Em
seguida devemos tratar das causas do pecado em especial. Primeiro, das causas
interiores, em especial. Segundo, das exteriores. Terceiro, dos pecados que são
causas de outros.
Ora,
a primeira consideração, segundo o que já foi dito, será tripartida. Assim,
primeiro, trataremos da ignorância, causa do pecado, no concernente à razão.
Segundo, da fraqueza ou paixão, causa do pecado no concernente ao apetite
sensitivo. Terceiro, da malícia, causa do pecado, no concernente à vontade.
Sobre
a primeira questão discutem-se quatro artigos:
Art.
1 ― Se a ignorância pode ser causa do pecado.
Art.
2 ― Se a ignorância é pecado.
Art.
3 ― Se a ignorância desculpa totalmente do pecado.
Art.
4 ― Se a ignorância diminui o pecado.
Art. 1 ― Se a ignorância
pode ser causa do pecado.
(Infra,
a. 3 ; De Malo, q. 3, a. III Ethic., lect. III).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a ignorância não pode ser causa do
pecado.
1.
― Pois, o não-ser não tem causa nenhuma. Ora, a ignorância, sendo uma privação
da ciência, é não-ser. Logo, não pode ser causa do pecado.
2.
Demais. ― As causas do pecado deduzem-se da conversão, como do sobredito
resulta (q. 75, a. 1). Ora, parece que a ignorância respeita à aversão. Logo,
não dever ser considerada causa do pecado.
3.
Demais. ― Todo pecado depende da vontade, como já disse (q. 74, a. 1). Ora,
esta não visa senão o que já é conhecido, pois, o seu objecto é o bem
apreendido. Logo, a ignorância não pode ser causa do pecado.
Mas,
em contrário, diz Agostinho, que certos pecam por ignorância 1.
Segundo o Filósofo 2, a causa motora é dupla: uma é-o por si mesma,
outra, por acidente. Por si mesma é a que move por virtude própria, assim, o
gerador é causa motora dos graves e dos leves. Por acidente, quando remove o
impedimento, ou quando é a própria remoção deste. Ora, de tal modo, a
ignorância pode ser causa do acto pecaminoso, pois, ela é a privação da
ciência, que aperfeiçoa a razão, a qual, por dirigir os actos humanos, proíbe
os actos pecaminosos.
Devemos
porém considerar, que a razão é directiva dos actos humanos, por uma ciência dupla:
pela ciência universal e pela particular. Pois, quando reflecte no que devemos
fazer, se serve de um silogismo, cuja conclusão é o juízo, ou a eleição ou a
obra. Ora, como as acções recaem sobre o singular, singular também há de ser a
conclusão do silogismo prático. Mas, a proposição singular não se conclui da
universal senão mediante outra proposição singular. Assim, ao homem é proibido
o acto do parricídio, por saber que não se deve matar o próprio pai, e que
certo indivíduo é o pai. Logo, uma e outra ignorância podem causar o acto do
parricídio, a saber: a do princípio universal, que é uma regra da razão, e a da
circunstância singular. Donde, é claro, a causa do pecado não é qualquer
ignorância do pecador, mas só a que priva da ciência proibitiva do acto
pecaminoso. Portanto, se a vontade de alguém estivesse de tal modo disposta que
lhe não proibisse o acto do parricídio, ainda conhecendo o próprio pai, o
desconhecer a este não lhe é àquele causa de pecado. E portanto tal indivíduo
peca, não por ignorância, mas ignorando, segundo o Filósofo 3.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO ― O não-ser não pode, por si mesmo, ser causa de
nada, pode contudo ser causa acidental, removendo o impedimento.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Assim como a ciência, exclusiva da ignorância, causa o pecado,
pelo que há nele de conversão, assim a ignorância, no atinente a essa
conversão, é causa do pecado, removendo o obstáculo.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A vontade não pode ser levada ao totalmente desconhecido, mas
pode querer o que é, em parte, conhecido e, em parte, ignoto. E deste modo, a
ignorância é causa de pecado, assim, quando alguém sabe que mata um homem, mas
ignora que este seja o próprio pai, ou quando sabe que um acto é deleitável,
mas não sabe que constitui pecado.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
1.
Lib. De Nat. Et grat. (c.
LXVII).
2. VIII Physic. (lect. VII,
VIII).
3. in III Ethic. (lect. III).
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