A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Evangelho: Lc 5, 12-26
12 Sucedeu que, encontrando-se Jesus numa cidade, apareceu um
homem cheio de lepra, o qual, vendo Jesus, prostrou-se com o rosto por terra e
suplicou-Lhe: «Senhor, se Tu queres, podes limpar-me». 13 Ele,
estendendo a mão, tocou-o, dizendo: «Quero, sê limpo!». Imediatamente
desapareceu dele a lepra. 14 Jesus ordenou-lhe que a ninguém o
dissesse. «Mas vai, disse-lhe, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua cura
o que foi ordenado por Moisés, para lhes servir de testemunho». 15
Entretanto difundia-se cada vez mais a fama do Seu nome; e concorriam grandes
multidões para O ouvir e ser curadas das suas doenças. 16 Mas Ele
retirava-Se para lugares desertos, e fazia oração. 17 Um dia,
enquanto ensinava, estavam ali sentados fariseus e doutores da lei vindos de
todas as aldeias da Galileia, da Judeia e de Jerusalém; e o poder do Senhor
levava-O a fazer curas. 18 E eis que uns homens, levando sobre um
leito um homem que estava paralítico, procuravam introduzi-lo dentro da casa e
pô-lo diante d'Ele. 19 Porém, não encontrando por onde o introduzir
por causa da multidão, subiram ao telhado e, levantando as telhas, desceram-no
com o leito no meio de todos, diante de Jesus. 20 Vendo a fé deles,
Jesus disse: «Homem, são-te perdoados os teus pecados». 21 Então os
escribas e os fariseus começaram a pensar e a dizer: «Quem é este que diz
blasfémias? Quem pode perdoar pecados, senão só Deus?».22 Jesus,
conhecendo os seus pensamentos, respondeu-lhes: «Que estais a pensar nos vossos
corações? 23 Que coisa é mais fácil dizer: “São-te perdoados os
pecados”, ou dizer: “Levanta-te e caminha”? 24 Pois, para que
saibais que o Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar pecados, Eu te
ordeno - disse Ele ao paralítico - levanta-te, toma o teu leito e vai para a
tua casa». 25 Levantando-se logo em presença deles, tomou o leito em
que jazia e foi para a sua casa, glorificando a Deus. 26 Ficaram
todos estupefactos e glorificavam a Deus. Possuídos de temor, diziam: «Hoje
vimos coisas maravilhosas».
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS
FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
Capítulo
II
NA CRISE DO COMPROMISSO
COMUNITÁRIO
Sim
às relações novas geradas por Jesus Cristo
87.
Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana
alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a
«mística» de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço,
apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa
verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa
peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação
traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos.
Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este
caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si
mesmo é provar o veneno amargo da imanência, e a humanidade perderá com cada
opção egoísta que fizermos.
88.
O ideal cristão convidará sempre a superar a suspeita, a desconfiança
permanente, o medo de sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o
mundo actual. Muitos tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade
confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da
dimensão social do Evangelho. Porque, assim como alguns quiseram um Cristo
puramente espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações interpessoais
mediadas apenas por sofisticados aparatos, por ecrãs e sistemas que se podem
acender e apagar à vontade. Entretanto o Evangelho convida-nos sempre a abraçar
o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que
interpela, com o seu sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria
contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito
carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço,
da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus
convidou-nos à revolução da ternura.
89.
O isolamento, que é uma concretização do imanentismo, pode exprimir-se numa
falsa autonomia que exclui Deus, mas pode também encontrar na religião uma
forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio. O
regresso ao sagrado e a busca espiritual, que caracterizam a nossa época, são
fenómenos ambíguos. Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta
é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham
de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem
compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os
cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão
solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não
humanizam nem dão glória a Deus.
90.
As formas próprias da religiosidade popular são encarnadas, porque brotaram da
encarnação da fé cristã numa cultura popular. Por isso mesmo, incluem uma
relação pessoal, não com energias harmonizadoras, mas com Deus, Jesus Cristo,
Maria, um Santo. Têm carne, têm rostos. Estão aptas para alimentar
potencialidades relacionais e, não tanto, fugas individualistas. Noutros
sectores da nossa sociedade, cresce o apreço por várias formas de
«espiritualidade do bem-estar» sem comunidade, por uma «teologia da
prosperidade» sem compromissos fraternos ou por experiências subjectivas sem
rostos, que se reduzem a uma busca interior imanentista.
91.
