A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Mt 5, 33-48; 6, 1-4
33 «Igualmente ouvistes que foi dito aos
antigos: “Não perjurarás, mas guardarás para com o Senhor os teus juramentos”. 34
Eu, porém, digo-vos que não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o
trono de Deus; 35 nem pela terra, porque é o escabelo de Seus pés;
nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande rei. 36 Nem jurarás
pela tua cabeça, pois não podes fazer branco ou preto um só dos teus cabelos. 37
Seja o vosso falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que passa disto, procede do
Maligno. 38 «Ouvistes que foi dito: “Olho por olho e dente por
dente”. 39 Eu, porém, digo-vos que não resistais ao homem mau; mas,
se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe também a outra; 40
e ao que quer chamar-te a juízo para te tirar a túnica, cede-lhe também a capa.
41 Se alguém te forçar a dar mil passos, vai com ele mais dois mil. 42
Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem deseja que lhe emprestes. 43
«Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. 44
Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e
orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. 45 Deste modo sereis
filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre maus e
bons, e manda a chuva sobre justos e injustos. 46 Porque, se amais
somente os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem os publicanos
também o mesmo? 47 E se saudardes somente os vossos irmãos, que
fazeis de especial? Não fazem também assim os próprios gentios? 48
Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito
6 1 «Guardai-vos de fazer as
boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. De contrário
não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos céus. 2
«Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem
os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em
verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 3 Mas, quando
dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, 4
para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em
segredo, te pagará.
CAMINHO DE PERFEIÇÃO
CAPÍTULO 18.
Prossegue na mesma
matéria e diz quanto maiores são os trabalhos dos contemplativos do que os dos
activos. É de grande consolação para eles.
1. Pois eu vos
digo, filhas, àquelas a quem Deus não leva por este caminho de contemplação, ao
que tenho visto e entendido dos que vão por ele, que não levam cruz mais leve e
vos admiraríeis das vias e modos pelas quais Deus lhas dá. Eu sei de uns e de
outros, e sei claramente que são intoleráveis os trabalhos que Deus dá aos contemplativos;
e são de tal sorte que, se não lhes desse aquele manjar de gostos, não se
poderiam sofrer. E claro está que, pois aqueles a quem Deus muito quer leva por
caminhos de trabalhos, e quanto mais os ama, maiores eles são, não há razão
para crer que aborreça os contemplativos, pois por Sua boca os louva e tem por
amigos.
2. Pois, crer que
admite à Sua estreita amizade gente regalada e sem trabalhos, é disparate.
Tenho por muito certo que Deus lhos dá muito maiores. E assim como os leva por
caminho barrancoso e áspero e, por vezes, até lhes parece que vão perdidos e
que têm de começar de novo e tomá-lo a andar, Sua Majestade tem o cuidado de
lhes dar mantimento, e não de água, mas de vinho, para que, embriagados, não
entendam o que passam e o possam sofrer. E assim vejo poucos verdadeiros
contemplativos que os não veja animosos e determinados a padecer; que, a
primeira coisa que o Senhor faz, se são fracos, é incutir-lhes ânimo e fazer
com que não tenham trabalhos.
3. Creio que
pensam os da vida activa, por um nadinha que os vejam regalados, que não há
senão aquilo. Pois eu digo que um dia do que eles passam não o poderíeis porventura
suportar. Assim o Senhor, como conhece a todos para o que são, dá a cada um o
seu ofício, o que vê mais convir à sua alma, ao mesmo Senhor e ao bem dos próximos;
e, como nãt falhe por não vos terdes disposto, não tenhais medo que se perca o
vosso trabalho. Olhai que digo que todas o procuremos, pois não estamos aqui
para outra coisa; e não só um ano, nem dois, nem mesmo dez, para que não pareça
que o deixamos por ser cobardes, e é bem que o Senhor entenda que não é por
nossa parte que se falha; sejamos como soldados, que, embora muito tenham
servido, sempre hão-de estar a postos para que o capitão os mande para qualquer
ofício em que os queira pôr, pois lhes dará o seu soldo. E, quanto melhor paga
dá o nosso Rei, de que os da terra!
