06/12/2013

Leitura espiritual para 06 Dez

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.

Para ver, clicar SFF.

Evangelho: Mt 5, 33-48; 6, 1-4

33 «Igualmente ouvistes que foi dito aos antigos: “Não perjurarás, mas guardarás para com o Senhor os teus juramentos”. 34 Eu, porém, digo-vos que não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35 nem pela terra, porque é o escabelo de Seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande rei. 36 Nem jurarás pela tua cabeça, pois não podes fazer branco ou preto um só dos teus cabelos. 37 Seja o vosso falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que passa disto, procede do Maligno. 38 «Ouvistes que foi dito: “Olho por olho e dente por dente”. 39 Eu, porém, digo-vos que não resistais ao homem mau; mas, se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe também a outra; 40 e ao que quer chamar-te a juízo para te tirar a túnica, cede-lhe também a capa. 41 Se alguém te forçar a dar mil passos, vai com ele mais dois mil. 42 Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem deseja que lhe emprestes. 43 «Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. 44 Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. 45 Deste modo sereis filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre maus e bons, e manda a chuva sobre justos e injustos. 46 Porque, se amais somente os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem os publicanos também o mesmo? 47 E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de especial? Não fazem também assim os próprios gentios? 48 Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito
6 1 «Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. De contrário não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos céus. 2 «Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 3 Mas, quando dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, 4 para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará.




CAMINHO DE PERFEIÇÃO

CAPÍTULO 18.
Prossegue na mesma matéria e diz quanto maiores são os trabalhos dos contemplativos do que os dos activos. É de grande consolação para eles.


1. Pois eu vos digo, filhas, àquelas a quem Deus não leva por este caminho de contemplação, ao que tenho visto e entendido dos que vão por ele, que não levam cruz mais leve e vos admiraríeis das vias e modos pelas quais Deus lhas dá. Eu sei de uns e de outros, e sei claramente que são intoleráveis os trabalhos que Deus dá aos contemplativos; e são de tal sorte que, se não lhes desse aquele manjar de gostos, não se poderiam sofrer. E claro está que, pois aqueles a quem Deus muito quer leva por caminhos de trabalhos, e quanto mais os ama, maiores eles são, não há razão para crer que aborreça os contemplativos, pois por Sua boca os louva e tem por amigos.

2. Pois, crer que admite à Sua estreita amizade gente regalada e sem trabalhos, é disparate. Tenho por muito certo que Deus lhos dá muito maiores. E assim como os leva por caminho barrancoso e áspero e, por vezes, até lhes parece que vão perdidos e que têm de começar de novo e tomá-lo a andar, Sua Majestade tem o cuidado de lhes dar mantimento, e não de água, mas de vinho, para que, embriagados, não entendam o que passam e o possam sofrer. E assim vejo poucos verdadeiros contemplativos que os não veja animosos e determinados a padecer; que, a primeira coisa que o Senhor faz, se são fracos, é incutir-lhes ânimo e fazer com que não tenham trabalhos.

3. Creio que pensam os da vida activa, por um nadinha que os vejam regalados, que não há senão aquilo. Pois eu digo que um dia do que eles passam não o poderíeis porventura suportar. Assim o Senhor, como conhece a todos para o que são, dá a cada um o seu ofício, o que vê mais convir à sua alma, ao mesmo Senhor e ao bem dos próximos; e, como nãt falhe por não vos terdes disposto, não tenhais medo que se perca o vosso trabalho. Olhai que digo que todas o procuremos, pois não estamos aqui para outra coisa; e não só um ano, nem dois, nem mesmo dez, para que não pareça que o deixamos por ser cobardes, e é bem que o Senhor entenda que não é por nossa parte que se falha; sejamos como soldados, que, embora muito tenham servido, sempre hão-de estar a postos para que o capitão os mande para qualquer ofício em que os queira pôr, pois lhes dará o seu soldo. E, quanto melhor paga dá o nosso Rei, de que os da terra!

