Em
seguida devemos tratar do sujeito dos vícios ou dos pecados. E sobre esta
questão discutem-se dez artigos:
Art.
1 ― Se a vontade pode ser sujeito do pecado.
Art.
2 ― Se só a vontade é sujeito do pecado.
Art.
3 ― Se na sensualidade pode haver pecado.
Art.
4 ― Se na sensualidade pode haver pecado mortal.
Art.
5 ― Se o pecado pode existir na razão.
Art.
6 ― Se o pecado da deleitação morosa reside na razão.
Art.
7 ― Se o pecado do consentimento no acto reside na razão superior.
Art.
8 ― Se o consentimento na deleitação é pecado mortal.
Art.
9 ― Se na razão superior, enquanto directiva das potências inferiores, i. é,
enquanto consente no acto do pecado, pode haver pecado venial.
Art.
10 – Se na razão superior, como tal, i. é, enquanto contempla as razões
eternas, pode haver pecado venial.
Art. 1 ― Se a vontade pode
ser sujeito do pecado.
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a vontade não pode ser sujeito do
pecado.
1.
― Pois, como diz Dionísio, o mal é contrário à vontade e à intenção 1.
Ora, o pecado constitui um mal. Logo, não pode existir na vontade.
2.
Demais. ― A vontade busca o bem ou a aparência dele. Ora, querendo o bem, não
peca, e o querer o bem aparente, que não é verdadeiramente bem, pertence a uma
deficiência, antes, da virtude apreensiva, que da vontade. Logo, nesta o pecado
de nenhum modo existe.
3.
Demais. ― Não se pode identificar o sujeito e a causa eficiente do pecado,
porque a causa eficiente e a material não têm a mesma incidência, como diz
Aristóteles 2. Ora, a vontade é causa eficiente do pecado, pois, no
dizer de Agostinho, a primeira causa do pecado é a vontade 3. Logo,
esta não é sujeito do mesmo.
Mas,
em contrário, diz Agostinho, que, pela vontade, pecamos e vivemos retamente 4.
Como já dissemos (q. 21, a. 1, q. 71, a. 1, 6), o pecado é um acto. Ora, há actos
transitivos para a matéria exterior, como queimar e cortar. E a matéria e o
sujeito desses é aquilo sobre o que recai a acção, assim, o Filósofo diz, que o
movimento é o acto do móvel, procedente do motor 5. Outros actos
porém não são transeuntes para a matéria exterior, mas permanecem no agente,
como desejar e conhecer, e esses são todos actos morais, quer sejam de
virtudes, quer de pecados. Donde e necessariamente, o sujeito próprio do acto
pecaminoso é a potência, que é princípio do mesmo. Ora, como é próprio dos actos
morais o serem voluntários, segundo já estabelecemos (q. 1, a. 1, q. 18, a. 6,
9), resulta que a vontade, princípio dos actos voluntários, bons ou maus, que
são os pecados, é princípio destes. Donde se conclui, que o pecado está na
vontade como no sujeito.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Diz-se que o mal é contrário à vontade,
porque esta não tende para ele, como tal. Mas como há males que são bens
aparentes, a vontade deseja às vezes algum mal, e deste modo há mal nela.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Se a deficiência da faculdade apreensiva de nenhum modo dependesse
da vontade, seguir-se-ia a não existência do pecado, nem nesta nem naquela,
como é o caso dos que laboram em ignorância invencível. Donde se conclui que
também a deficiência da faculdade apreensiva, dependente da vontade, contribui
para o pecado.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A objecção colhe no atinente às causas eficientes, cujas acções,
transitivas para a matéria exterior, não se movem a si mesmas, mas a outros
móveis. Ora, o contrário dá-se com a vontade. Logo, a objecção não procede.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
1. De div. nom. (lect. XXII).
2.
II Physic. (lect. XI).
3.
De duabus animabus (c. X, XI).
4.
Lib. I Retract., cap. IX.
5. III Physic., lect. IV.
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