objecto apetecido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Todos os autores citados, e ainda outros que pensam semelhantemente, referem-se
ao diabo quando, sugerindo ou propondo certos objectos desejáveis, desperta o
afecto pelo pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A comparação
aduzida funda-se em que o diabo é de certo modo causa dos nossos pecados, como
Deus é, de outro, causa de nossos bens. Não se refere porém ao modo de causar,
porque Deus causa os bens, movendo interiormente a vontade, o que o diabo não
pode fazer.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus é o princípio
universal de todo movimento humano interior. Mas, a vontade humana decide-se pelo
mau conselho, ou directamente e por si mesma, ou pelo diabo, quando este
persuade ou propõe um objecto desejável.
Revisão da versão portuguesa por ama
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