Art. 3 — Se o intelecto é
o sujeito da virtude.
(III Sent. Dist. XXIII. q. 1,
a. 4 qª 1., De Virtut., q. 1 a. 7, C.G. III, XXVI).
O
terceiro discute-se assim. — Parece que o intelecto não é o sujeito da virtude.
1.
— Pois, diz Agostinho, que toda virtude é amor 1. Ora, o sujeito do
amor não é o intelecto, senão a potência apetitiva. Logo, nenhuma virtude
existe no intelecto.
2.
Demais. — A virtude ordena-se para o bem, como resulta do sobredito 2.
Ora, o bem é objecto, não do intelecto, mas da potência apetitiva. Logo, o
sujeito da virtude não é o intelecto, mas esta última potência.
3.
Demais. — A virtude torna bom quem a tem, como diz o Filósofo 3.
Ora, o hábito, que aperfeiçoa o intelecto, não torna bom quem o tem, pois, não
é pela ciência nem pela arte que o homem é considerado bom. Logo, o intelecto
não é sujeito da virtude.
Mas,
em contrário, a mente é, por excelência, considerada como intelecto. Ora, ela é
o sujeito da virtude, como é claro pela definição desta supra-referida 4.
Logo, o intelecto é o sujeito da virtude.
Como já dissemos 5, a virtude é um hábito pelo qual obramos rectamente.
Ora, um hábito pode ordenar-se ao acto recto de dois modos. — De um modo,
enquanto, por esse hábito, adquirimos a faculdade de praticar o acto recto,
assim, pelo hábito da gramática temos a faculdade de falar rectamente, embora a
gramática não faça com que sempre falemos rectamente, pois um gramático pode
cometer barbarismos ou solecismos. E o mesmo se pode dizer das outras ciências
e artes. — De outro modo, um hábito não só dá a faculdade de agir bem, mas
ainda nos leva a usar rectamente dessa faculdade, assim, a justiça não só nos
torna de vontade pronta a obrar justamente, mas também faz com que obremos
justamente. E como nada se chama bem, assim como ser absolutamente falando,
pelo que tem de potencial, senão enquanto actual, assim também tais hábitos
levam o homem, absolutamente, a obrar o bem e a ser bom, assim se dá com o que
é justo temperante, ou tem virtudes semelhantes. E, como a virtude torna bom
quem a possui, e boa a sua obra, tais hábitos chamam-se em si mesmos, virtudes
por tornarem boa a obra actualizada e bom, simplesmente, quem a pratica. Os
hábitos primeiros porém não se consideram em si mesmos, virtudes, por não
tornarem boa à obra senão de uma faculdade determinada, nem tornam simplesmente
bons quem os possui. Assim, nenhum homem é considerado absolutamente bom por
ser sábio ou artífice, senão só relativamente, como bom gramático ou bom
ferreiro, e, por isto frequentemente a ciência e a arte se opõem à virtude, e
às vezes se consideram virtudes, como já se disse 6.
Donde,
o sujeito do hábito considerado relativamente como virtude pode ser o intelecto,
não só o prático, mas também o especulativo, sem nenhuma ordenação relativa à
vontade, e assim o Filósofo 7 considera a ciência, a sabedoria, a
inteligência e mesmo a arte, como virtudes intelectuais.
O
sujeito do hábito, porém, considerado absolutamente como virtude, não pode ser
senão a vontade, ou alguma potência movida por ela. E a razão é que a vontade
move todas as demais faculdades, de certo modo racionais, para os seus actos,
como já dissemos 8. E portanto é por ter boa vontade que o homem age
bem. Logo, a virtude que nos leva a agir bem actualmente, e não só em
possibilidade, é necessário que exista ou na própria vontade, ou em alguma
potência enquanto movida por esta.
Ora,
o intelecto, como as demais potências, pode ser movido pela vontade, pois
consideramos alguma coisa actualmente porque queremos. E portanto, o intelecto,
enquanto ordenado à vontade, pode ser sujeito da virtude, em si mesma. E deste
modo o intelecto especulativo ou razão é sujeito da fé, pois o intelecto é
movido a assentir ao que pertence à fé, pelo império da vontade, pois ninguém
crê senão porque quer. O intelecto prático, por seu lado, é sujeito da
prudência. E como esta é a razão recta do que devemos praticar, exige que o
homem leve em conta os princípios dessa razão referentes ao que deve praticar,
que são os fins, aos quais ele bem se adapta pela rectidão da vontade, assim
como aos princípios das coisas especulativas, pelo lume natural do intelecto
agente. Donde, assim como o sujeito da ciência, que é a razão recta das coisas
especulativas, é o intelecto especulativo, ordenado ao intelecto agente, assim
o sujeito da prudência é o intelecto prático, ordenado à vontade reta.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As palavras de Agostinho devem entender-se da
virtude absolutamente considerada, não que toda virtude dessa natureza seja,
absolutamente falando, amor, mas porque depende dele de certo modo, enquanto
depende da vontade, cujo primeiro afecto é o amor, como já se disse 9.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — O bem de cada ser é o seu fim. E portanto, como a verdade é o fim
do intelecto, conhecê-la é o acto recto deste, donde, se chama virtude o
hábito, que aperfeiçoa o intelecto para conhecer a verdade, tanto na ordem
especulativa como na prática.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A objecção colhe quanto à virtude absolutamente considerada.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
De moribus Ecclesiae (cap. X).
2. Q. 55 a. 3.
3. II Ethic., lect. VI.
4. Q. 55, a. 4.
5. Q. 55, a. 4.
6. VI Ethic., lect. II.
7. VI Ethic. (ibid).
8. Q. 9, a. 1.
9.
Q. 24, a. 1, 2, 3.
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