Em
seguida devemos tratar da causa do pecado, por parte da vontade, chamada
malícia.
E
sobre esta questão, discutem-se quatro artigos:
Art.
1 — Se se pode pecar de propósito ou por malícia intencional.
Art.
2 — Se todo o que peca por hábito peca por malícia intencional.
Art.
3 — Se quem peca por malícia intencional peca por hábito.
Art.
4 — Se quem peca por malícia intencional peca mais gravemente que quem peca por
paixão.
Art. 1 — Se se pode pecar
de propósito ou por malícia intencional.
(II Sent., dist.
XLIII, a. 1; De Malo, q. 2, a. 8, ad 4; 1. 3,
a. 12; a. 14, ad 7, 8).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que ninguém peca de propósito ou por
malícia intencional.
1.
— Pois, a ignorância opõe-se ao propósito ou à malícia intencional. Ora, todo
mal é ignorante, segundo o Filósofo, e a Escritura (Pr 14): Os que obram mal,
erram. Logo, ninguém peca por malícia intencional.
2.
Demais. — Dionísio diz que ninguém obra mal intencionalmente. Ora, pecar por
malícia é praticar o mal intencionalmente, pois, o contrário à nossa intenção é
acidental e não pode classificar um acto. Logo, ninguém peca por malícia.
3.
Demais. — A malícia em si mesma é pecado. Se pois fosse causa de pecado,
seguir-se-ia que um pecado é causa de outro, ao infinito, o que é inadmissível.
Logo, ninguém peca por malícia.
Mas
em contrário: Os que como de propósito se apartaram de Deus, e não quiseram
compreender todos os seus caminhos. Ora, apartar-se de Deus é pecar. Logo, alguns
pecam de propósito ou por malícia intencional.
O homem, como qualquer outro ser, deseja naturalmente o bem. E só pela
corrupção ou desordem em algum de seus princípios pode o seu apetite
inclinar-se para o mal, e assim também pode haver pecado nos actos dos seres
naturais. Ora, os princípios dos actos humanos são o intelecto e o apetite,
tanto o racional, denominado vontade, como o sensitivo. Donde, pode haver
pecado nesses actos, por deficiência do intelecto, como quando pecamos por ignorâ,cia;
ou por deficiência do apetite sensitivo, como quando pecamos por paixão, ou
ainda por deficiência da vontade, sendo esta desordenada.
E
a vontade é desordenada quando mais ama o que é menos bom. Ora, preferirmos
sofrer detrimento no bem menos amado é proceder consequentemente, assim, quando
preferimos sofrer a amputação de um membro, mesmo cientemente, para
conservarmos a vida, que amamos mais. E deste modo se uma vontade desordenada
ama algum bem temporal — p. ex., as riquezas ou o prazer — mais do que a ordem
da razão ou da lei divina ou a caridade de Deus ou um bem semelhante, segue-se
que prefere sofrer detrimento em algum desses bens espirituais, para alcançar
um bem temporal. Pois, o mal não é outra coisa que a privação de algum bem. E
assim, pelo que acabamos de dizer, podemos conscientemente querer um mal
espiritual, que é, o mal absoluto, e nos priva do bem espiritual, para alcançarmos
um bem temporal. E portanto, pecamos intencionalmente ou de propósito, conscientemente
escolhendo o mal.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A ignorância, às vezes, exclui a ciência,
pela qual simplesmente sabemos que praticamos o mal, sendo por isso a causa do
pecado. Outras vezes, porém, exclui a ciência pela qual conhecemos actualmente
tal acto como mau, assim, quando pecamos por paixão. Outras vezes, ainda,
exclui a ciência pela qual sabemos não devermos praticar um determinado mal
para conseguirmos um bem, embora saibamos absolutamente ser isso um mal. E
assim dizemos que ignora quem peca intencionalmente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — O mal não pode ser buscado intencionalmente por ninguém, pode
sê-lo contudo para evitar outro mal ou conseguir outro bem, como dissemos. E em
tal caso, preferiríamos alcançar um bem, buscado intencionalmente, em si mesmo,
sem sofrermos detrimento em outro. Assim, o lascivo quereria fruir o prazer,
sem ofender a Deus, mas, propostos esses dois bens, prefere, pecando, incorrer
na ofensa de Deus, a privar-se do prazer.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A malícia, pela qual dizemos que alguém peca pode ser tomada como
a malícia habitual, pela qual o hábito é mau, denominado malícia, segundo o
Filósofo, assim como o bom é chamado virtude. E a esta luz, dizemos que peca
por malícia quem peca pela inclinação do hábito. — Mas também pode ser
considerada como a malícia actual. Quer seja denominada malícia a eleição do
mal, dizendo-se, nesse caso, que peca por malícia quem peca por tal eleição.
Quer seja chamada malícia alguma culpa precedente, da qual resulta outra subsequente,
assim quando alguém se rebela contra o bem de um irmão, por inveja. E então não
há identidade entre causa e efeito, mas um acto interior é causa de um acto
exterior, e um pecado, causa de outro. Não assim, contudo, ao infinito, pois
havemos de chegar a um primeiro pecado, não causado por outro anterior, como do
sobredito se colhe.
Revisão da tradução portuguesa por ama
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.