Art. 3 — Se uma só virtude
é a que versa sobre as obras.
O
terceiro discute-se assim. — Parece que só uma virtude moral é a que versa
sobre as obras.
1.
— Pois, a rectidão de todos os actos externos pertence à justiça. Ora, esta é
uma virtude. Logo, só há uma virtude que diz respeito a elas.
2.
Demais. — Há uma diferença máxima entre as obras ordenadas ao bem individual e
as ordenadas ao bem comum. Mas esta diferença não diversifica as virtudes
morais, pois, como diz o Filósofo, a justiça legal, que ordena os nossos actos
para o bem comum, não difere da que os ordena para o nosso bem individual,
senão por uma diferença de razão 1. Logo, a diversidade das obras
não causa a das virtudes morais.
3.
Demais. — Se a obras diferentes se referissem virtudes morais diferentes, seria
necessário que tal fosse a diversidade das virtudes morais qual a das obras.
Ora, isto é claramente falso, pois à justiça pertence estabelecer a rectidão
dos diversos géneros são só das trocas, como das distribuições, conforme se vê
em Aristóteles 2. Logo, a obras diferentes não correspondem virtudes
diferentes.
Mas,
em contrário, a religião é uma virtude diferente da piedade, contudo, uma e outra
versa sobre determinados actos.
Todas as virtudes morais, que versam sobre as obras, convêm numa noção geral
de justiça, que se funda no devido a outrem, distinguem-se porém por diferentes
razões especiais. E isto porque a ordem racional dos actos externos se funda,
como já dissemos 3, não na relação com o afecto humano, mas na
conveniência da causa consigo própria, da qual deduzimos a ideia do devido, que
funda a noção de justiça, a qual exige que paguemos o débito. E portanto, todas
as virtudes, como ela, que versam sobre as obras, participam de certo modo da
justiça. Mas a noção de débito não é a mesma em todos os casos. Assim, umas
vezes devemos ao nosso igual, outras, ao superior, outras, a um inferior, umas
vezes, em virtude de um contrato, outras, de uma promessa ou por um benefício
recebido. Ora, a estas diferentes ideias de débito correspondem virtudes diferentes,
assim, pela religião damos a Deus o que lhe é devido, a piedade manda-nos pagar
o débito aos pais ou à pátria, o agradecimento, aos benfeitores e assim por
diante.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A justiça propriamente dita é uma virtude
especial fundada em a noção perfeita de débito, susceptível de ser satisfeito por
equivalência. Mas também se chama justiça, em sentido mais amplo, a virtude que
exige a satisfação de qualquer débito. E nesta última acepção não é uma virtude
especial.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A justiça, que visa o bem comum, é uma virtude diferente da
ordenada ao bem privado de alguém, e por isso o direito comum se distingue do
direito privado, e Túlio admite uma virtude especial, a piedade, ordenada ao
bem da pátria 4. Ora, a justiça, que ordena o homem para o bem
comum, tem um império geral, pois ordena todos os actos das virtudes ao devido
fim, que é o bem comum. Mas também a virtude se chama justiça, que é ordenada
pela justiça, no primeiro sentido. Donde, a virtude só racionalmente difere da
justiça legal, assim como só racionalmente difere a virtude, que obra por si
mesma, da que o faz por império de outra.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Todas as obras pertencentes à justiça especial supõem a mesma
noção de débito. E portanto, constituem a mesma virtude da justiça,
principalmente quanto às trocas. Mas talvez, a justiça distributiva seja de
espécie diferente da comutativa, questão esta de que mais adiante se tratará 5.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. V Ethic. (lect. II).
2. V Ethic. (lect. II).
3. Q.60, a. 2.
4. II De invent., cap. LIII.
5.
IIa IIae q. 61, a. 1.
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