4. Como vê que estão presentes e com vontade de servir e tem já entendido para o que é cada um, reparte os ofícios conforme as forças que lhes vê; e se não estivessem presentes, não lhes daria nada em que O servissem.
Assim, pois, irmãs, oração mental; quem isto não puder, vocal e leitura e colóquios com Deus, como depois direi. Não se deixem as horas de oração que todas têm. Não se sabe quando chamará o Esposo (não vos aconteça como às virgens loucas), e se lhes quererá dar mais trabalhos disfarçados com gostos. E se não, entendam que não são para isto e que lhes convém aquilo; aqui entra o merecer com humildade, crendo com verdade, que até nem mesmo são para o que fazem.

5. Andai alegres, servindo no que lhes mandam, como tenho dito; e se é verdadeira esta humildade, bem-aventurada tal serva da vida activa, que não murmurará senão de si mesma. Deixe as outras com sua guerra que não é pequena. Porque, embora nas batalhas o alferes não peleje, nem por isso deixa de estarem grande perigo, e no interior deve trabalhar mais que todos; porque, como leva a bandeira, não se pode defender, e ainda que o façam em pedaços não a há-de largar das mãos. Assim, os contemplativos hão-de levar alevantada a bandeira da humildade e sofrer quantos golpes lhes derem, sem dar nenhum; porque o seu ofício é padecer como Cristo, levar alçada a cruz, não a largar das mãos, por mais perigos em que se vejam, nem mostrar fraqueza no padecer; por isso lhe dão tão honroso ofício. Veja o que faz, porque, se larga a bandeira, perder-se-á a batalha. E assim creio que se faz grande dano aos que não estão tão adiante, se vêm nos que eles já têm na conta de capitães e amigos de Deus, não serem as obras conforme ao ofício que têm.

6. Os demais soldados lá se arranjam como podem e, por vezes, fogem de onde vem maior perigo e ninguém repara neles, nem perdem honra; os outros levam todos os olhos postos neles, não se podem mexer.
Assim bom é o ofício, e grande honra e mercê faz o rei a quem o dá, mas não se obriga a pouco quem o aceita. Assim, irmãs, não sabemos o que pedimos; deixemos o Senhor fazer o que quiser, que algumas pessoas há que, por direito de justiça, parece quererem pedir a Deus regalos. Engraçada maneira de humildade! Por isso, bem faz o Conhecedor de todos, que poucas vezes, creio, os dá a estes; vê muito bem que não servem para beber o cálice.

7. O entenderdes, filhas, se estais aproveitadas, estará em ver cada uma se se considera a pior de todas, e isto de modo a dar a perceber pelas suas obras que assim o reconhece, para aproveitamento e bem das outras; e não por ter mais gostos na oração e arroubamentos ou visões ou mercês deste teor que o Senhor concede por vezes, pois temos de aguardar pelo outro mundo para ver o seu valor. Estoutro é moeda corrente, renda que não falha, juros perpétuos e não censos remíveis, que estes tiram-se e põem-se; é uma grande virtude de humildade e mortificação, de grande obediência em não ir num só ponto contra o que manda o prelado, que sabeis verdadeiramente que vo-lo manda Deus, pois está em Seu lugar.
Nisto de obediência é no que mais havia de pôr empenho, pois me parece que, se não a há, é não ser freira. Não digo, no entanto, nada a esse respeito, porque falo com freiras a meu parecer boas, pelo menos que o desejam ser. Em coisa tão sabida e importante, apenas uma palavra para que se não esqueça.

8. Digo que, quem estiver por voto debaixo de obediência e faltar, não trazendo todo o cuidado em como cumprirá com maior perfeição este voto, não sei para que está no convento. Pelo menos eu lhe asseguro que, enquanto nisto faltar, nunca chegará a ser contemplativa, nem mesmo boa activa; e isto tenho por muito, muito certo. E ainda que não seja pessoa que tenha isto como obrigação, se quer ou pretende chegar à contemplação, precisa, para ir com muito acerto, de sujeitar a sua vontade com toda a determinação a um bom confessor. Porque isto é já coisa muito sabida: que aproveitam mais desta sorte em um ano do que, sem isto, em muitos, e como para vós não é mister, não há pois que falar disto.