4. Como vê que
estão presentes e com vontade de servir e tem já entendido para o que é cada
um, reparte os ofícios conforme as forças que lhes vê; e se não estivessem
presentes, não lhes daria nada em que O servissem.
Assim, pois,
irmãs, oração mental; quem isto não puder, vocal e leitura e colóquios com
Deus, como depois direi. Não se deixem as horas de oração que todas têm. Não se
sabe quando chamará o Esposo (não vos aconteça como às virgens loucas), e se
lhes quererá dar mais trabalhos disfarçados com gostos. E se não, entendam que
não são para isto e que lhes convém aquilo; aqui entra o merecer com humildade,
crendo com verdade, que até nem mesmo são para o que fazem.
5. Andai alegres,
servindo no que lhes mandam, como tenho dito; e se é verdadeira esta humildade,
bem-aventurada tal serva da vida activa, que não murmurará senão de si mesma.
Deixe as outras com sua guerra que não é pequena. Porque, embora nas batalhas o
alferes não peleje, nem por isso deixa de estarem grande perigo, e no interior
deve trabalhar mais que todos; porque, como leva a bandeira, não se pode
defender, e ainda que o façam em pedaços não a há-de largar das mãos. Assim, os
contemplativos hão-de levar alevantada a bandeira da humildade e sofrer quantos
golpes lhes derem, sem dar nenhum; porque o seu ofício é padecer como Cristo,
levar alçada a cruz, não a largar das mãos, por mais perigos em que se vejam,
nem mostrar fraqueza no padecer; por isso lhe dão tão honroso ofício. Veja o
que faz, porque, se larga a bandeira, perder-se-á a batalha. E assim creio que
se faz grande dano aos que não estão tão adiante, se vêm nos que eles já têm na
conta de capitães e amigos de Deus, não serem as obras conforme ao ofício que
têm.
6. Os demais
soldados lá se arranjam como podem e, por vezes, fogem de onde vem maior perigo
e ninguém repara neles, nem perdem honra; os outros levam todos os olhos postos
neles, não se podem mexer.
Assim bom é o
ofício, e grande honra e mercê faz o rei a quem o dá, mas não se obriga a pouco
quem o aceita. Assim, irmãs, não sabemos o que pedimos; deixemos o Senhor fazer
o que quiser, que algumas pessoas há que, por direito de justiça, parece
quererem pedir a Deus regalos. Engraçada maneira de humildade! Por isso, bem
faz o Conhecedor de todos, que poucas vezes, creio, os dá a estes; vê muito bem
que não servem para beber o cálice.
7. O entenderdes,
filhas, se estais aproveitadas, estará em ver cada uma se se considera a pior
de todas, e isto de modo a dar a perceber pelas suas obras que assim o
reconhece, para aproveitamento e bem das outras; e não por ter mais gostos na
oração e arroubamentos ou visões ou mercês deste teor que o Senhor concede por
vezes, pois temos de aguardar pelo outro mundo para ver o seu valor. Estoutro é
moeda corrente, renda que não falha, juros perpétuos e não censos remíveis, que
estes tiram-se e põem-se; é uma grande virtude de humildade e mortificação, de
grande obediência em não ir num só ponto contra o que manda o prelado, que
sabeis verdadeiramente que vo-lo manda Deus, pois está em Seu lugar.
Nisto de obediência
é no que mais havia de pôr empenho, pois me parece que, se não a há, é não ser
freira. Não digo, no entanto, nada a esse respeito, porque falo com freiras a
meu parecer boas, pelo menos que o desejam ser. Em coisa tão sabida e
importante, apenas uma palavra para que se não esqueça.
8. Digo que, quem
estiver por voto debaixo de obediência e faltar, não trazendo todo o cuidado em
como cumprirá com maior perfeição este voto, não sei para que está no convento.
