Questão 68: Dos dons.
Art. 8 — Se as virtudes têm preeminência sobre os dons.
(III
Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 1, ad 5, De Virtut., q. 2, a. 2, ad 17).
O oitavo discute-se assim. — Parece
que as virtudes têm preeminência sobre os dons.
1. — Pois, diz Agostinho, falando da caridade: Nenhum dom de Deus é mais excelente que este. É o único que separa os filhos do reino eterno, dos da eterna perdição. Há ainda outros dons do Espírito Santo, mas de nada servem sem a caridade 1. Ora, a caridade é uma virtude. Logo, a virtude tem preeminência sobre os dons do Espírito Santo.
2. Demais. — O que tem naturalmente
prioridade tem também preeminência, Ora, as virtudes têm prioridade sobre os
dons do Espírito Santo. Pois, Gregório diz: Os dons formam, antes de tudo, na
mente que lhes é dócil, a prudência, a temperança, a fortaleza, e a justiça. E
assim equilibra, em pouco, a mesma mente com as sete virtudes, i. é, dons,
opondo, à estultícia, a sabedoria, ao embotamento, o intelecto, à precipitação,
o conselho, ao temor, a fortaleza, à ignorância, a ciência, à dureza, a piedade,
à soberba, o temor 2. Logo, as virtudes têm preeminência sobre os
dons.
3. Demais. — Ninguém pode usar mal da
virtude, como diz Agostinho 3. Ora, é possível usar mal dos dons,
pois, como diz Gregório, imolamos a hóstia da nossa prece para a sabedoria não
ensoberbecer, para o intelecto, sutilmente discorrendo, não aberrar, para o
conselho, multiplicando-se, não confundir, para não se precipitar à fortaleza,
gerando a confiança, para a ciência não inchar, conhecendo sem amar, para a
piedade não transviar, afastando do caminho recto, para o temor, amedrontando
mais do que é justo, não imergir no abismo do desespero 4. Logo, as
virtudes são mais dignas que os dons do Espírito Santo.
Mas, em contrário, os dons são
conferidos para fortalecer as virtudes contra os defeitos, como é claro pela
citação aduzida. E assim, parece que aperfeiçoam o que as virtudes não podem
aperfeiçoar. Logo, têm preeminência sobre elas.
Como do sobredito resulta 5,
distinguem-se três géneros de virtudes: umas teologais, outras, intelectuais,
outras, morais. As teologais unem a Deus a mente humana, as intelectuais aperfeiçoam
a razão, enfim, as morais tornam aptas as potências apetitivas a obedecer à razão.
Ora, pelos dons do Espírito Santo todas as potências da alma se dispõem a submeter-se
à moção divina.
Donde, os dons estão para as virtudes
teologais, que unem o homem ao Espírito Santo, que o move, como as virtudes
morais estão para as intelectuais, perfectivo da razão, motora das virtudes
morais. Assim, pois, como as virtudes intelectuais têm preeminência sobre as
morais e as regulam, assim as teologais a têm sobre os dons do Espírito Santo,
e os regulam. Donde o dizer Gregório: os sete filhos, i. é, os sete dons, não
chegam à perfeição da dezena, senão fizerem tudo com fé, esperança e caridade 6.
Comparados, porém, com as demais
virtudes intelectuais ou morais, os dons têm preeminência sobre as virtudes.
Pois, aperfeiçoam as potências da alma, relativamente ao Espírito Santo, que
move, ao passo que as virtudes aperfeiçoam ou a razão mesma, ou as demais
potencias, relativamente à razão. Ora, é manifesto que quanto maior o motor,
tanto mais perfeitamente disposto deve ser o móvel. Logo, os dons são mais
perfeitos que as virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A caridade é uma virtude teologal, e concedemos que tenha preeminência sobre
os dons.
RESPOSTA À SEGUNDA. — De dois modos
pode entender-se a prioridade. — Primeiro, na ordem da perfeição e da dignidade,
assim, o amor de Deus tem prioridade sobre o do próximo. E deste modo, os dons
têm prioridade sobre as virtudes intelectuais e morais, posterioridade, porém,
relativamente às virtudes teologais. — De outro modo, na ordem da geração ou
disposição, assim, o amor do próximo precede, quanto ao acto, o amor de Deus. E
assim, as virtudes morais e intelectuais precedem os dons, pois, estando bem-disposto
no que respeita à sua razão própria, o homem fica bem-disposto no concernente a
suas relações com Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A sabedoria, o
intelecto, e dons semelhantes, provêm do Espírito Santo, enquanto informados
pela caridade, que não obra temerariamente, como diz a Escritura (1 Cor 13, 4).
E, portanto, da sabedoria, do intelecto e de dons semelhantes ninguém pode usar
mal, enquanto dons do Espírito Santo. Mas para não se afastarem da perfeição da
caridade, um é fortificado pelo outro. E é isto que Gregório quer dizer.
(Revisão
da tradução portuguesa por ama)
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Notas:
1.
XV De Trinit. (cap. XVIII).
2.
II Moral. (cap. XLIX).
3.
II De lib. Arbitr. (cap. XXI).
4.
I Moral. (cap. XXXV).
5.
Q. 58, a. 3, q. 62, a. 1.
6.
I Moral. (cap. XXVII).
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