Questão 77: Da causa do
pecado por parte do apetite sensitivo: se a paixão da alma é causa do pecado.
Art. 6 ― Se o pecado fica
atenuado pela paixão.
(Supra,
q. 24, a. 3 ; q. 73, ad 6 ; De Verit., q. 26, a. 7, ad I ; De Malo, q. 3, a 2 ;
V Ethic., lect. XIII).
O
sexto discute-se assim. ― Parece que o pecado não fica atenuado pela paixão.
1.
― Pois, o aumento da causa aumenta o efeito, assim, o cálido dissolve, o mais
cálido mais dissolve. Ora, a paixão é causa do pecado, como já se estabeleceu
(a. 5). Logo, quanto mais intensa a paixão, tanto maior o pecado. Portanto, ela
não o diminui, mas, aumenta-o.
2.
Demais. ― A paixão boa está para o mérito, assim como a má está para o pecado.
Ora, aquela aumenta o mérito, pois, tanto mais merecemos quanto maior for a
misericórdia com que socorremos os pobres. Logo, também a má paixão antes
agrava que atenua o pecado.
3.
Demais. ― Quanto mais intensa for a vontade de cometermos o pecado, tanto mais
grave será este considerado. Ora, a paixão, impulsora da vontade, fá-la cometer
mais veementemente o acto pecaminoso. Logo, a paixão agrava o pecado.
Mas,
em contrário. ― A própria paixão da concupiscência é a chamada tentação da
carne. Ora, quanto maior for a paixão que nos subjuga, tanto menos pecaremos,
como claramente o diz Agostinho 1. Logo, a paixão diminui o pecado.
O pecado consiste essencialmente num acto do livre arbítrio, a faculdade da
vontade e da razão. Ora, a paixão é um movimento do apetite sensitivo, e pode
ser antecedente e consequente ao livre arbítrio. Antecedente, quando a paixão
do apetite sensitivo arrasta ou inclina a razão ou a vontade, como já dissemos
(a. 1, 2; q. 9, a. 2; q. 10, a. 3). Consequente, quando o movimento das
faculdades superiores, pela sua veemência, redundam nas inferiores. Pois, a
vontade não pode mover-se intensamente para nada, sem provocar alguma paixão no
apetite sensitivo.
Se
portanto considerarmos a paixão precedente ao acto do pecado, por força ela o
diminuirá. Pois, um acto é pecaminoso na medida em que é voluntário e
dependente de nós. Ora, diz-se que alguma coisa depende de nós, pela razão e
pela vontade. Donde, quanto mais a razão e a vontade agem livremente, e não
pelo impulso da paixão, tanto mais a obra é voluntária e nossa. E deste modo a
paixão, diminuindo o voluntário, diminui o pecado. ― Por seu lado, a paixão consequente
não o diminui, mas ao contrário, aumenta-o, ou antes, é sinal da gravidade do
mesmo, por demonstrar a intensidade da vontade em querer o acto pecaminoso. E
assim e verdadeiramente quanto maior for a libidinosidade ou a concupiscência
com que pecarmos, tanto mais gravemente pecaremos.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A paixão é causa do pecado no atinente à
conversão. Pois, a gravidade do mesmo depende sobretudo da aversão, que, por
sua vez, resulta acidentalmente da conversão, i. é, contra a intenção do
pecador. Ora, não são as causas acidentais correlativamente aumentadas que
aumentam os efeitos, mas só as essenciais.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A paixão boa, consequente ao juízo da razão, aumenta o mérito. Se
porém o proceder, de modo a sermos levados a obrar bem, mais pela paixão que
por um juízo racional, então a paixão diminui a bondade do acto e o louvor que
lhe é devido.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Embora o movimento da vontade seja mais intenso quando provocado
pela paixão, não é contudo tão próprio da vontade como quando, dirigido só pela
razão, conduz ao pecado.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
1.
XIV De civit. Dei, cap. XII.
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