Pelo menos eu lhe asseguro que, enquanto nisto faltar, nunca chegará a ser
contemplativa, nem mesmo boa activa; e isto tenho por muito, muito certo. E
ainda que não seja pessoa que tenha isto como obrigação, se quer ou pretende
chegar à contemplação, precisa, para ir com muito acerto, de sujeitar a sua vontade
com toda a determinação a um bom confessor. Porque isto é já coisa muito
sabida: que aproveitam mais desta sorte em um ano do que, sem isto, em muitos,
e como para vós não é mister, não há pois que falar disto.
9. Concluo dizendo
que estas virtudes são as que eu desejo que tenhais, minhas filhas, que
procureis e santamente invejeis. Essas outras devoções não cureis de ter pena
de não as terdes; é coisa incerta. Poderá acontecer que noutras pessoas sejam
de Deus e em vós permitirá Sua Majestade seja ilusão do demónio e que ele vos
engane, como tem feito a outras pessoas.
Em coisa duvidosa,
para que quereis servir o Senhor, tendo tanto em que o podeis fazer com
segurança? Quem vos mete em tais perigos?
10. Alarguei-me
tanto nisto, porque sei que convém, pois esta nossa natureza é fraca e, a quem
Deus quiser dar contemplação, Sua Majestade a fará forte; aos que não, folgo de
dar estes visos, com os quais também se humilharão os contemplativos.
O Senhor, por quem
é, nos dê luz para seguir em tudo a Sua vontade e nada teremos a temer.
CAPÍTULO 19.
Começa a tratar da
oração. Fala com almas que não podem discorrer com o entendimento.
1. Há tantos dias
que escrevi o que fica para trás, sem ter tido lugar para voltar a isto, que,
se não o torno a ler, não sei o que dizia. Para não ocupar tempo, terá de ir
como sair, sem concerto. Para entendimentos bem ordenados e almas exercitadas e
que podem recolher-se em si mesmas, há tantos livros escritos e tão bons e por
pessoas tais, que seria erro fizésseis caso do que digo em coisas de oração;
pois, como digo, tendes esses livros onde, pelos dias da semana, são repartidos
os mistérios da vida do Senhor e da Sua Paixão, e meditações sobre o juízo e o
inferno, o nosso nada e o muito que devemos a Deus, com excelente doutrina e
ordem para o princípio enfim de oração. Quem puder e tiver já costume de seguir
este modo de oração, nada há a dizer, pois por tão bom caminho o Senhor o
levará a porto de luz, e com tão bons princípios, o fim também o será. Todos os
que puderem ir por ele, levarão descanso e segurança, porque, atado o
entendimento, vai-se com descanso.
Mas, do que eu
quereria tratar e dar algum remédio, se o Senhor quisesse que acertasse (se
não, ao menos que entendais que há muitas almas que passam este trabalho para
que, se o tiverdes, não vos aflijais), é isto:
2. Há almas e
entendimentos tão desenfreados como cavalos sem freio, que não há quem os faça
parar. Vão para aqui, vão para ali, sempre com desassossego: e é a sua mesma
natureza ou Deus que o permite. Tenho-lhes muita lástima, porque me parecem tal
como umas pessoas que têm muita sede e vêm
a água de muito longe e, quando querem ir até
lá, encontram quem lhes embargue o passo no princípio, no meio e no fim.
Acontece que, quando com o seu trabalho - e com quanto trabalho! - já têm
vencido os primeiros inimigos, deixam-se vencer pelos segundos e antes querem
morrer de sede que beber água que tanto lhes há-de custar. Acaba-se-lhes o
esforço, falta-lhes o ânimo. E, já que alguns o têm para também vencer os
segundos inimigos, para os terceiros acaba-se-lhes a força não estando
porventura a mais de dois passos da fonte viva da qual o Senhor disse à
Samaritana que, quem dela bebesse, não teria mais sede de água. E com quanta
razão e verdade, como dito pela boca da mesma Verdade, pois não a terá de
coisas desta vida, embora cresça muito mais do que podemos aqui imaginar, por
esta sede natural, a das coisas da outra vida. E com que sede se deseja ter
esta sede! Porque a alma entende o seu grande valor, e ainda que seja sede
penosíssima que aflige, traz consigo a mesma satisfação com que se mata aquela
sede de maneira que é uma sede que não abafa senão a das coisas terrenas, antes
dá fartura; e assim, quando Deus a satisfez, a maior mercê que Ele pode fazer à
alma é de a deixar com a mesma necessidade, e maior lhe fica sempre a de voltar
a beber desta água.
