Art. 8 ― Se a gravidade do
pecado cresce com o aumento do dano causado.
(Supra
q. 20, a. 5)
O
oitavo discute-se assim. ― Parece que a gravidade do pecado não cresce com o
aumento do dano causado.
2.
Demais. ― O dano causado provém, principalmente, dos pecados contra o próximo,
porque a nós mesmos não queremos, e a Deus não podemos fazer mal, conforme a
Escritura (Job 35, 6): se as tuas iniquidades se multiplicarem, que farás tu
contra ele? A tua impiedade poderá fazer mal a um homem que é teu semelhante.
Ora, se o pecado se agravasse em relação ao dano causado, resultaria que,
pecando contra o próximo, pecaríamos mais gravemente que quando contra Deus ou
contra nós mesmos.
3.
Demais. ― Causamos maior dano a outrem, privando-o da graça do que da vida
natural, pois, devemos desprezar a vida natural para não perder a da graça.
Ora, quem induz uma mulher a pecar, priva-a, o quanto pode, da vida da graça,
levando-a a cometer pecado mortal. Se portanto, a gravidade do pecado
dependesse do dano que causa, resultaria que o simples fornicário pecar mais
gravemente que o homicida, e isso é manifestamente falso. Logo, a gravidade do
pecado não depende do dano que causa.
Mas,
em contrário, Agostinho diz 1: Como o vício se opõe à natureza, a
malícia dele aumenta na mesma razão em que diminui a integridade da natureza.
Ora, esta diminuição é um mal. Logo, tanto mais grave é o pecado quanto maior é
o dano causado.
O dano causado pode manter tríplice relação com o pecado. ― Assim, às vezes o
dano proveniente do pecado é previsto e intencionado, tal o caso de quem, como
o homicida ou o ladrão, age com o ânimo de danificar a outrem. E nesse caso o
vulto do dano causado aumenta directamente a gravidade do pecado, porque então
esse dano é, em si, o objecto do pecado. ― Outras vezes porém o dano é previsto,
mas não intencionado. Tal o caso de quem, atravessando um campo para poder mais
expedito cometer a fornicação danifica conscientemente as sementeiras, embora
sem a intenção de o fazer. E neste caso a grandeza do dano agrava o pecado, mas
indirectamente, porque, da vontade fortemente inclinada ao pecado procede o não
nos importarmos de causar dano a nós mesmos ou a outrem, o que entretanto,
absolutamente falando, não quereríamos. ― Outras vezes ainda, não é o dano
previsto nem intencionado. E então, se se relacionar com o pecado
acidentalmente, não o agrava, de modo directo. Mas, pela negligência em
considerar os danos que poderiam resultar, são-nos imputados, para o efeito da
pena, os danos causados contra a nossa intenção, se praticávamos um acto ilícito.
Se porém o dano, em si mesmo, resultar do acto pecaminoso, agrava, embora não
intencionado nem previsto, directamente o pecado. Porque todas as consequências
resultantes, em si mesmas, do pecado, pertencem-lhe, de certo modo, à espécie.
Assim, quem fornicar publicamente escandaliza muitos, o que, embora não seja
intencionado, nem talvez previsto, agrava contudo directamente o pecado.
Diferem
porém as relações com o dano da pena em que incorre quem peca. Assim, se esse
dano tiver relação acidental com o acto pecaminoso, mas não for previsto nem
intencionado, não agrava tal acto nem é consequente à maior gravidade deste.
Tal o caso de quem, correndo para matar, dê um encontrão e se fira no pé. Se
porém esse dano resultar, em si mesmo, embora talvez não previsto nem
intencionado, do acto pecaminoso, então o dano maior não torna mais grave o
pecado, mas inversamente, o pecado mais grave é o que causa mais grave dano.
Assim, o infiel, que nunca ouviu falar das penas do inferno, lá sofrerá mais
grave pena pelo pecado de homicídio, do que pelo de furto, e o não ter
intencionalmente desprezado nem previsto o inferno, não lhe agrava o pecado. O
contrário se dá com o fiel, que peca mais gravemente, por isso mesmo que
despreza maiores penas para satisfazer a vontade de pecar. Mas a gravidade
deste dano só é causada pela gravidade do pecado.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Como já dissemos (q. 20, a. 5), quando
tratamos da bondade e da malícia dos actos exteriores, a consequência eventual,
sendo prevista e intencionada, aumenta a bondade ou a malícia do acto.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― De agravar o dano o pecado não se segue que só ele é que o faz.
Antes, o pecado, em si mesmo, é mais grave, por força da inclinação, como já
dissemos (a. 2, 3). Donde, o dano, por si, agrava o pecado, tornando o acto
mais desordenado. Donde não resulta, se há dano, sobretudo nos pecados contra o
próximo, que esses pecados sejam gravíssimos. Pois, há muito maior desordem em
certos pecados contra Deus e contra nós mesmos. Porquanto, podemos dizê-lo,
embora ninguém possa fazer mal a Deus, na sua substância, é possível entretanto
atingi-lo naquilo que lhe pertence, p. ex., extirpando a fé, violando o
sagrado, que constituem pecados gravíssimos. E também, às vezes, podemos,
ciente e voluntariamente, causar dano a nós mesmos, como se dá com os suicidas,
embora o façam, finalmente, por causa de algum bem aparente, como seja
livrarem-se do sofrimento.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A objecção não colhe, por duas razões. Primeiro, porque o homicida
tenciona directamente danificar o próximo, ao passo que o fornicador, sedutor
de uma mulher, não lhe intenciona o dano, mas o próprio prazer. Segundo, porque
o homicida é causa em si e suficiente da morte corpórea, mas, da morte
espiritual de outrem, ninguém pode ser por si mesmo causa suficiente, porque
ninguém morre espiritualmente senão por própria vontade, pecando.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
1. III De libero arbit. (cap.
XIV).
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