Art. 4 — Se o intelecto é
susceptível de hábitos.
(III Sent., dist. XIV, a. 1, qª
2, dist. XXIII, q. 1, a. 1, De Verit., q. 10, a. 2, De Virtut.,
q. 1, a. 1).
O
quarto discute-se assim. — Parece que o intelecto não é susceptível de hábito.
1.
— Pois, os hábitos são conformados às operações, como já se disse (a. 1). Ora,
as operações do homem são comuns à alma e ao corpo, conforme diz Aristóteles 1.
Logo, também o hábito. Ora, o intelecto não é acto do corpo, como ensina
Aristóteles 2. Logo, o intelecto não é sujeito de nenhum hábito.
2.
Demais — Tudo o existente noutro ser, existe ao modo do mesmo. Ora, o que é
forma sem matéria é somente acto, ao passo que o composto de forma e de matéria
encerra simultaneamente a potência e o acto. Logo, no ser puramente formal não pode
nada existir que esteja simultaneamente em potência e em acto, mas somente no
ser composto de matéria e forma. Ora, o intelecto é forma sem matéria. Logo, o
hábito, que encerra simultaneamente a potência e o acto, sendo um quase termo
médio entre este e aquela, não pode existir no intelecto, mas só no conjunto,
composto de alma e corpo.
3.
Demais — O hábito é uma disposição pela qual nos dispomos, para o bem ou o mal,
para alguma coisa, como diz Aristóteles 3. Ora, é por uma disposição
do corpo, que nos dispomos o bem ou o mal para o acto da inteligência, Donde,
Aristóteles diz ainda, que os de carne delicada são, como vemos, de boa aptidão
mental 4. Logo, os hábitos cognoscitivos não existem no intelecto,
que é separado, mas em alguma potência que seja acto de uma parte do corpo.
Mas,
em contrário, o Filósofo coloca a ciência, a sapiência, e o intelecto, que é o
hábito dos princípios, na parte intelectiva própria da alma 5.
São várias as opiniões a respeito dos hábitos cognoscitivos. Assim uns,
ensinando que o intelecto possível é o mesmo para todos os homens, são forçados
a admitir que os hábitos cognoscitivos existem, não no próprio intelecto, mas
nas virtudes interiores sensitivas. Pois, os homens, diversificando-se pelos
hábitos, como é manifesto, não podemos admitir que os hábitos cognoscitivos
existam directamente no que, sendo numericamente uno, é comum a todos os
homens. Donde, se o intelecto possível é numericamente um, para todos os
homens, os hábitos das ciências, que os diversificam, não poderão existir nele
como sujeito, mas sim, nas potências interiores sensitivas, diversas nos
diversos homens.
Mas,
esta opinião, primeiro é contra a intenção de Aristóteles. Pois, é manifesto
que as potências sensitivas não são racionais por essência, mas só, por
participação, como diz Aristóteles 6. Ora, o Filósofo inclui as
virtudes intelectuais — a sapiência, a ciência e o intelecto — na parte
racional por essência. Donde, não existem nas potências sensitivas, mas no
próprio intelecto. Pois, diz expressamente que o intelecto possível, quando se
torna em cada coisa singular, i. é, quando é reduzido ao acto (apreensivo) das
coisas singulares pelas espécies inteligíveis, então se actualiza, do modo pelo
qual dizemos que quem é ciente está em acto, e isto dá-se quando podemos operar
por nós mesmos, i. é, reflectindo. E é, sem dúvida, certo que, também neste
caso, é potencial, de certa maneira, não, porém, como antes de aprender ou
descobrir 7.
Donde,
é no intelecto possível que está o hábito da ciência, pelo qual ele pode reflectir,
embora não esteja reflectindo. — Em segundo lugar, a opinião de que se trata
vai também contra a verdade das coisas. Pois, assim como a potência também o
hábito é próprio do ser ao qual é própria a operação. Ora, inteligir e reflectir
é acto próprio do intelecto. Logo, também o hábito, pelo qual reflectimos, está
propriamente no intelecto.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Alguns disseram, como refere Simplício 8,
que, como toda operação do homem pertence, de certo modo, ao composto, segundo
o diz o Filósofo 9, nenhum hábito pertence só à alma, mas ao
conjunto. Donde se segue que, sendo o intelecto separado, não existe nele nenhum
hábito, como o pretende a razão anterior. — Mas esta objecção não colhe, pois,
o hábito não é uma disposição do objecto para a potência, mas antes, desta para
aquele. Donde e necessariamente, o hábito há-de existir na própria potência,
que é princípio do acto, não porém no que está para a potência como seu objecto.
Ora, só em razão dos fantasmas, como já se estabeleceu 10, é que
dizemos que inteligir é comum à alma e ao corpo, e é claro que o fantasma se
reporta ao intelecto possível como seu objecto, segundo já se demonstrou 11.
Donde se conclui, que o hábito intelectivo se radica principalmente no próprio
intelecto e não nos fantasmas, comuns à alma e ao corpo. Logo, devemos
concluir, que o intelecto possível é o sujeito do hábito. Ora, isso é próprio
ao que é potencial em relação a muitos termos, o que convém, por excelência, ao
intelecto possível. Portanto, este é o sujeito dos hábitos intelectuais.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Assim como ser potencial em relação ao ser sensível é natural à
matéria corpórea, assim o é ao intelecto possível sê-lo em relação ao ser
inteligível. Donde, nada impede que exista no intelecto possível o hábito,
meio-termo entre a pura potência e o acto perfeito.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Ao prepararem interiormente as potências apreensivas, o objecto
próprio, ao intelecto possível, resulta que, pela boa disposição de tais
potências, para a qual coopera a boa disposição do corpo, o homem se torna apto
a inteligir. E assim, o hábito intelectivo pode, secundariamente, existir
nessas potências, principalmente, porém, existe no intelecto possível.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
I De anima (lect. II, X).
2.
III De anima (lect. VII).
3.
V Metaph. (lect. XX).
4.
II De anima (lect. XIX).
5.
VI Ethic. (lect. II sqq).
6. I Ethic. (lect. XX).
7. III De anima(lect. VIII).
8. Comment. Praedicam.
(cap. De qualit.).
9.
I De anima.
10.
I De anima (lect. II).
11.
III De anima (lect. XII).
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