Em
seguida devemos tratar das causas exteriores do pecado. E primeiro por parte de
Deus. Segundo, por parte do diabo. Terceiro, por parte do homem.
Sobre
a primeira questão, discutem-se quatro artigos:
Art.
1 — Se Deus é causa do pecado.
Art.
2 — Se Deus é causa do acto pecaminoso.
Art.
3 — Se Deus é causa da obcecação e do endurecimento.
Art.
4 — Se a obcecação e o endurecimento se ordenam sempre à salvação do obcecado e
endurecido
Art. 1 — Se Deus é causa
do pecado.
(I, q. 48, a. 6; q. 49, a. 2;
IIª IIae, q, a, 2, ad 2; II Sent., dist. XXXIV, a. 3; dist. XXXVII, q. 2, a. 1;
III Cont. Gent., cap. CLXII; De Malo, q. 3, a. 1; Ad Rom., cap.
1, lect. VII).
O
primeiro discute-se assim. — Deus parece ser causa do pecado.
1.
— Pois, diz o Apóstolo (Rm 1): entregou-os Deus a um sentimento depravado, para
que fizessem coisas que não convêm. E a Glosa a a propósito: Deus obra nos
corações dos homens, inclinando-lhes a vontade para o que quer, seja para o
bem, seja para o mal. Ora, fazer o que não convém e inclinar a vontade para o
mal é pecado. Logo, Deus é causa de pecado do homem.
2.
Demais. — A Escritura diz (Sb 14): as criaturas de Deus transformaram-se em
objecto de abominação, e em motivo de tentação para as almas dos homens. Ora,
costuma chamar-se à tentação provocação ao pecado. E como as criaturas foram
feitas por Deus, como se demonstrou na Primeira Parte, parece ser Deus causa do
pecado, provocando o homem a pecar.
3.
Demais. — Toda causa da causa o é também do efeito. Ora, Deus é a causa do
livre arbítrio, causa do pecado. Logo, é também a causa deste último.
4.
Demais. — Todo mal se opõe ao bem. Ora, não repugna à bondade divina que seja
Deus a causa do mal da pena. Pois, deste mal diz a Escritura (Is 45), que Deus
é quem cria o mal; e ainda pergunta (Am 3): Se acontecerá algum mal na cidade,
que Deus não fizesse. Logo, também à bondade divina não repugna que Deus seja causa
da culpa.
Mas,
em contrário. — A Escritura diz (Sb 11): não aborreces nada de quanto fizeste.
Ora, Deus odeia o pecado segundo a mesma Escritura. E Deus igualmente aborrece
ao ímpio e à sua impiedade. Logo, Deus não é causa do pecado.
O homem é causa do pecado de dois modos, seu ou de outrem. Directamente,
inclinando a pecar a sua vontade ou a de outrem. Indirectamente, não impedindo
outros de pecarem. Por isso na Escritura se diz ao Profeta (Ez 3): Se não
disseres ao ímpio, morrerás na tua iniquidade, eu requererei da tua mão o seu
sangue.
Deus,
porém não pode ser directamente causa do pecado, nem seu nem de outrem. Pois
todo pecado implica afastamento da ordem existente em Deus como no fim. Ora,
Deus inclina todas as coisas e fá-las convergir para si, como para o último
fim, no dizer de Dionísio. Portanto, é impossível seja, para si ou para outrem,
causa de afastamento da ordem, dele próprio dependente. Logo, não pode ser directamente
causa do pecado.
Mas
e do mesmo modo, nem indirectamente. Pois, pode não conceder a alguns o auxílio
para evitarem o pecado, que não cometeriam se o concedesse. Mas tudo isso o faz
segundo a ordem da sua sabedoria e justiça, pois, ele próprio é justiça e
sabedoria. Donde, não se lhe pode imputar a causalidade do pecado de outrem,
assim como não atribuímos a um piloto ser a causa da submersão do navio, por
não o ter dirigido, salvo se lhe abandonou a direcção, podendo e devendo
dirigi-lo.
Portanto
é claro, que Deus não é de nenhum modo causa do pecado.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O próprio texto do Apóstolo resolve a objecção.
Porque, se Deus abandona alguns ao seu senso réprobo, é por já eles o terem,
esse tal senso, para fazer o que não devem. Ora, dizemos que Deus assim os
abandona, para não osimpedir de seguirem o seu senso réprobo, como dizemos que
expomos os que não defendemos. E o sentido da expressão de Agostinho, donde foi
tirada a Glosa — Deus inclina as vontades dos homens para o bem e para o mal —
é que ele inclina a vontade directamente para o bem, e para o mal, enquanto não
o impede, como já se disse. Contudo isto não se dá em razão do pecado
precedente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Na frase — As criaturas de Deus transformaram-se em objecto de
abominação, e em motivo de tentação para as almas dos homens — a preposição em
não é usada causal, mas consecutivamente. Pois Deus não fez as criaturas para o
mal dos homens, mas, pela insipiência deles é que tal se deu. E por isso se
acrescenta: e em laço para os pés dos insensatos, isto é, dos que incipientemente
usam das criaturas para um fim diferente daquele para que foram feitas.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O efeito procedente da causa média, enquanto sujeita à influência
da causa primeira, também depende desta. Mas se proceder da causa média,
enquanto esta escapa à ordem da causa primeira, não depende da última. Assim, o
acto de um ministro, contra a ordem do chefe, não se imputa a este, como à causa.
E semelhantemente, o pecado que livremente cometemos contra o preceito de Deus
não se atribui a Deus como à causa.
RESPOSTA
À QUARTA. — A pena opõe-se ao bem do punido, privando-o assim de algum bem. Ao
passo que a culpa opõe-se ao bem da ordem, que é Deus, e portanto vai directamente
contra a bondade divina. E por isso culpa e pena não têm o mesmo fundamento.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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