Um desafio importante é mostrar que a solução nunca consistirá em escapar de
uma relação pessoal e comprometida com Deus, que ao mesmo tempo nos comprometa
com os outros. Isto é o que se verifica hoje quando os crentes procuram
esconder-se e livrar-se dos outros, e quando subtilmente escapam de um lugar
para outro ou de uma tarefa para outra, sem criar vínculos profundos e
estáveis: «A imaginação e mudança de lugares enganou a muitos». 68 É
um remédio falso que faz adoecer o coração e, às vezes, o corpo. Faz falta
ajudar a reconhecer que o único caminho é aprender a encontrar os demais com a
atitude adequada, que é valorizá-los e aceitá-los como companheiros de estrada,
sem resistências interiores. Melhor ainda, trata-se de aprender a descobrir Jesus
no rosto dos outros, na sua voz, nas suas reivindicações; e aprender também a
sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas
ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade. 69
92.
Nisto está a verdadeira cura: de facto, o modo de nos relacionarmos com os
outros que, em vez de nos adoecer, nos cura é uma fraternidade mística,
contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir
Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as moléstias da convivência
agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração ao amor divino para
procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom. Precisamente
nesta época, inclusive onde são um «pequenino rebanho» (Lc 12, 32), os discípulos
do Senhor são chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do
mundo (cf. Mt 5, 13-16). São chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma
pertença evangelizadora. 70 Não deixemos que nos roubem a
comunidade!
Não
ao mundanismo espiritual
93.
O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de
religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do
Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal. É aquilo que o Senhor censurava
aos fariseus: «Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns
dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?» (Jo 5, 44). É uma
maneira subtil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de Jesus
Cristo» (Fl 2, 21). Reveste-se de muitas formas, de acordo com o tipo de
pessoas e situações em que penetra. Por cultivar o cuidado da aparência, nem
sempre suscita pecados de domínio público, pelo que externamente tudo parece
correcto. Mas, se invadisse a Igreja, «seria infinitamente mais desastroso do que
qualquer outro mundanismo meramente moral». 71
94.
Este mundanismo pode alimentar-se sobretudo de duas maneiras profundamente
relacionadas. Uma delas é o fascínio do gnosticismo, uma fé fechada no
subjectivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série
de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em
última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão
ou dos seus sentimentos. A outra maneira é o neopelagianismo auto-referencial e
prometeico de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente
superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente
fiel a um certo estilo católico próprio do passado. É uma suposta segurança
doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo narcisista e autoritário,
onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de
facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar. Em ambos os
casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente. São
manifestações dum imanentismo antropocêntrico. Não é possível imaginar que,
destas formas desvirtuadas do cristianismo, possa brotar um autêntico dinamismo
evangelizador.
95.
Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas
mas com a mesma pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Nalguns, há um
cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas
não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus
e nas necessidades concretas da história. Assim, a vida da Igreja transforma-se
numa peça de museu ou numa possessão de poucos. Noutros, o próprio mundanismo
espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas
sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou
numa atracção pelas dinâmicas de auto-estima e de realização auto-referencial.
Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido
numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções. Ou
então desdobra-se num funcionalismo empresarial, carregado de estatísticas,
planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus
mas a Igreja como organização. Em qualquer um dos casos, não traz o selo de
Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite,
não sai realmente à procura dos que andam perdidos nem das imensas multidões
sedentas de Cristo. Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio duma autocomplacência
egocêntrica.
96.
Neste contexto, alimenta-se a vanglória de quantos se contentam com ter algum
poder e preferem ser generais de exércitos derrotados antes que simples
soldados dum batalhão que continua a lutar. Quantas vezes sonhamos planos
apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais
derrotados! Assim negamos a nossa história de Igreja, que é gloriosa por ser
história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no
serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é «suor do
nosso rosto». Em vez disso, entretemo-nos vaidosos a falar sobre «o que se
deveria fazer» – o pecado do «deveriaqueísmo» – como mestres espirituais e
peritos de pastoral que dão instruções ficando de fora. Cultivamos a nossa imaginação
sem limites e perdemos o contacto com a dolorosa realidade do nosso povo fiel.
97.