9. Concluo dizendo que estas virtudes são as que eu desejo que tenhais, minhas filhas, que procureis e santamente invejeis. Essas outras devoções não cureis de ter pena de não as terdes; é coisa incerta. Poderá acontecer que noutras pessoas sejam de Deus e em vós permitirá Sua Majestade seja ilusão do demónio e que ele vos engane, como tem feito a outras pessoas.
Em coisa duvidosa, para que quereis servir o Senhor, tendo tanto em que o podeis fazer com segurança? Quem vos mete em tais perigos?

10. Alarguei-me tanto nisto, porque sei que convém, pois esta nossa natureza é fraca e, a quem Deus quiser dar contemplação, Sua Majestade a fará forte; aos que não, folgo de dar estes visos, com os quais também se humilharão os contemplativos.
O Senhor, por quem é, nos dê luz para seguir em tudo a Sua vontade e nada teremos a temer.

CAPÍTULO 19.
Começa a tratar da oração. Fala com almas que não podem discorrer com o entendimento.

1. Há tantos dias que escrevi o que fica para trás, sem ter tido lugar para voltar a isto, que, se não o torno a ler, não sei o que dizia. Para não ocupar tempo, terá de ir como sair, sem concerto. Para entendimentos bem ordenados e almas exercitadas e que podem recolher-se em si mesmas, há tantos livros escritos e tão bons e por pessoas tais, que seria erro fizésseis caso do que digo em coisas de oração; pois, como digo, tendes esses livros onde, pelos dias da semana, são repartidos os mistérios da vida do Senhor e da Sua Paixão, e meditações sobre o juízo e o inferno, o nosso nada e o muito que devemos a Deus, com excelente doutrina e ordem para o princípio enfim de oração. Quem puder e tiver já costume de seguir este modo de oração, nada há a dizer, pois por tão bom caminho o Senhor o levará a porto de luz, e com tão bons princípios, o fim também o será. Todos os que puderem ir por ele, levarão descanso e segurança, porque, atado o entendimento, vai-se com descanso.
Mas, do que eu quereria tratar e dar algum remédio, se o Senhor quisesse que acertasse (se não, ao menos que entendais que há muitas almas que passam este trabalho para que, se o tiverdes, não vos aflijais), é isto:

2. Há almas e entendimentos tão desenfreados como cavalos sem freio, que não há quem os faça parar. Vão para aqui, vão para ali, sempre com desassossego: e é a sua mesma natureza ou Deus que o permite. Tenho-lhes muita lástima, porque me parecem tal como umas pessoas que têm muita sede e vêm
 a água de muito longe e, quando querem ir até lá, encontram quem lhes embargue o passo no princípio, no meio e no fim. Acontece que, quando com o seu trabalho - e com quanto trabalho! - já têm vencido os primeiros inimigos, deixam-se vencer pelos segundos e antes querem morrer de sede que beber água que tanto lhes há-de custar. Acaba-se-lhes o esforço, falta-lhes o ânimo. E, já que alguns o têm para também vencer os segundos inimigos, para os terceiros acaba-se-lhes a força não estando porventura a mais de dois passos da fonte viva da qual o Senhor disse à Samaritana que, quem dela bebesse, não teria mais sede de água. E com quanta razão e verdade, como dito pela boca da mesma Verdade, pois não a terá de coisas desta vida, embora cresça muito mais do que podemos aqui imaginar, por esta sede natural, a das coisas da outra vida. E com que sede se deseja ter esta sede! Porque a alma entende o seu grande valor, e ainda que seja sede penosíssima que aflige, traz consigo a mesma satisfação com que se mata aquela sede de maneira que é uma sede que não abafa senão a das coisas terrenas, antes dá fartura; e assim, quando Deus a satisfez, a maior mercê que Ele pode fazer à alma é de a deixar com a mesma necessidade, e maior lhe fica sempre a de voltar a beber desta água.

