15/03/2014

Tratado dos vícios e pecados 29

Questão 76: Das causas do pecado em especial.

Em seguida devemos tratar das causas do pecado em especial. Primeiro, das causas interiores, em especial. Segundo, das exteriores. Terceiro, dos pecados que são causas de outros.

Ora, a primeira consideração, segundo o que já foi dito, será tripartida. Assim, primeiro, trataremos da ignorância, causa do pecado, no concernente à razão. Segundo, da fraqueza ou paixão, causa do pecado no concernente ao apetite sensitivo. Terceiro, da malícia, causa do pecado, no concernente à vontade.

Sobre a primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 ― Se a ignorância pode ser causa do pecado.
Art. 2 ― Se a ignorância é pecado.
Art. 3 ― Se a ignorância desculpa totalmente do pecado.
Art. 4 ― Se a ignorância diminui o pecado.

Art. 1 ― Se a ignorância pode ser causa do pecado.

(Infra, a. 3 ; De Malo, q. 3, a. III Ethic., lect. III).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que a ignorância não pode ser causa do pecado.

1. ― Pois, o não-ser não tem causa nenhuma. Ora, a ignorância, sendo uma privação da ciência, é não-ser. Logo, não pode ser causa do pecado.

2. Demais. ― As causas do pecado deduzem-se da conversão, como do sobredito resulta (q. 75, a. 1). Ora, parece que a ignorância respeita à aversão. Logo, não dever ser considerada causa do pecado.

3. Demais. ― Todo pecado depende da vontade, como já disse (q. 74, a. 1). Ora, esta não visa senão o que já é conhecido, pois, o seu objecto é o bem apreendido. Logo, a ignorância não pode ser causa do pecado.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que certos pecam por ignorância 1.

Segundo o Filósofo 2, a causa motora é dupla: uma é-o por si mesma, outra, por acidente. Por si mesma é a que move por virtude própria, assim, o gerador é causa motora dos graves e dos leves. Por acidente, quando remove o impedimento, ou quando é a própria remoção deste. Ora, de tal modo, a ignorância pode ser causa do acto pecaminoso, pois, ela é a privação da ciência, que aperfeiçoa a razão, a qual, por dirigir os actos humanos, proíbe os actos pecaminosos.

Devemos porém considerar, que a razão é directiva dos actos humanos, por uma ciência dupla: pela ciência universal e pela particular. Pois, quando reflecte no que devemos fazer, se serve de um silogismo, cuja conclusão é o juízo, ou a eleição ou a obra. Ora, como as acções recaem sobre o singular, singular também há de ser a conclusão do silogismo prático. Mas, a proposição singular não se conclui da universal senão mediante outra proposição singular. Assim, ao homem é proibido o acto do parricídio, por saber que não se deve matar o próprio pai, e que certo indivíduo é o pai. Logo, uma e outra ignorância podem causar o acto do parricídio, a saber: a do princípio universal, que é uma regra da razão, e a da circunstância singular. Donde, é claro, a causa do pecado não é qualquer ignorância do pecador, mas só a que priva da ciência proibitiva do acto pecaminoso. Portanto, se a vontade de alguém estivesse de tal modo disposta que lhe não proibisse o acto do parricídio, ainda conhecendo o próprio pai, o desconhecer a este não lhe é àquele causa de pecado. E portanto tal indivíduo peca, não por ignorância, mas ignorando, segundo o Filósofo 3.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO ― O não-ser não pode, por si mesmo, ser causa de nada, pode contudo ser causa acidental, removendo o impedimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Assim como a ciência, exclusiva da ignorância, causa o pecado, pelo que há nele de conversão, assim a ignorância, no atinente a essa conversão, é causa do pecado, removendo o obstáculo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A vontade não pode ser levada ao totalmente desconhecido, mas pode querer o que é, em parte, conhecido e, em parte, ignoto. E deste modo, a ignorância é causa de pecado, assim, quando alguém sabe que mata um homem, mas ignora que este seja o próprio pai, ou quando sabe que um acto é deleitável, mas não sabe que constitui pecado.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. Lib. De Nat. Et grat. (c. LXVII).
2. VIII Physic. (lect. VII, VIII).
3. in III Ethic. (lect. III).




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