Questão 77: Da causa do
pecado por parte do apetite sensitivo: se a paixão da alma é causa do pecado.
Art. 7 ― Se a paixão isenta
totalmente do pecado.
(Infra a 8, ad 3
; De Malo, q. 3, a. 10 ; V Ethic., lect. XIII).
O
sétimo discute-se assim. ― Parece que a paixão isenta totalmente o pecado.
1.
― Pois, tudo o que causa o involuntário isenta totalmente do pecado. Ora, a
concupiscência da carne, que é uma paixão, causa o involuntário, conforme a
Escritura (Gl 5, 17): a carne deseja contra o espírito, para que não façais
todas as coisas que quereis. Logo, a paixão isenta totalmente do pecado.
2.
Demais. ― A paixão causa uma ignorância particular, como já se disse (a. 2).
Ora, a ignorância particular isenta totalmente do pecado, como já se
estabeleceu (q. 19, a. 6). Logo, a paixão também isenta totalmente dele.
3.
Demais. ― A enfermidade da alma é mais grave que a do corpo. Ora, esta isenta totalmente
do pecado, como bem o mostram os loucos. Logo, com maior razão, a paixão, que é
uma enfermidade do corpo.
Mas,
em contrário, o Apóstolo (Rm 7, 5), as denomina paixões dos pecados, só por os
causar, o que não faria se isentassem totalmente deles. Logo, as paixões não isentam
totalmente do pecado.
Um acto genericamente mau só é isento totalmente de pecado se foi totalmente
involuntário. Por onde, a paixão, que tornar totalmente involuntário o ato a
ela consecutivo, isenta totalmente do pecado, de contrário, não.
Sobre
isto duas coisas se devem ponderar. ― A primeira, que um acto é voluntário em
si mesmo, quando a vontade para ele é levada diretamente, ou na sua causa,
quando a vontade visa esta e não, o efeito, como o demonstra quem
voluntariamente se embriaga, ao qual se imputa como voluntário o que pratica no
estado de embriaguez. ― Em segundo lugar devemos ponderar, que um acto pode ser
considerado voluntário, directa ou indirectamente. Directamente, quando a
vontade é para ele levada, indirectamente, quando, podendo impedi-lo, não o
fez.
Mas
aqui devemos distinguir. Assim, a paixão é às vezes tão forte que priva
totalmente do uso da razão, como bem o mostram os enlouquecidos por amor ou
ira. E então, se essa paixão era a princípio voluntária, o acto é imputado como
pecado, pois, é voluntário na sua causa, como já o dissemos a respeito da
embriaguez. Se porém a causa não for voluntária, mas natural, como quando, p.
ex., alguém, por doença ou causa semelhante, se deixa dominar de uma paixão
tal, que priva totalmente do uso da razão, o acto torna-se absolutamente
involuntário e, por consequência, isenta totalmente do pecado. Outras vezes
porém a paixão não é tão forte que de todo impeça o uso da razão. E nesse caso
esta pode excluir a paixão, distraindo-se com outros pensamentos, ou impedir
que ela consiga o seu efeito, porque os membros não se activam senão com o
consentimento da razão, como já se disse (q 17, a. 9). Donde, tal paixão não isenta
totalmente do pecado.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O dito ― para que não façais todas as coisas
que quereis ― não deve ser referido ao que praticamos exteriormente, mas ao
movimento interior da concupiscência. Pois, preferíamos não desejar nunca o
mal, como é também interpretado pelo Apóstolo (Rm 7, 19): faço o mal que não quero.
Ou também pode ser referido à vontade precedente à paixão, como bem mostram os
incontinentes, quando, arrastados pela concupiscência, agem contra o seu
propósito.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A ignorância particular isenta totalmente quando é a ignorância da
circunstância, que não podemos conhecer, apesar de empregarmos a devida diligência.
Mas a paixão causa a ignorância do direito, num caso particular, por impedir a
aplicação da ciência comum a um acto particular, e essa paixão pode a razão repeli-la,
como já se disse.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A enfermidade do corpo é involuntária. Símile haveria se fosse
voluntária, como já dissemos a respeito da embriaguez, enfermidade corpórea.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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