3. A água tem três propriedades, que agora me lembro e me fazem ao caso, e muitas mais terá.
Uma é que refresca: por maior calor que tenhamos, em chegando a água, desaparece; e, se há grande fogo, com ela se extingue, salvo se for de alcatrão, que se ateia mais. Oh! valha-me Deus, que maravilhas há neste incendiar-se mais o fogo com a água, quando é fogo forte, poderoso, não sujeito aos elementos; pois este, com ser seu contrário, não o impede, antes o faz crescer! Muito me auxiliaria falar aqui com quem soubesse filosofia, porque, conhecendo as propriedades das coisas, saber-me-ia explicar, mas vou-me deleitando nisto e não o sei dizer, nem porventura o sei entender.

4. Desde que Deus vos traga, irmãs, a beber desta água, e as que agora dela bebeis, experimentareis isto e entendereis como o verdadeiro amor de Deus - se ele está em toda a sua força, já de todo livre de coisas da terra e paira sobre elas -, é senhor de todos os elementos e do mundo. E, como a água procede dá terra, não tenhais medo que mate esse fogo de amor de Deus; não é de sua jurisdição. Embora sejam contrários, é já senhor absoluto, não lhe está sujeito.
E assim não vos espanteis, irmãs, do muito que tenho dito neste livro, a fim de que busqueis esta liberdade. Não será coisa agradável uma pobre freira de S. José poder chegar a assenhorear-se de toda a terra e dos elementos? E será muito que os santos fizessem deles o que queriam, com o favor de Deus? A S. Martinho, o fogo e as águas obedeciam-lhe; a S. Francisco, até as aves e os peixes; e assim a muitos outros santos, nos quais se via claramente que eram tão senhores de todas as coisas do mundo, porque muito tinham trabalhado para o terem em pouco, sujeitando-se deveras, com todas as suas forças, Àquele que é o Senhor dele. Assim pois, como digo, a água que nasce da terra não tem poder contra este fogo; suas chamas são muito altas e sua nascente não começa em coisa tão baixa.
Outros fogos há de pequeno amor de Deus, que qualquer sucesso os pode matar, mas este não! Ainda que sobrevenha todo um mar de tentações, não farão com que ele deixe de arder de modo a não se assenhorear delas.

5. Mas, se é da água que chove do céu, muito menos o apagará; não são contrários, mas sim da mesma origem. Não tenhais medo que um elemento faça mal ao outro, antes um ajuda ao efeito do outro. Porque a água das lágrimas verdadeiras (que são as que procedem da verdadeira oração, dadas pelo Rei do céu), ajuda este fogo a incendiar-se mais e fá-lo durar, e o fogo ajuda a água a esfriar. Oh! valha-me Deus! que coisa tão bela e de tanta maravilha, que o fogo faça arrefecer! Sim, e até chega a gelar todas as afeições do mundo quando se junta com água viva do céu, que é a fonte donde procedem as lágrimas de que falei acima, que são dadas e não adquiridas, por nossa indústria. Assim, bem certo é que não deixa calor em coisa alguma do mundo, de modo a deter-se nelas, a não ser que possa pegar este fogo, porque é de sua natureza não se contentar com pouco, antes, se pudesse, abrasaria todo o mundo.

