Art. 3 —Se o hábito
implica ordenação para o acto.
O
terceiro discute-se assim. — Parece que o hábito não implica ordenação para o
acto.
1. — Pois, um ser age enquanto actual. Ora, o Filósofo diz: o hábito adquirido da ciência não exclui de nós a potencialidade, embora diferente da que existia antes de sabermos 1. Logo, o hábito não implica relação de princípio com o acto.
2.
Demais — O que entra numa definição convém por si mesmo ao definido. Ora, está
incluído na definição de potência o ser princípio de acção, como se vê em
Aristóteles 2. Logo, ser princípio do acto convém, em si mesmo, à
potência. Ora, o que é por si é princípio, em qualquer género. Se portanto, o
hábito é princípio do acto, segue-se que é posterior à potência e assim o
hábito ou disposição não será a primeira espécie de qualidade.
3.
Demais — A saúde é, às vezes, um hábito, bem como a magreza e a beleza. Ora,
estas últimas não se chamam assim por se ordenarem ao acto. Logo, não é da
natureza do hábito ser princípio do acto.
Mas,
em contrário, diz Agostinho, que o hábito é o que leva um ser a agir, quando
for preciso 3. E o Comentador diz, que pelo hábito agimos quando
queremos 4.
Ordenar-se ao acto pode convir ao hábito tanto em razão dele próprio como em
razão do sujeito no qual existe.
No
primeiro caso, convém a todo hábito ordenar-se, de certo modo, ao acto. Pois o
hábito implica por essência uma certa relação ordenada à natureza da coisa,
enquanto lhe convém ou não. E a natureza da coisa, por sua vez, que é o fim da
geração, também se ordena a outro fim, que ou é uma operação ou alguma obra a
que chegamos pela operação. Donde, o hábito não somente supõe uma ordenação à
natureza própria da coisa, mas também e consequentemente à operação, enquanto
fim da natureza, ou conducente ao fim. E por isso, Aristóteles diz, definindo o
hábito, que é uma disposição pela qual ficamos bem ou mal dispostos, ou em nós
mesmos, i. é, de conformidade com a nossa natureza, ou relativamente a outra
coisa 5, i. é, em ordem ao fim.
Há
porém certos hábitos que, mesmo por parte do sujeito em que estão, implicam
primária e principalmente ordenação ao acto. Porque, como já dissemos, o
hábito, primariamente e por si implica relação com a natureza da coisa. Se
portanto, a natureza da coisa, na qual existe o hábito, consiste propriamente
no mesmo ordenar-se ao acto, resulta que o hábito implica, principalmente essa
mesma ordenação. Ora, é manifesto, que é da natureza e da essência da potência
ser princípio do acto. Donde, todo hábito que pertence a alguma potência, como
sujeito, implica principalmente ordenação ao acto.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O hábito é um acto, como qualidade que é, e
assim pode ser princípio de operação. Mas, é potencial, relativamente à
operação, e por isso é chamado acto primeiro, sendo a operação chamada acto
segundo, como se vê claramente 6.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — É da essência do hábito respeitar não à potência, mas à natureza.
E como esta precede a ação, a que respeita a potência, resulta que o hábito,
como espécie de qualidade, tem prioridade sobre a potência.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A saúde é considerada um hábito ou disposição habitual em ordem à
natureza, como já dissemos. Como princípio do acto, porém e por consequência a
natureza implica em se lhe ordenar. E por isso o Filósofo diz, que consideramos
são o homem, ou um membro qualquer, quando pode obrar como são 7. E
o mesmo se dá com os demais seres.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
III De Anima (lect. VIII).
2.
V Metaph. (lect. XIV).
3.
De Bono conjugali (cap. XXI).
4.
III De anima (comment. XVIII).
5.
V Metaph. (lect. XX).
6.
II De anima (lect. I).
7.
X de hist. Animalium, cap. I.
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