02/02/2014

Tratado dos dons do Espírito Santo 15



Questão 70: Dos frutos do Espírito Santo.


Art. 3 — Se o Apóstolo enumera convenientemente os doze frutos.

(III Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 5, Ad Galat., cap. V. Lect VI).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o Apóstolo enumera inconvenientemente, os doze frutos.


1. — Pois, noutro lugar, diz que só há um fruto da vida presente (Rm 6, 22): tendes o vosso fruto em santificação. E noutra parte se diz (Is 27, 9): todo este fruto se reduz a que seja tirado o seu pecado. Logo, não se devem enumerar doze frutos.

2. Demais. — O fruto nasce da semente espiritual, como já se disse 1. Ora, o Senhor enumera um tríplice fruto da terra boa nascido da semente espiritual: centésimo, sexagésimo e trigésimo. Logo, não se devem enumerar doze frutos.

3. Demais. — O fruto, por essência, vem por último e é deleitável. Ora, isto não se verifica em todos os frutos enumerados pelo Apóstolo, assim a paciência e a longanimidade supõem o que causa pena, e por outro lado, a fé não vem por último, mas antes é, por essência, o fundamento primeiro. Logo, a enumeração dos frutos, em questão peca por excesso.

Mas, em contrário. — Parece que a enumeração é insuficiente e deficiente. Pois, como já se disse, todas as bem-aventuranças podem chamar-se frutos. Ora, a enumeração não as abrange a todas, pois nada compreende pertinente ao acto da sabedoria e de muitas outras virtudes. Logo, essa enumeração dos frutos é insuficiente.

A enumeração dos doze frutos feita pelo Apóstolo é correta e podem ser expressos pelos doze frutos de que fala a Escritura (Ap 22, 2): duma e de outra parte do rio, estava a árvore da vida, que dá doze frutos. Como porém se chama fruto ao procedente de algum princípio, como de princípio ou de raiz, a distinção dos frutos em questão deve fundar-se nos diversos modos por que procedem em nós os frutos do Espírito Santo. Ora, essa processão implica, primeiro, que o coração humano se ordene, em si mesmo, segundo, que se ordene para o que lhe está ao lado, terceiro, para o que lhe é inferior.

Ora, o coração do homem fica, em si mesmo, bem-disposto quando se comporta como deve tanto em relação ao mal como ao bem. Ora, a primeira disposição da mente humana para o bem se opera pelo amor, a primeira e a raiz de todos os afectos, como já dissemos 2. E por isso, o primeiro enumerado dos frutos do Espírito Santo é a caridade, pela qual ele se dá em própria semelhança, sendo Amor, donde o dizer o Apóstolo (Rm 5, 5): a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. — Ora, do amor de caridade resulta necessariamente a alegria, pois todo amante se alegra estando unido ao amado. Ora, a caridade tem sempre presente a Deus, a quem ama, segundo a Escritura (1 Jo 4, 16): Aquele que permanece na caridade permanece em Deus e Deus, nele. Logo, a consequência da caridade é a alegria. — Mas, a perfeição da alegria é a paz, de dois modos. Primeiro, quanto à tranquila libertação das perturbações exteriores, pois não pode gozar perfeitamente do bem amado quem sofre perturbação exterior, no gozo do mesmo. E por isso o coração perfeitamente pacificado num gozo, por nada pode ser molestado, pois considera tudo o mais como quase não existente, donde, diz a Escritura (Sl 118, 165): Gozam a minha paz os que amam a tua lei, e para ele não há tropeço, i. é, por não serem perturbados pelas causas exteriores, a ponto de não gozarem de Deus. Segundo, quanto à satisfação do desejo volúvel, pois não gozamos suficientemente quando não nos satisfaz o objecto do nosso gozo. Ora, ambos esses casos implicam a paz, de modo que não sejamos perturbados pelas causas externas e descansemos os nossos desejos num só objecto. Donde, em terceiro lugar é enumerada a paz, depois da caridade e da alegria. — Por outro lado, o coração comporta-se como deve em relação ao mal, de dois modos. Não se perturbando com os males eminentes, por meio da paciência. — Segundo, não se perturbando com a dilacção dos bens, por meio da longanimidade, pois o estar privado do bem implica o mal, como se disse 3.

Em seguida, quanto ao que está ao nosso lado, i. é, quanto ao próximo, o nosso coração dispõe-se bem, pela bondade, no atinente à vontade de bem fazer. — Segundo, pela benignidade, no que respeita à execução da beneficência, pois, chamam-se benignos aqueles que a bondade ígnea do amor faz arder no beneficiar ao próximo. — Terceiro, quanto a tolerar com equanimidade os males que o atingem, por meio da mansidão, que coíbe a ira. — Quarto, não só não fazendo mal ao próximo, pela ira, mas nem pela fraude ou pelo dolo. E, isto, conseguimo-lo pela fé, tomada em sentido de fidelidade, mas considerada como crença em Deus, ela nos ordena ao que nos é superior, fazendo-nos sujeitar o intelecto a Deus, e por consequência tudo o que possui.

Enfim, em relação ao que nos é inferior dispomo-nos bem: primeiro, quanto aos actos externos, pela modéstia, observando o comedimento em tudo o que dizemos e fazemos. — Quanto à concupiscência interna, pela continência e pela castidade, distinguindo-se uma da outra, porque esta nos priva do ilícito e aquela, do lícito, quer, porque o continente sofre a concupiscência sem ser por ela vencida, ao passo que o casto nem a sofre nem é por ela vencido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A santificação operase por todas as virtudes que também purificam os pecados. Por isso os lugares aduzidos nomeiam o fruto na sua unidade genérica, Mas divide-se em muitas espécies, e isso faz considerarmos muitos frutos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os frutos centésimo, sexagésimo e trigésimo não se diversificam pelas diversas espécies de actos virtuosos, mas pelos diversos graus de perfeição, mesmo de uma virtude. Assim se diz que a continência conjugal está expressa no fruto trigésimo, a da viuvez, no sexagésimo, e a virginal, no centésimo. E ainda de outros modos, os Santos Doutores distinguem três frutos evangélicos relativos aos três graus das virtudes, sendo esses três graus relativos à perfeição de todas as coisas, que se funda no princípio, no meio e no fim. 

REPOSTA À TERCEIRA.— Da mesma forma não se perturbar nas tristezas implica o prazer. E a fé, mesmo considerada como fundamento, é algo de último e deleitável, por incluir a certeza. Por isso a Glosa expõe: A fé, i. é, a certeza do invisível.

RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Agostinho, o Apóstolo, no lugar aduzido, não quis, ensinar quais são as obras da carne ou os frutos do Espírito Santo, senão mostrar em que género aquelas devem ser evitadas e estes, procurados. Donde mais ou menos frutos podiam ter sido enumerados. E contudo, todos os actos dos dons e das virtudes podem, com certa conveniência, ser reduzidos aos enumerados, enquanto todas as virtudes e dons hão-de, necessariamente, ordenar o coração de algum dos modos preditos. Assim, os actos da sabedoria e de qualquer dos dons, que ordenam para o bem se reduzem à caridade, à alegria e à paz. Mas o Apóstolo preferiu esta enumeração à outra, por implicar o que ela abrange a fruição dos bens ou a quietação dos males, o que está incluído na essência do fruto.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. Q. 70, a. 1.
2. Q. 27, a. 4.
3. V Ethic. (lect. V).



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