3. A água tem três
propriedades, que agora me lembro e me fazem ao caso, e muitas mais terá.
Uma é que refresca:
por maior calor que tenhamos, em chegando a água, desaparece; e, se há grande
fogo, com ela se extingue, salvo se for de alcatrão, que se ateia mais. Oh!
valha-me Deus, que maravilhas há neste incendiar-se mais o fogo com a água,
quando é fogo forte, poderoso, não sujeito aos elementos; pois este, com ser
seu contrário, não o impede, antes o faz crescer! Muito me auxiliaria falar
aqui com quem soubesse filosofia, porque, conhecendo as propriedades das
coisas, saber-me-ia explicar, mas vou-me deleitando nisto e não o sei dizer,
nem porventura o sei entender.
4. Desde que Deus
vos traga, irmãs, a beber desta água, e as que agora dela bebeis,
experimentareis isto e entendereis como o verdadeiro amor de Deus - se ele está
em toda a sua força, já de todo livre de coisas da terra e paira sobre elas -,
é senhor de todos os elementos e do mundo. E, como a água procede dá terra, não
tenhais medo que mate esse fogo de amor de Deus; não é de sua jurisdição. Embora
sejam contrários, é já senhor absoluto, não lhe está sujeito.
E assim não vos
espanteis, irmãs, do muito que tenho dito neste livro, a fim de que busqueis
esta liberdade. Não será coisa agradável uma pobre freira de S. José poder
chegar a assenhorear-se de toda a terra e dos elementos? E será muito que os
santos fizessem deles o que queriam, com o favor de Deus? A S. Martinho, o fogo
e as águas obedeciam-lhe; a S. Francisco, até as aves e os peixes; e assim a
muitos outros santos, nos quais se via claramente que eram tão senhores de
todas as coisas do mundo, porque muito tinham trabalhado para o terem em pouco,
sujeitando-se deveras, com todas as suas forças, Àquele que é o Senhor dele.
Assim pois, como digo, a água que nasce da terra não tem poder contra este
fogo; suas chamas são muito altas e sua nascente não começa em coisa tão baixa.
Outros fogos há de
pequeno amor de Deus, que qualquer sucesso os pode matar, mas este não! Ainda
que sobrevenha todo um mar de tentações, não farão com que ele deixe de arder
de modo a não se assenhorear delas.
5. Mas, se é da
água que chove do céu, muito menos o apagará; não são contrários, mas sim da
mesma origem. Não tenhais medo que um elemento faça mal ao outro, antes um
ajuda ao efeito do outro. Porque a água das lágrimas verdadeiras (que são as
que procedem da verdadeira oração, dadas pelo Rei do céu), ajuda este fogo a
incendiar-se mais e fá-lo durar, e o fogo ajuda a água a esfriar. Oh! valha-me
Deus! que coisa tão bela e de tanta maravilha, que o fogo faça arrefecer! Sim,
e até chega a gelar todas as afeições do mundo quando se junta com água viva do
céu, que é a fonte donde procedem as lágrimas de que falei acima, que são dadas
e não adquiridas, por nossa indústria. Assim, bem certo é que não deixa calor
em coisa alguma do mundo, de modo a deter-se nelas, a não ser que possa pegar
este fogo, porque é de sua natureza não se contentar com pouco, antes, se
pudesse, abrasaria todo o mundo.
6. A outra
propriedade é limpar o que não está limpo. Se não houvesse água para lavar, que
seria do mundo? Sabeis que tanto limpa esta água viva, esta água celestial,
esta água clara, quando não está turva, quando não tem lodo, mas cai do céu?