6. A outra propriedade é limpar o que não está limpo. Se não houvesse água para lavar, que seria do mundo? Sabeis que tanto limpa esta água viva, esta água celestial, esta água clara, quando não está turva, quando não tem lodo, mas cai do céu? Por uma só vez que se beba, tenho por certo deixa a alma clara e limpa de todas as culpas. Porque - como já tenho escrito Deus não dá lugar a que se beba desta água (porquanto isto não está em nosso querer, pois esta divina união é coisa muito sobrenatural), a não ser para purificar a alma e deixá-la limpa e livre do lodo e miséria em que, por suas culpas, estava metida. Os outros gostos, que vêm por meio do entendimento, por muito que se faça, trazem a água correndo pela terra; não é bebida junto à fonte; nunca faltam neste caminho coisas lodosas em que se detenha e não chegue tão pura e tão límpida. A esta oração - que como digo, vai discorrendo com o entendimento - não chamo eu «água viva», conforme ao meu entender, porque, por mais que façamos, sempre no caminho se pega à nossa alma alguma coisa do que não quereríamos, ajudando a isso este nosso corpo e baixo natural.

7. Quero explicar melhor: estamos pensando no que é o mundo e como tudo se acaba, para o menosprezar. Quase sem o entendermos, achamo-nos metidos nas coisas que dele amamos. Desejando fugir-lhes, estorva-nos pelo menos sempre um pouco o pensar como foi e como será e o que fiz e o que farei. E, a pensar o que faz ao caso para nos livrarmos, metemo-nos, às vezes, de novo no perigo. Não que isso se deva deixar de fazer, mas temer. É preciso não irmos descuidados.
O mesmo Senhor toma aqui este cuidado; não quer que confiemos em nós mesmos. Tem em tal conta a nossa alma, que não a deixa meter-se em coisas que lhe possam causar dano, no tempo em que a quer favorecer; mas, põe-na logo junto de Si e mostra-lhe, num momento, mais verdades e dá-lhe mais claro conhecimento do que é tudo, do que quanto cá na terra poderíamos terem muitos anos. Pois, por não termos livre a vista, cega-nos o pó conforme vamos caminhando. Aqui, porém, leva-nos o Senhor ao termo da viagem sem entendermos como.

8. A outra propriedade da água é que sacia e tira a sede. Porque sede parece-me a mim significar desejo de uma coisa que nos faz grande falta, que, se de todo nos falta, nos mata. Estranha coisa é que, se nos falta, nos mata; e, se nos sobra, nos acaba com a vida, pois vêem-se morrer muitos afogados. Ó Senhor meu! E quem se visse tão engolfada nesta água viva que se lhe acabasse a vida! Mas, não poderá isto ser? Sim; é que tanto pode crescer o amor e o desejo de Deus, que não o possa sofrer o desejo natural, e assim há pessoas que têm morrido. Eu sei duma que, se Deus não a socorresse de pronto, esta água viva era em tão grande abundância, que quase a tirava de si com arroubamentos. Digo quase a tirava de si, porque aqui descansa a alma. Parece que, afogada por não poder sofrer o mundo, ressuscita em Deus e Sua Majestade a torna apta a poder gozar o que, estando em si, não pudera sem que se lhe acabasse a vida.

9. Entenda-se de aqui, como em nosso Sumo Bem não poder haver coisa que não seja perfeita, tudo o que Ele dá é para nosso bem e, por maior abundância que dê desta água, não pode haver demasia em coisa Sua; porque, se dá muito, torna a alma apta - como já disse -, para que seja capaz de beber muito; tal como o oleiro que faz a vasilha do tamanho que vê ser mister para nela caber o que lhe quer deitar.
No desejarmos isto, como é coisa nossa, nunca deixa de haver falha. Se tem alguma coisa boa, é aquilo em que o Senhor ajuda. Mas somos tão indiscretos que, como é pena suave e gostosa, nunca pensamos fartar-nos desta pena; comemos sem medida, ajudamos este desejo conforme podemos, e assim algumas vezes ele chega a matar. Ditosa morte! Mas porventura, com a vida ajudaria outros a morrer com desejos desta morte. E isto creio que faz o demónio, porque entende o dano que estes tais lhe hão-de fazer vivendo, e assim tenta-os aqui com indiscretas penitências a fim de lhes tirar a saúde, e não ganha pouco nisto.


santa teresa de jesus

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