28/11/2013

Tratado das virtudes em geral 7


Questão 56: Do sujeito da virtude.
Art. 3 — Se o intelecto é o sujeito da virtude.

(III Sent. Dist. XXIII. q. 1, a. 4 qª 1., De Virtut., q. 1 a. 7, C.G. III, XXVI).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o intelecto não é o sujeito da virtude.

1. — Pois, diz Agostinho, que toda virtude é amor 1. Ora, o sujeito do amor não é o intelecto, senão a potência apetitiva. Logo, nenhuma virtude existe no intelecto.

2. Demais. — A virtude ordena-se para o bem, como resulta do sobredito 2. Ora, o bem é objecto, não do intelecto, mas da potência apetitiva. Logo, o sujeito da virtude não é o intelecto, mas esta última potência.

3. Demais. — A virtude torna bom quem a tem, como diz o Filósofo 3. Ora, o hábito, que aperfeiçoa o intelecto, não torna bom quem o tem, pois, não é pela ciência nem pela arte que o homem é considerado bom. Logo, o intelecto não é sujeito da virtude.

Mas, em contrário, a mente é, por excelência, considerada como intelecto. Ora, ela é o sujeito da virtude, como é claro pela definição desta supra-referida 4. Logo, o intelecto é o sujeito da virtude.

Como já dissemos 5, a virtude é um hábito pelo qual obramos rectamente. Ora, um hábito pode ordenar-se ao acto recto de dois modos. — De um modo, enquanto, por esse hábito, adquirimos a faculdade de praticar o acto recto, assim, pelo hábito da gramática temos a faculdade de falar rectamente, embora a gramática não faça com que sempre falemos rectamente, pois um gramático pode cometer barbarismos ou solecismos. E o mesmo se pode dizer das outras ciências e artes. — De outro modo, um hábito não só dá a faculdade de agir bem, mas ainda nos leva a usar rectamente dessa faculdade, assim, a justiça não só nos torna de vontade pronta a obrar justamente, mas também faz com que obremos justamente. E como nada se chama bem, assim como ser absolutamente falando, pelo que tem de potencial, senão enquanto actual, assim também tais hábitos levam o homem, absolutamente, a obrar o bem e a ser bom, assim se dá com o que é justo temperante, ou tem virtudes semelhantes. E, como a virtude torna bom quem a possui, e boa a sua obra, tais hábitos chamam-se em si mesmos, virtudes por tornarem boa a obra actualizada e bom, simplesmente, quem a pratica. Os hábitos primeiros porém não se consideram em si mesmos, virtudes, por não tornarem boa à obra senão de uma faculdade determinada, nem tornam simplesmente bons quem os possui. Assim, nenhum homem é considerado absolutamente bom por ser sábio ou artífice, senão só relativamente, como bom gramático ou bom ferreiro, e, por isto frequentemente a ciência e a arte se opõem à virtude, e às vezes se consideram virtudes, como já se disse 6.

Donde, o sujeito do hábito considerado relativamente como virtude pode ser o intelecto, não só o prático, mas também o especulativo, sem nenhuma ordenação relativa à vontade, e assim o Filósofo 7 considera a ciência, a sabedoria, a inteligência e mesmo a arte, como virtudes intelectuais.

O sujeito do hábito, porém, considerado absolutamente como virtude, não pode ser senão a vontade, ou alguma potência movida por ela. E a razão é que a vontade move todas as demais faculdades, de certo modo racionais, para os seus actos, como já dissemos 8. E portanto é por ter boa vontade que o homem age bem. Logo, a virtude que nos leva a agir bem actualmente, e não só em possibilidade, é necessário que exista ou na própria vontade, ou em alguma potência enquanto movida por esta.

Ora, o intelecto, como as demais potências, pode ser movido pela vontade, pois consideramos alguma coisa actualmente porque queremos. E portanto, o intelecto, enquanto ordenado à vontade, pode ser sujeito da virtude, em si mesma. E deste modo o intelecto especulativo ou razão é sujeito da fé, pois o intelecto é movido a assentir ao que pertence à fé, pelo império da vontade, pois ninguém crê senão porque quer. O intelecto prático, por seu lado, é sujeito da prudência. E como esta é a razão recta do que devemos praticar, exige que o homem leve em conta os princípios dessa razão referentes ao que deve praticar, que são os fins, aos quais ele bem se adapta pela rectidão da vontade, assim como aos princípios das coisas especulativas, pelo lume natural do intelecto agente. Donde, assim como o sujeito da ciência, que é a razão recta das coisas especulativas, é o intelecto especulativo, ordenado ao intelecto agente, assim o sujeito da prudência é o intelecto prático, ordenado à vontade reta.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As palavras de Agostinho devem entender-se da virtude absolutamente considerada, não que toda virtude dessa natureza seja, absolutamente falando, amor, mas porque depende dele de certo modo, enquanto depende da vontade, cujo primeiro afecto é o amor, como já se disse 9.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem de cada ser é o seu fim. E portanto, como a verdade é o fim do intelecto, conhecê-la é o acto recto deste, donde, se chama virtude o hábito, que aperfeiçoa o intelecto para conhecer a verdade, tanto na ordem especulativa como na prática.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção colhe quanto à virtude absolutamente considerada.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. De moribus Ecclesiae (cap. X).
2. Q. 55 a. 3.
3. II Ethic., lect. VI.
4. Q. 55, a. 4.
5. Q. 55, a. 4.
6. VI Ethic., lect. II.
7. VI Ethic. (ibid).
8. Q. 9, a. 1.
9. Q. 24, a. 1, 2, 3.


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