Por uma só vez que se beba, tenho por certo deixa a alma clara e limpa de todas
as culpas. Porque - como já tenho escrito Deus não dá lugar a que se beba desta
água (porquanto isto não está em nosso querer, pois esta divina união é coisa
muito sobrenatural), a não ser para purificar a alma e deixá-la limpa e livre
do lodo e miséria em que, por suas culpas, estava metida. Os outros gostos, que
vêm por meio do entendimento, por muito que se faça, trazem a água correndo
pela terra; não é bebida junto à fonte; nunca faltam neste caminho coisas
lodosas em que se detenha e não chegue tão pura e tão límpida. A esta oração -
que como digo, vai discorrendo com o entendimento - não chamo eu «água viva»,
conforme ao meu entender, porque, por mais que façamos, sempre no caminho se
pega à nossa alma alguma coisa do que não quereríamos, ajudando a isso este
nosso corpo e baixo natural.
7. Quero explicar
melhor: estamos pensando no que é o mundo e como tudo se acaba, para o
menosprezar. Quase sem o entendermos, achamo-nos metidos nas coisas que dele
amamos. Desejando fugir-lhes, estorva-nos pelo menos sempre um pouco o pensar
como foi e como será e o que fiz e o que farei. E, a pensar o que faz ao caso
para nos livrarmos, metemo-nos, às vezes, de novo no perigo. Não que isso se
deva deixar de fazer, mas temer. É preciso não irmos descuidados.
O mesmo Senhor
toma aqui este cuidado; não quer que confiemos em nós mesmos. Tem em tal conta
a nossa alma, que não a deixa meter-se em coisas que lhe possam causar dano, no
tempo em que a quer favorecer; mas, põe-na logo junto de Si e mostra-lhe, num
momento, mais verdades e dá-lhe mais claro conhecimento do que é tudo, do que quanto
cá na terra poderíamos terem muitos anos. Pois, por não termos livre a vista,
cega-nos o pó conforme vamos caminhando. Aqui, porém, leva-nos o Senhor ao
termo da viagem sem entendermos como.
8. A outra
propriedade da água é que sacia e tira a sede. Porque sede parece-me a mim
significar desejo de uma coisa que nos faz grande falta, que, se de todo nos
falta, nos mata. Estranha coisa é que, se nos falta, nos mata; e, se nos sobra,
nos acaba com a vida, pois vêem-se morrer muitos afogados. Ó Senhor meu! E quem
se visse tão engolfada nesta água viva que se lhe acabasse a vida! Mas, não
poderá isto ser? Sim; é que tanto pode crescer o amor e o desejo de Deus, que
não o possa sofrer o desejo natural, e assim há pessoas que têm morrido. Eu sei
duma que, se Deus não a socorresse de pronto, esta água viva era em tão grande
abundância, que quase a tirava de si com arroubamentos. Digo quase a tirava de
si, porque aqui descansa a alma. Parece que, afogada por não poder sofrer o
mundo, ressuscita em Deus e Sua Majestade a torna apta a poder gozar o que,
estando em si, não pudera sem que se lhe acabasse a vida.
9. Entenda-se de
aqui, como em nosso Sumo Bem não poder haver coisa que não seja perfeita, tudo
o que Ele dá é para nosso bem e, por maior abundância que dê desta água, não
pode haver demasia em coisa Sua; porque, se dá muito, torna a alma apta - como
já disse -, para que seja capaz de beber muito; tal como o oleiro que faz a
vasilha do tamanho que vê ser mister para nela caber o que lhe quer deitar.
No desejarmos
isto, como é coisa nossa, nunca deixa de haver falha. Se tem alguma coisa boa,
é aquilo em que o Senhor ajuda. Mas somos tão indiscretos que, como é pena
suave e gostosa, nunca pensamos fartar-nos desta pena; comemos sem medida,
ajudamos este desejo conforme podemos, e assim algumas vezes ele chega a matar.
Ditosa morte! Mas porventura, com a vida ajudaria outros a morrer com desejos
desta morte. E isto creio que faz o demónio, porque entende o dano que estes
tais lhe hão-de fazer vivendo, e assim tenta-os aqui com indiscretas
penitências a fim de lhes tirar a saúde, e não ganha pouco nisto.
santa teresa de
jesus
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