Quem caiu neste mundanismo olha de cima e de longe, rejeita a profecia dos
irmãos, desqualifica quem o questiona, faz ressaltar constantemente os erros
alheios e vive obcecado pela aparência. Circunscreveu os pontos de referência
do coração ao horizonte fechado da sua imanência e dos seus interesses e,
consequentemente, não aprende com os seus pecados nem está verdadeiramente
aberto ao perdão. É uma tremenda corrupção, com aparências de bem. Devemos
evitá-lo, pondo a Igreja em movimento de saída de si mesma, de missão centrada
em Jesus Cristo, de entrega aos pobres. Deus nos livre de uma Igreja mundana
sob vestes espirituais ou pastorais! Este mundanismo asfixiante cura-se
saboreando o ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estarmos centrados
em nós mesmos, escondidos numa aparência religiosa vazia de Deus. Não deixemos
que nos roubem o Evangelho!
Não
à guerra entre nós
98.
Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas guerras! No
bairro, no local de trabalho, quantas guerras por invejas e ciúmes, mesmo entre
cristãos! O mundanismo espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com
outros cristãos que se interpõem na sua busca pelo poder, prestígio, prazer ou
segurança económica. Além disso, alguns deixam de viver uma adesão cordial à
Igreja por alimentar um espírito de contenda. Mais do que pertencer à Igreja
inteira, com a sua rica diversidade, pertencem a este ou àquele grupo que se
sente diferente ou especial.
99.
O mundo está dilacerado pelas guerras e a violência, ou ferido por um
generalizado individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os
outros visando o próprio bem-estar. Em vários países, ressurgem conflitos e antigas
divisões que se pensavam em parte superados. Aos cristãos de todas as
comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de
comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandecente. Que todos possam
admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais,
animais e ajudais: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos:
se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35). Foi o que Jesus, com uma intensa
oração, pediu ao Pai: «Que todos sejam um só (…) em nós (para que) o mundo
creia» (Jo 17, 21). Cuidado com a tentação da inveja! Estamos no mesmo barco e
vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos alegrarmos com os frutos
alheios, que são de todos.
100.
Para quantos estão feridos por antigas divisões, resulta difícil aceitar que os
exortemos ao perdão e à reconciliação, porque pensam que ignoramos a sua dor ou
pretendemos fazer-lhes perder a memória e os ideais. Mas, se virem o testemunho
de comunidades autenticamente fraternas e reconciliadas, isso é sempre uma luz
que atrai. Por isso me dói muito comprovar como nalgumas comunidades cristãs, e
mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão,
calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a
todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas.
Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?
101.
Peçamos ao Senhor que nos faça compreender a lei do amor. Que bom é termos esta
lei! Como nos faz bem, apesar de tudo amar-nos uns aos outros! Sim, apesar de
tudo! A cada um de nós é dirigida a exortação de Paulo: «Não te deixes vencer
pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12, 21). E ainda: «Não nos cansemos de
fazer o bem» (Gal 6, 9). Todos nós provamos simpatias e antipatias, e talvez
neste momento estejamos chateados com alguém. Pelo menos digamos ao Senhor:
«Senhor, estou chateado com este, com aquela. Peço-Vos por ele e por ela».
Rezar pela pessoa com quem estamos irritados é um belo passo rumo ao amor, e é
um acto de evangelização. Façamo-lo hoje mesmo. Não deixemos que nos roubem o
ideal do amor fraterno!
_____________________________________
Notas:
68
Tomás de Kempis, De Imitatione Christi, Liber primus, IX, 5: «Imaginatio
locorum et mutatio multos fefellit».
69
Pode ajudar-nos o testemunho que Santa Teresa de Lisieux nos deixou acerca do
impacto decisivo que teve uma experiência interior para superar o aspecto
particularmente desagradável da assistência prestada a uma irmã: «Uma tarde de
Inverno, estava eu a cumprir, como de costume, a minha doce tarefa para com a
irmã Saint-Pierre. Estava frio, começava a anoitecer... De repente, ouvi ao
longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei-me num salão
muito bem iluminado, todo resplandecente com seus ricos dourados; e, nele,
senhoras elegantemente vestidas, prodigalizando-se mutuamente cumprimentos e
cortesias mundanas. Em seguida, pousei o olhar na pobre doente que assistia. Em
vez de uma melodia, podia ouvir de vez em quando os seus gemidos lastimosos.
(...) Eu não consigo exprimir o que se passou na minha alma. Tudo o que sei é
que o Senhor a iluminou com os raios da verdade, que de tal maneira
ultrapassavam o brilho tenebroso das festas da Terra, que não podia acreditar
no grau da minha felicidade» «Manuscrit
C», 29frt-30vrs: Œvres complètes, (CERF-DDB, Paris 1992) 274-275 .
70
Cf. Propositio 8.
71
Henri De Lubac, Méditation sur l’Église (FV, Paris 1968), 321.
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